Sunday, December 30, 2007

músicas soltas

Gostei imenso de ver isto ao vivo em Londres. Vale a pena partilhar. Também vale a pena ir vê-los a Lisboa, se ele cá vierem. http://www.myspace.com/thedoband. Energia pura.
Depois, porque a banda sonora disto deixou de funcionar, fica aqui um link http://www.myspace.com/lofifnksweden, depois de muitos pedidos.
E este post sem gracinha fecha 2007. É assim.

Friday, December 28, 2007

Nickelback

Uma recente votação, organizada por um painel de especialistas, elegeu Nickelback como a banda menos relevante da actualidade. Segundo o comunicado do painel - encabeçado e constituído por um ouvinte de fino ouvido - "a banda não produz nada de jeito e tem um airspace exponencialmente superior ao merecido". O painel, conhecido órgão de audição e, por vezes, divulgação, de música de qualidade, choca-se ainda perante a "desmerecida exposição de Nickelback" e "o excesso de vezes a que o público português e mundial é obrigado a ouvir as suas canções na rádio." Num registo menos agressivo, o painel afirma ainda que "a voz de Chad Kroeger é pedante e falsamente coitadinha", terminando com a sugestão de "deitar para o lixo qualquer cd que quem quer que seja possua da banda" e "eliminar ficheiros de mp3 cujo nome comece por Nickelback."
O painel é um órgão independente e incorruptivel, presidido e constituído por El-Gee, que sou eu.

Wednesday, December 26, 2007

Viver para Sempre

Ganhei um súbito respeito e admiração pelos velhos. Velhos e velhas. Gente velha. Idosos, que é como se trata agora - como quem chama homossexuais aos maricas, ou países em vias de desenvolvimento ao Terceiro Mundo, ou primeiros-ministros aos ratos de partido que lambem mais botas; bom, indo ao que interessa -, as pessoas velhas.
Estava sentado num banco de aeroporto a passear-me sem noção de gravidade pelos jardins amarelos de Windsor for the Derby , quando um senhor para lá da barreira dos 80 anos se arrastou lentamente até ao banco à minha frente, se sentou e me sorriu timidamente.
"Coitado", pensei eu, "place your ear to the ground, you'll hear a voice", e desliguei o iPod porque já estava a sonhar com a letra da música. "Coitado", voltei a pensar, "deve-se sentir complexadíssimo a andar tão devagarinho e com aquelas pernas tão frágeis, entre a dinâmica acelerada destas gentes de aeroporto.
Mas depois comecei a imaginar o que levaria aquele velhote a ter de apanhar um vôo. O meu avô, por exemplo, não pode voar, diz que lhe faz mal aos ouvidos. Mas aquele senhor - vamos chamar-lhe Samuel, que é um nome internacional e ele não tinha ar de português -, o Sr. Samuel estava ali com um objectivo e obviamente uma necessidade inerente de transporte. Ele necessitava de ir de um lugar a outro. Havia acção na sua lenta vida.
O Sr. Samuel, aos 80 anos, estava - e está, espero (embora se trate de um desconhecido que me deveria ser indiferente) - vivo. Activo. Há acção na sua vida. Um propósito. Uma Personalidade, para lá do "velho".
Que série de acontecimentos na vida deste velho, pensava eu, levaram a este momento? E mais, que se andou a passar na vida dele durante tanto tempo? Este homem já cá anda há anos e anos e anos, já deve ter feito mil coisas, guiou mil quilómetros, conheceu mil mulheres, teve mil filhos e bebeu o leite de mil vacas e o vinho de mil uvas. Para além das outras mil coisas que fez.
E foi aí que eu percebi o pouco que sei da vida e o pouco que fiz.
E percebi, também, que não tenho garantia nenhuma de chegar à idade do Sr. Samuel e que, provavelmente, a esperança de vida para mim é inferior à idade dele.
E olhei então para os meus pézinhos de 24 anos, convencidos que vão a todo o lado e que são ágeis para sempre, e comparei-os com os ossos fracos do meu colega de aeroporto; e reparei que os meus pés correm muito mais rápido do que os dele, hoje, mas que eu não fazia idéia de quão rápido aquele homem terá conseguido correr nos seus melhores dias, nem como foram e onde foram os seus melhores dias, nem que tipo de homem ele foi quando tinha a minha idade, nem se era melhor ou pior que eu nas mil e uma variáveis da vida na terra.
A única garantia que eu tinha e tenho é que o Sr. Samuel viveu até aos 80 anos e estava exactamente no mesmo sítio que eu.
E imaginei então quantos amigos do Sr. Samuel já estariam mortos, e quantos colegas de trabalho, de faculdade (se tiver andado na faculdade), e de liceu, e quantos vizinhos da sua rua de infância e quantos filhos de amigos dos pais dele nascidos no mesmo ano.
Aos 80 anos, cheguei eu à conclusão, o Sr. Samuel é um sobrevivente da sua geração. É um dos mais fortes de todos, não morreu à nascença, nem em bébé, passou a infância e a adolescência, passou os 30, e os 40, os 50, os 60, os 70 e os 80.
Sobreviveu a doenças, ao frio, ao calor, a desastres de auto-estrada, a atropelamentos, a envenenamentos, a porradas, a bulhas, a intrigas, a mesquinhices, a empurrões, a temporais; não se afogou no mar nem se sufocou em lado nenhum, não ficou preso num incêndio nem foi vítima de um tremor de terra. Protegeu-se do frio no Inverno, alimentou-se decentemente, resistiu ao fumo do tabaco que o rodeou durante toda a vida e não sucumbiu às malhas do alcool ou das drogas.
O Sr. Samuel, como todos os velhos que andam pela rua à nossa volta
- os "coitadinhos", os "inúteis", os "pesos", os "chupa-recursos-do-Estado", os "atrapalhas", os "distraídos", os "pitosgas", os "doentes", os "teimosos" -
é um homem forte e viveu muito mais do que a maioria das pessoas.

E o Sr. Samuel estava no sul da Europa. Que dizer de um velho noruguês ou russo, em 80 invernos a -20ºC? São todos, até prova em contrário, muito mais homens do que eu provavelmente vou ser, a alimentar-me desta maneira de café e peixe-cru.
E por isso, agora, olho cada velho com o respeito que me merece um sobrevivente, o respeito perante alguém que soube e conseguiu fazer aquilo de que todos nós andamos atrás, desde o princípio, desde a primeira luta entre tribos, desde o primeiro roubo de comida, passando pelos alquimistas da idade média, até aos laboratórios de pesquisa contra o cancro dos dias de hoje: viver o máximo possível.
Os velhos já cá andaram. Eu ainda não. Eu não sei nada.
Eu, nós todos, o que queremos mesmo é chegar a velho. Quem não quer chegar a velho não quer consumir tempo. Quer morrer.
Na luta-base de todos os homens - a sobrevivência - os velhos são mais bem sucedidos do que os outros todos.
É a matemática da vida.

Monday, December 24, 2007

Um ano bom



2007 foi um bom ano.

Nunca é muito bom viver a vida em períodos, como se isto não fosse um percurso contínuo sem fragmentos independentes, mas dá jeito parar alguns minutos e reconhecer o que foi bom.

Na realidade, não há outra razão para viver que não a acumulação de boas memórias. No fim, tudo terão sido memórias; que peso na consciência!, que desperdício!!, se não tiverem sido boas.

2007 trouxe-me um mergulho com 20 tubarões de três metros durante meia hora. Passei horas e horas debaixo de água a ver as maravilhas de um mundo à parte nos mares mais transparentes. Aprendi a dançar salsa afogado em Mojitos. Subi e desci vulcões. Pesquei à linha num céu limpo até ao dia nascer. Procurei pumas em florestas virgens. Senti-me sozinho no Mundo. Senti-me Rei do Mundo.

Fiquei fluente em espanhol, melhorei o francês e o alemão e já consigo pensar em inglês sem ter de traduzir.

Andei pelo México, pelo Belize, pela Guatemala, por Cuba, pelas Honduras, pela Nicarágua, por El Salvador e pela Costa Rica.

Saí à noite em Nova Iorque, Londres e Lisboa (aqui, em doses desnecessariamente excessivas), para além das capitais de toda a América Central.

Vi, como sempre sonhei, a Cuba de Fidel.

Em 2007 fiz vários amigos de intensidade e intimidade eterna, pelos quatro cantos do Mundo. Emigrei em Outubro e deixei para trás um mundo de boas memórias.

Voltei a acreditar que existem mulheres perfeitas e apaixonei-me duas ou três vezes. (Para além daquelas em que não fui correspondido - mas há coisas piores.)

Em 2007 encontrei um grupo de pessoas com quem partilhei os melhores momentos da minha vida, defini o meu espaço e as minhas prioridades. Comprei mais roupa por minuto do que em todos os outros anos juntos - acho que estou mais vaidoso.

Passei o ano sem carro e, mais de metade, sem emprego. Agora que penso, estive de férias de Maio até Outubro.

Usei o tempo em pores-do-sol na praia, madrugadas em frente ao rio, viagens de jangada por rios castanhos, desamores latinos, percursos de mota de cabelos ao vento e labirínticas travessias pelas mentes dos maiores autores que já viveram.




Descobri mais de vinte bandas que me levantam os pés do chão e nunca devo ter gasto tanta energia a tocar bateria no espaço vazio. Sim, em 2007 deixei crescer asas e tornei-me num videoclip. (Mas ninguém sabe, continuam a achar que estão a falar com uma pessoa.)

Em 2007 descobri que Inglaterra afinal até é uma país do Terceiro Mundo, porque não há outra maneira de explicar que se encontre mais amor e carinho num banco de autocarro em San Salvador do que em toda uma carruagem no metro de Londres.

Seja como for, este ainda não foi o ano em que isso foi suficiente para eu achar que é mau viver num país rico. Na verdade, em 2007 aprendi a dar ainda mais valor ao que tenho e às oportunidades que me foram surgindo.

Este foi um ano de pessoas. Um ano de amizades puras, de corações a bater fortes, de emoções à flor da pele. Um ano de gargalhadas e arrepios.

Em 2007, andei de carro, mota, autocarro, scooter, carroça, comboio, metro, cavalo, tuc-tuc, ferry, lancha, barco a remos, bicicleta com pedais, bicicleta sem pedais, táxis legais, táxis ilegais e, mais do que gostaria, avião.

Também andei a pé - 2007 foi mais um ano sem carro.

Foi, ainda, o ano em que publiquei um livro. Sim, agora que penso, para além de ter arranjado o emprego duma vida, viajado durante quase quatro meses, ter passado seis meses de férias e me ter mudado para Londres, em 2007 ainda tive a boa sorte de ver o meu nome nas bancas da Fnac.

Seja como for, o melhor deste ano foi que andei de olhos bem abertos. Vi mais do Mundo do que alguma vez tinha sonhado ver em tão pouco tempo, e quem conhece o Mundo conhece as suas pessoas.

Sim, 2007 trouxe-me o acesso a muitos corações, muitas alegrias e tristezas, muitas angústias e satisfações.

Um ano muito rico 2007, tão rico que gastei muito mais do que ganhei - felizmente estes últimos dois meses estão a ajudar a equilibrar o orçamento.

Um ano bom. Tão bom tão bom que nem nos seus primeiros minutos, quando estava vestido de Dupont a dar beijinhos a uma Minnie, poderia imaginar que as coisas podiam melhorar.

Que bom.

E o melhor, necessariamente, ainda está por vir!..

Sunday, December 23, 2007

All the time in the World

Entrar no quarto. Olhar em volta meio distraído. Colunas. Rodar para a direita. Play. Que bom.


(Sim; Thom Yorke)

Monday, November 19, 2007

Musica de Embalar

Com certeza um regresso sem sal nem pimenta. Mas que importa?


Thursday, October 18, 2007

FignerSnap

Pequenos passos ecoam ritmados no chao de pedra. Um, dois, um, dois, um, dois..., e mais um par de saltos altos aparece, tres, quatro, tres, quatro, e tres pares de mocassins, cinco, sete, nove, seis, oito, dez..cinco, sete, nove, seis, oito, dez..e mais um par de mocassins e uns saltos altos, onze, treze..clop,clop, doze, catorze, onze, treze, clop, clop, doze, catorze..
..um pequeno frio de primeiro Inverno abafa os passos no chao de pedra, um, tres, treze, onze, dois, quatro, doze, catorze, um, dois, clop, clop, clop, clop, cinco, sete, seis, oito, tres, onze, quatro doze, um, dois, treze, catorze,
..e um sino bate as doze badaladas da meia-noite no frio de vapores martelados em passos e passinhos, Dong, clop, clop, clop, clop, Dong, clop, clop, clop, clop, Dong...
..e vozes abafadas surgem esganadas por pescocos em esforco, soando entre os passos na pedra e o sino que bate, vozes sem som tentam comer os passos que so o chao pode ouvir e se perdem nos ecos da noite.
..Meia-noite.
Os vultos, clop, clop, aproximam-se no silencio das castanholas do final do patio. Um, tres, dois, quatro..um, tres, dois, quatro. Chegam os dois primeiros. A porta range,
"Boa noite senhores". Silencio na resposta. "Facam favor de entrar."
E entram, um a um, dois a dois, aos pares e aos grupos. A musica alegre abafa os passos que correm do fundo da enorme sala. Aparece o anfitriao entusiasmado e abraca os escuros convidados. Beijam-se, riem alto, mexem muito as maos e os corpos,
A musica toca ensurdecedora por colunas e colunas espalhadas pelo salao, correm os primeiros copos, os segundos, entram mais saltos altos do silencio da noite para o festim da grande sala, passam travessas com a ceia, e mais copos, e a pista de danca ja esta cheia..
..e a musica baixa de volume - se calhar, nunca existiu - e de novo os saltos saltitam pela pista em ritmos descoordenados. Nao se ouvem os pequenos gemidos que as dancarinas suspiram as suas amigas e namorados, so corpos que se movem e maos desastradas que deambulam desconexadamente ao ritmo das palavras que nao se dizem,
Muitas gargalhadas sob a luz clara do enorme castical, e amigas que se abracam, e casais que se beijam, e o bebado que se vomita, e grupos de rapazes a galar as amigas, e a animacao reina na festa do silencio, a festa das palavras nao-ditas e das gargalhadas mais sonoras.
E sempre, sempre, os saltos e solas que ecoam no marmore polido, eternos interpretes das conversas por dizer.
Clop, clop, clop, clop, ahahah!!, clop, clop..clop, clop, clop, clop, um, tres, cinco, sete, nove, onze, treze, quinze, dezassete, cinquenta e um, dois, quatro, seis, dez, doze, dezasseis, dezoito, cinquenta e dois, na confusao total do um, um, um, dois dois, tres, quinze, quinze, vinte e dois, um, tres, cinco, cinco, cinco, e o dezassete pula como um doido, dezassete, dezoito, dezassete, dezoito, dezassete, dezoito, dezassete, dezoito, dezassete, dezoito, dezassete, dezoito, nao consdegue parar de dancar,
E cai a noite e comeca o dia, e os ultimos saltos fogem do marmore para o sol alegre da pedra ja quente, e abracam o amigo que fez anos sem lhe cantarem os parabens (so palmas, sempre as palmas das maos),
E sai o ultimo aos tombos, arrastando-se pelo pavimento, seeeeteee, oiiiitooo, seeeteee, oittoooo, e arrasta os pes no chao, em solas ja gastas..
..e fecha-se a grande porta da grande festa, e o dono abraca o mordomo, e recebe as "Boas noites senhor",
e deita-se no silencio da madrugada onde os passaros cantam a sua janela e os motores dos carros roncam alto demais para que ele ouca.
E no quarto ao lado o mordomo revira-se na cama arrepiado com o ensurdecedor ronco da primeira madrugada, exausto com a arrepiante opereta da festa dos anos.
"Estranha musica", pensa, antes de lhe rebentarem os timpanos, "estranha musica, a da festa dos surdos-mudos."

Saturday, October 13, 2007

Vacuum Cleaner

Finalmente o dia acabou. Uma musica alegre acompanha copos e copos de vinho tinto e branco que escorregam bocas abaixo. Londres. Por fim, musica boa.

De todo o Mundo, chegamos a procura de um lugar no topo. Fatos impecaveis, oculos a condizer, saias pela altura certa, sorrisos verdadeiros e falsos, entusiasmo e curiosidade. Londres, la em baixo. O rio passa cinzento sob a nossa janela. Hoje, com uma luz especial. O primeiro dia "of hopefully a long and successful international career with us"

Pergunto em volta, de onde sao voces, onde estudaram, que linguas falam?; a que lugar chamam casa?

De todo o lado, em todo o lado, todas; nenhum

So tu, Luis, aqui entre nos, é que tens a tua Lisboa, o teu Portugal, o teu ultimo reduto.

E voces nao tem familia, pergunto, e Natais com avos e tias-avos, e arroz de pato aos domingos a tarde? Que e isso?, respondem.

Estamos introduzidos. Somos 25 a procura do tecto do Mundo. Devemos estar perto: ha 100 andares abaixo de nos.

Quanto mais alto o ego, maior a queda.

- So, what's your name, I don't believe I have met you before..
- Oh I am Jiayioo Yieming! And you??
- Luis!
- Nice to meet you Louis! Where are you coming from?
- Lisbon, Portugal. And you?
- Singapore. But well I did my studies in New York and my masters in Paris.
- Oh, I see. I will have a hard time memorizing that name of yours, you know..
- Oh!..Well if it helps, it means "bright light" in chinese
- So it is a chinese name??
- Yes.
- And do you like it then??
- It's allright. Don't you??
- Well yes. It 's sweet. But maybe I would have chosen a different one for you..
- Oh really, which one?

Olho-a por breves segundos e, na amalgama de vozes, vinho, "nice to meet you's" e "I wanna do my second professional rotation in Sidney or New York", a unica verdade que me sai daquela cara abolachada é

- "Vacuum Cleaner"

Resisto a debitar em palavras este enorme disparate que aqueles olhos bem abertos me provocam, calo-me, sorrio para dentro, respondo banalmente "Pretty Princess" à minha nova colega e retiro-me à procura de uma garrafa aberta.
Por sorte, ha mais do que uma.

Thursday, October 11, 2007

now @ large




...lá vou eu




London Calling

Ansioso; Nostálgico,
Com receio do deconhecido mas confiante para enfrentá-lo.
Triste, tristíssimo, de rastos, pelo que deixo para trás;
Contente, pelo que vejo para a frente, ainda baço, ainda a meia-luz;
Curioso;
Nervoso;
Com vontade de ficar,
De não ir nunca
Mais
De ser só isto que me satisfaz;
Com vontade de não ser audaz
De não ser curioso,
Irrequieto,
Inconformado;
Sem sentimento fixo,
Só um arrepio a toda a hora;

Wednesday, October 10, 2007

Faking the Books


We’ve been done before
and now we try to forge ourselves
I’ll be true again
But until then I fake the books






Esta música já por aqui andou, mas noutras circunstâncias. Gosto desde conceito, nunca o tinha visto abordado em nenhuma música.
Já todos fomos feitos, à nascença, e agora, diz ela com voz amarga, agora tentamos moldar-nos. Reinventar-nos. Voltarei a ser eu mesma, à minha ideia original, mas até lá vou falsificar os livros.
Falsificar os meus genes, a minha fórmula original. Moldar-me ao dia de hoje, forjar os planos pré-determinados do meu eu, que estão lá para mim desde que apareci.
Gosto de ouvir esta música e saber que me estou a adaptar a cada momento a esse momento exacto, moldando a minha forma original às minhas ideias de hoje, enganando os meus registos até ao dia em que voltar a ser eu mesmo, que pode ser amanhã ou que pode ser nenhum dia.
Na verdade, o que ela diz é que não há limites para ninguém.

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Saturday, October 06, 2007

Wake up

Cada vez perco menos tempo a dormir.
Há dias em que nem consigo adormecer, com ansiedade que o dia seguinte chegue.
E há dias em que, mesmo que me tenha deitado tarde, mal acordo, seja a que horas for, não consigo dormir mais.
Mas isso são pormenores, porque eu acho que até gosto de dormir.
Mas é aquela alegria da luz pela janela, do cérebro em movimento, do movimento na rua.
Vida lá fora.
Isso é que não me dá vontade de dormir.
O Mundo que não se desperdiça, com mais uma hora de sono......!!
Assumindo que se está na cama sozinho, não faz sentido nenhum perder lá muito tempo.

pequenas coisas

As pequenas coisas são o meu reduto. Cada dia que passa, parece que gosto mais de andar aqui à solta pela Terra, e tenho percebido que o prazer que extraio dos dias vem quase exclusivamente de pequenos momentos, pequenas cores, pequenas luzes, pequenas vozes, pequenos sabores, pequenos arrepios que me segredam ao ouvido "isto que aqui se passou foi bom e valeu a pena ter acontecido."

Noutro dia, um dilúvio bíblico mastigava com dentes de água os vidros indefesos do meu carro e eu aproveitava calmamente o trânsito iluminado daquele já escuro fim de tarde. Mudei de posto e ouvi, pela primeira vez na vida, os Booka Shade repetir naquele tom meio sonhador o para mim até então desconhecido e suave "O Superman...O Superman...O Superman" criado pela Laurie Anderson há mais de vinte anos.

A chuva caía, indiferente aos protestos de meia Lisboa, em bátegas sobre mim e o resto da cidade, e buzinas aberrantes praguejavam contra cruzamentos parados. E eu estava ali, meio adormecido, quase, a deixar-me embalar pela voz de robot com sentimentos que me repetia, ao ritmo da chuva, "O Superman", como se nada mais existisse no Mundo senão aquela pequena paz.

Quase quis ficar para sempre dentro do meu pequeno carro, deixar a chuva inundar a estrada, e depois da estrada os passeios, e depois dos passeios entrar pelas janelas e portas das casas, subir até aos telhados e jorrar chaminés abaixo como um sistema de fontes, e que o meu carro flutuasse pelo novo mar acima enquanto eu voava com o Superman que me entrava pelo sangue, chuva abaixo, rio abaixo, mar abaixo, até ao espaço.

Quando o sinal verde abriu, um braço meio mecânico meio etéreo despertou-me da minha letargia e uma voz quente, profunda, rouca e suave, de mulher, de amante virtual, de Oxigénio, lembrou-me, a mim e aos restantes afortunados que estavam a ouvir o mesmo: "Não se intimidem com os trovões..os trovões..não fazem mal".

Olhei para o rádio, para a chuva que já não me deixava ver nada, para as luzes vivas dos carros e semáforos à minha volta e pensei, quase em alto, no bom que é estar à chuva no trânsito e ter uma locutora de voz sensual sensual a proteger-me dos trovões depois de passear no Espaço com uma música daquelas.

Sorri então, fiz uma vénia às pequenas coisas e voltei a perceber como gosto de estar vivo.

Friday, October 05, 2007

Aspecto

maisdemilvozes tem sido submetido a diversas operações estéticas nos últimos dias. Como blog trapalhão e desarranjado que sempre foi, sente-se agora demasiado pressionado por tanta maquilhagem e idas às compras. Nunca pensou ser tão retocado, tão pintadinho, tão diferente todos os dias. maisdemilvozes não se sente confortável com tamanha atenção e preocupação estética e, por birra, cuspiu a barra do lado para o fundo da página. Já lhe devolvi a aparência original, pintei-lhe um azul lá em cima, tirei e voltei a colar as fotografias que ele exibe, mas nada, continua com birrinha. Diz que acha muito mais divertido pisar a barra do lado do que tê-la na mão direita. Que é que eu posso fazer a este blog mimado?

Wednesday, October 03, 2007

Data de Nascimento: ___ ___ ______

Não digo que isto não fosse óbvio, porque é, mas tem piada constatar que, de facto, basicamente não há nenhum mês em que nasçam mais pessoas do que outras.

Têm piada estas sondagens diárias do LetsSingIt que é o site onde eu vou ver as letras das músicas que ando a ouvir. (Engraçado como cada pessoa tem o seu site onde para ver lyrics, e nunca muda.)

Era o que mais faltava

Um repórter da TSF dizia, em directo da manifestação da PSP há uns dias (e cito livremente e sem garantia de transcrição exacta),

"Os organizadores da manifestação falam em mais de 3000 participantes, mas já se sabe que, nas manifestações, normalmente há uma discrepância entre os números dos organizadores e os números oficiais da polícia que costuma controlar as manifestações e fazer a contabilização dos manifestantes. Ora, como aqui se trata de uma manifestação da própria polícia, é difícil os dados oficiais serem imparciais."

Genial isto.

Portanto, sempre que os órgãos oficiais de poder ou de segurança falam acerca de si mesmos, esquecem-se da sua única função, que é o serviço público, e manipulam a verdade a seu favor?

Então que tal manipulação de votos pelos partidos no poder, quando há eleições?
E orçamentos de estado forjados e tratados artificialmente?

Desde quando é que é normal e expectável que a polícia seja parcial?!

Já sabemos que um membro de um partido nunca diz mal de outro. Mas a isso já estamos habituados (e em todo o caso, quem é que acredita no que essa gentalha diz?). Mas polícia a manipular dados?

No dia em que tivermos a polícia a manipular dados, gostava eu de dizer ao jornalista da TSF, a polícia deixa de ser polícia e eu deixo de obedecer.

The National


Não percebo como é que só descobri isto este mês. E já nem sei como, por isso nem sequer posso agradecer a ninguém ter-me aberto os olhos para esta banda e, em especial, para o último CD, Boxer.


Música de botas molhadas em folhas secas, de abraços de despedida, de sorrisos em câmara lenta. De beijinhos de boa noite.


Friday, September 28, 2007

White is the new stripe

Branco dá bem com tudo.

Só vou levar camisas brancas para Londres. E fatos escuros e simples.

Posso usar gravatas cor-de-laranja sem me preocupar com a camisa ser azul. E às riscas, lisas, aos quadrados ou com bolas.

Todos os dias, branco em baixo e o que me apetecer por cima.

O branco nunca mancha nada nem ninguém. Só quem tá transparente na ressaca de um inverno chuvoso e se veste como o Billy Corgan.

Sobre o branco, continua a vida.

Agora, tudo são manchas e nenhuma destoa.

Só o branco é que não dá bem com branco: é tinta de anjo e alguns mortais nunca a chegam a conseguir ler.

Também gosto disto..

Isto não está nada dentro do meu género de preferências, mas
pormenores como este...

Pode ser que o passado fique por onde deve estar:
No pretérito imperfeito, já que não é mais-que-perfeito,
Este é um presente que eu aceito

...ou este...

Ocasionalmente cozinho e bebo o meu vinho
E esqueço o fumo que nos dava aquele quentinho
Hoje em dia é mais à base do ar condicionado
Condicionei a tentação num clima controlado

...fazem-me achar que isto...



...acompanhado disto...

Ligo directo para a caixa de correio só para ouvir a
tua
voz,
Sei que é cena fora mas todo o dia chega a hora
em que
o lado esquerdo chora quando se lembra de nós
A vida corre tranquila, cada vez menos reguila
meto guita de parte e a cabeça não vacila tanto
Para minha alegria e meu espanto
Pode ser que o passado fique por onde deve estar:
No pretérito imperfeito, já que não é mais-que-
perfeito,
Este é um presente que eu aceito
Para atingir a tranquilidade
Que supostamente se atinge com a nossa idade
A verdade é que a saudade do que passou
Não é mais que muita...
Mas por muita força que faça ela passa por saber que
te vivi...
Tu deste tudo e eu joguei, arrisquei e perdi
Agora,

Muda de número, eu mudei o meu,
Muda de número, eu mudei o meu,
Muda de número, eu mudei o meu,
Muda de Mundo que eu mudei o meu.

Cada vez que eu ligo tento deixar mensagem
mas acabo por nunca arranjar a coragem
Necessária
Gostava apenas de partilhar contigo o quotidiano
habitual
Nada que se compare com as correrias
doutras alturas e doutros abismos
E já que falo por eufemismos
Gostava de dizer que ainda gosto bastante de ti...
A casa tá diferente, parece digna de gente
Dá gosto sentar no sofá com a tv pela frente
Comprei uma máquina de café
Xpto, bem bonita, azul bebé
Ocasionalmente cozinho e bebo o meu vinho
E esqueço o fumo que nos dava aquele quentinho
Hoje em dia é mais à base do ar condicionado
Condicionei a tentação num clima controlado
Quero que saibas que tou bem, sei que tu mais ou
menos
Sempre gostaste de brincar em perigosos terrenos
Em relação a isso eu não sei o que fazer
E se calhar é por isso mesmo que acabo por não dizer
que
a verdade é que a saudade do que passou
Não é mais que muita...
Mas por muita força que faça ela passa por saber que
te vivi...
Tu deste tudo e eu joguei, arrisquei e perdi
Agora,

Muda de número, eu mudei o meu,
Muda de número, eu mudei o meu,
Muda de número, eu mudei o meu,
Muda de Mundo que eu mudei o meu.

...é uma óptima companhia para os fins de tarde com trânsito
quando já estou farto dos CD's que andam pelo carro...

...(daqui a uns meses provavelmente vou estar farto da música,
mas com certeza vou continuar a apreciar a letra)...

Thursday, September 27, 2007

Ratatat


Já dei a dica há umas semanas num dos textos daqui, mas não resisti ao enorme apelo da responsabilidade social e, se posso fazer uma mão-cheia de leitores ligeiramente mais felizes, porque não lembrar que o cd "Classics" dos Ratatat é a melhor música que Deus, o Destino e o meu amigo Pedro Alves puseram no meu caminho, este ano?



A partir de agora lavo daqui as minhas mãos, exceptuando as boleias que der no meu carro e o vício que o novo dono do meu iPod roubado na Nicarágua já deve também ter apanhado.

"Com todo o respeito.."

Eu não vejo utilidade nenhuma do Santa Lopes para o país e ainda por cima acho que ele é um excelente político, ou seja, que devia estar o mais longe possível de cargos políticos de responsabilidade.

Acho-o pedante, amante da ribalta, demagogo, retórico, oportunista e sedento de poder, se bem que obviamente inteligente e desembaraçado.

Basicamente, expresso a minha antipatia política por Santana Lopes (e por todos os outros políticos de carreira) antes de lhe dar os parabéns por esta louvável atitude e dignidade.

É verdade que este homem tem direito ao maior rácio "importância sobre tempo de antena" de toda a vida política portuguesa (excepção feita ao Pacheco Pereira, mas esse pelo menos acrescenta valor ao debate), é verdade que gosta do conflito, que gosta de se vitimizar, que gosta de ser o herói do dia, que gosta da ribalta, que deve estar todo contente por andar a ser clickado no Youtube e que, por certo, está deliciado com toda esta "solidariedade" pública à sua volta, nomeadamente até de uma parte da classe jornalística portuguesa.´

É verdade, portanto, que uma parte do seu comportamento na tal entrevista pode ser visto como populista e oportunista.

É verdade, até, que ele não precisava de ter esperado que a câmara o voltasse a filmar para anunciar que iria abandonar a entrevista - muito mais digno seria despedir-se da jornalista off-the-record e já nem estar sentado no estúdio quando o directo do Aeroporto tivesse terminado.

No entanto, para o que ele fez é necessário um tremendo sangue-frio e uma enorme dose de confiança, porque assumiu - muito à não-portuguesa - uma postura firme e inabalável e ainda para mais abriu uma má relação com um muito poderoso órgão de comunicação à massa eleitoral portuguesa.

Eu gosto de acreditar que, por uma vez na sua vida política pública, o Santana Lopes pensou como Homem e não como Político. E nem me importo que ele tire dividendos políticos disso, pré-meditados ou não. (Eu, em todo o caso, antes voto em branco do que nele.)

Faz falta em Portugal que se assumam posições em público, que se defendam valores e que se proteja a dignidade própria, especialmente em personalidades políticas. Faz falta que alguém se levante e diga "prefiro não falar, do que falar em condições terceiro-mundistas". Faz falta alguém que diga, mesmo que não seja, "Desculpe, mas eu sou bom demais para isto. Vai ter de encontrar alguém pior que eu para vir aturar isto, ou então peça-me desculpa."

Faz falta auto-confiança. (Há quem lhe chame arrogância.)

Faz falta o Mourinho.

Alias, já que estamos com a mão na massa: interessa-me muito mais a chegada do Mourinho do que a luta de poder no PSD.

Sunday, September 23, 2007

Oficialmente, EM C-A-S-A

E lá estivemos outra vez, com uma auto-suficiência assustadora.

Wednesday, September 19, 2007

Que eu saiba...

O autor deste simpático blog, afirma, a 14/9/07, que não "jura a pés juntos" que não é gay e afirma "que eu saiba, não sou".

Como se trata de um jornalista minimamente exposto à opinião pública, comentei para o lado, para um grupo de amigos que se babava, totalmente heterossexual, com as formas da minha noiva Scarlett Johannson,

- Eh pá já viram o Pedro Mexia aqui a dizer que é paneleiro?

"Quem é o Pedro Mexia foda-se?", perguntaram três matulões sem tirar os olhos da televisão.

Mas um deles, que conhece o blog, a figura, e o próprio texto que eu estava a citar, ergueu-se imediatamente e contestou,

- Ele não diz que é paneleiro pá. Lê lá isso outra vez. O que ele diz é que, que ele saiba, não é.

A Scarlett mirava o ecrã com aqueles olhos de cordeirinho que não tem onde cair morto e só quer é um homem que a leve para uma ilha deserta, mas os três espectadores e eu olhámos uns para os outros em alerta.

- Ouve lá, tu sabes o que é que estás para aí a diz...
- Que ele saiba??? Mas..
- Foda-se um gajo ou é ou nã...

Uma confusão de vozes levantou-se indignada contra o meu pobre amigo, que prontamente começou a explicar o que pensava,

- Eh pá eu também não sou gay, mas isso é hoje!! É o que o gajo diz: hoje, que ele saiba, não é. Mas ele não pode prever o futuro pá.

"Então", respondi eu, assustadíssimo, "tu estás a dizer que se calhar um dia vais ser maricas pá?"

- Não sei pá!
- Mas és paneleiro???
- Não claro que não!! Não é disso que se trata. Não se trata de hoje.
- Mas achas que vais ser paneleiro um dia?

A Scarlett já estava a falar sozinha.

- Não! Acho que não, mas não sei! Ninguém pode dizer que não, à partida..não vês o futuro pá.

- Claro que posso!! Olha eu não sou paneleiro, odeio gajos, era incapaz de tocar num gajo, acho nojenta toda essa história de que estás para aí a falar e tenho a certeza absoluta de que nunca na minha vida me vou sentir atraído por um homem e que nunca hei-de tocar no corpo de um homem. Eu gosto de gajas, hoje, e vou gostar sempre de gajas! Só de gajas!! Só!! Quando morrer aos 80 ainda vou ser mais heterossexual do que hoje.

A discussão acendeu-se como convinha e o Bill Murray já tinha abandonado a Scarlett em Tóquio quando a conversa ainda nem ía a meio, e depois de muita troca de argumentos o meu amigo continuou a insistir que não poderia saber, hoje, se um dia vir a ser paneleiro.

O engraçado nisto é que o meu amigo - que é um dos meus melhores amigos - é um gajo completamente normal (eu continuo a achar que, apesar de tolerável, a homossexualidade não é "normal")

[Preconceituoso!!!!!!!!!!! Conservador!!!!!!!!!!! Intolerante!!!!!!!!!!! Egoísta!!!!!!! Animal desumano!!!! Neo-liberal!!!!!!!!!!! Fascista!!!!!!!!!!!!!]

(Isto eram os protestos na rua, quando souberam que escrevi esta última frase. Bom. Adiante.)

O engraçado disto, então, como eu estava a tentar dizer, é que o meu amigo não tem nada de homossexual nele, tem namoradas, tem engates, fala de gajas connosco, tudo. E nem precisava de nada disto, bastava estar calado e fechado em casa que nós sabíamos que ele não era gay.

Mas depois de dizer isto, eu fiquei a pensar em tudo. Não na minha própria sexualidade, claro, nem sequer na dele (coitado), mas fiquei a pensar no que leva alguém que gosta de mulheres a admitir que se calhar, um dia, vai gostar de homens.

É que se um jornalista que eu mal conheço admite essa possibilidade, isso não me choca - afinal não o conheço, nem à sua voz, nem aos seus trejeitos, nem ao seu passado.

Mas um dos meus melhores amigos, que nunca deu o menor indício, admitir que apesar de hoje lhe repugnarem os homens, um dia pode vir a gostar? É que ele não disse "Eu não desgosto de homens, mas não me sinto preparado". Ele disse "eu não gosto nada de homens, mas não consigo ver o futuro."

Significa isto que estamos já tão relativizados, tão sem rumo, tão sem certezas e tão com medo de sermos chamado de Conservadores que já nem sequer temos a certeza de que, quando gostamos de gajas, É PARA A VIDA???

Tuesday, September 18, 2007

Blackwater

Visto que nem com o Dalai Lama o nosso Governo se quer encontrar oficialmente, não é de estranhar que os nossos canais estatais prefiram ignorar assuntos embaraçosos para os EUA como a Blackwater. A SIC e a TVI estão mais preocupadas com a Maddie e o Benfica e os canais de notícias na TV Cabo são americanos ou ingleses.

Como conclusão, pouca gente no nosso país sabe que cerca de 120.000 (cento e vinte mil) mercenários de todo o Mundo estão neste momento de arma em punho no Iraque, ao serviço de empresas de segurança privadas contratadas pelo Governo dos EUA.

Estas empresas contratam antigos militares, comandos e membros de outras forças especiais pelo Mundo fora, pagando-lhes ordenados de centenas de dólares por dia para irem operar, sob a forma de exércitos privados, ao serviço de vários Governos do Mundo, especialmente apoiando os EUA na sua guerra no Iraque. Em algumas destas empresas trabalham, em cargos de gestão de topo, antigos elementos e consultores do governo dos EUA.

Os mercenários não estão sujeitos ao código militar americano nem aos seus tribunais. Consequentemente, também não estão sujeitos ao estatuto de prisioneiros de guerra em caso de serem presos devido a alguma acção ilegal, seja no Iraque seja noutro país do Mundo. São civis de arma na mão contratados pelo governo dos EUA.

Porém, a Administração provisória do Iraque lidarada pelos EUA determinou que os mercenários acusados de acções ilegais devem ser julgados nos seus países de origem. Ou seja, o governo iraquiano não pode, legalmente, julgá-los.

Consequentemente, há 120.000 estrangeiros armados no Iraque ao serviço dos EUA a operar sem jurisdição.

Pagos pelo governo dos EUA.

Este vídeo da CNN levanta esta e outras questões essenciais, depois de mais um episódio que ocorreu, ontem, no Iraque.

Monday, September 17, 2007

Óptimo

http://postsecret.blogspot.com/

Para não esquecer

Eu gosto muito dos Lobos, mas há que pôr as coisas no lugar..

Saturday, September 15, 2007

"I'll see what I can do"

Estava-se em 1995 quando isto saiu. Eu era uma pequena criança. Tinha 12. Provavelmente nessa altura ouvia 4 non blondes e Guns n Roses. Estava na moda ouvir Nirvana também. E Pearl Jam, e Smashing Pumpkins. Os bons anos do grunge vividos por uma criança de 12 anos que não percebia nada daquilo. Felizmente alguma malta ainda me conseguiu pôr a ouvir Oasis, e James, e Blur e Suede. Coisas boas, inglesas, como geralmente as coisas boas são. Infelizmente não cheguei tão longe como Pulp e só tive o êxtase que estou a ter agora em 2007, precisamente desde ontem até hoje. Nem saí de casa, para não parar de ouvir isto. (Claramente está aqui um pequeno desiquilíbrio mental, que vai ser corrigido já a partir de amanhã). Seja como for, Pulp e Common People, porque a América Central já lá vai e agora há que esgueirar-se, lentamente, como um olhar indiscrecto, pelos corredores anónimos das grandes cidades.

P.S. para o leitor desatento: a música é óptima, a letra é genial, mas o que é mesmo mesmo como saltar à corda, é ouvir a música e olhar para a letra ao mesmo tempo.



She came from Greece she had a thirst for knowledge
she studied sculpture at St Martin's college
that's where I
caught her eye
She told me that her Dad was loaded
I said "In that case I'll have rum and coca-cola."
she said "Fine,"
and then in thirty seconds time she said
"I want to live like common people
I want to do whatever common people do
I want to sleep with common people
I want to sleep with common people like you."
or what else could I do?
I said "I'll see what I can do."

I took her to a supermarket
I don't know why, but I had to start it somewhere
so it started there
I said "Pretend you've got no money."
but she just laughed an said "Oh you're so funny."
I said "Yeah?
Well I can't see anyone else smiling in here
Are you sure?
Are you sure you want to live like common people
you want to see whatever common people see
you want to sleep with common people
you want to sleep with common people like me?"
But she didn't understand
she just smiled and held my hand

Rent a flat above a shop
cut your hair and get a job
Smoke some fags and play some pool
pretend you never went to school
But still you'll never get it right
`cos when you're laid in bed at night
watching roaches climb the wall
if you called your Dad he could stop it all
Yeah
You'll never live like common people
you'll never do what common people do
you'll never fail like common people
you'll never watch your life slide out of view
and then dance, and drink, and screw
because there's nothing else to do

Sing along with the common people
sing along and it might just get you through
Laugh along with the common people
laugh along even though they're laughing at you
and the stupid things that you do
because you think that poor is cool

Like a dog lying in a corner
they will bite and never warn you
Look out
they'll tear your insides out
`cos everybody hates a tourist
especially one who thinks it's
all such a laugh
yeah and the chip stain's grease will come out in the bath
You will never understand
how it feels to live your life
with no meaning or control
and with nowhere else to go
You are amazed that they exist
and they burn so bright whilst you can only wonder why

Rent a flat above a shop
cut your hair and get a job
Smoke some fags and play some pool
pretend you never went to school
But still you'll never get it right
`cos when you're laid in bed at night
watching roaches climb the wall
if you called your Dad he could stop it all
You'll never live like common people
you'll never do what common people do
you'll never fail like common people
you'll never watch your life slide out of view
and dance, and drink, and screw
because there's nothing else to do

I want to live with common people like you
I want to live with common people like you
I want to live with common people like you
I want to live with common people like you
I want to live with common people like you
I want to live with common people like you
I want to live with common people like you
I want to live with common people like you
Aa-aa-ah la la la la...
Oh yeah.

P.P.S.: Afinal acho que amanhã também não vou sair de casa

Wednesday, September 12, 2007

Bens a declarar



Sou o primeiro a sair do avião e a chegar ao tapete, apenas para esperar durante décadas pela mochila que teima em nao chegar. Tinha-a despachado 20 horas antes em Miami.

"Cabrões, perderam-me a mochila no vôo para Londres", penso, já irritado com a até à altura impecável British Airways, quando de repente o enorme tapete cospe, com a indiferença própria das máquinas inanimadas, a carregadora de todos os meus sonhos dos ultimos três meses e meio.

"Ah cá estas tu!", sorrio para comigo, e ponho a minha amiga às costas de espírito cheio e alegre. Rodo sobre os calcanhares na dança que me vai conduzir à saída do aeroporto e finalmente de volta aos ares de Lisboa, e vôo pela pedra branca fora atá à saída.

Dois passos antes do verdadeiro regresso a casa, paro. Será que tenho algo a declarar? 105 dias entre a Cidade do México e San José na Costa Rica, com paragens em Nova Iorque e Miami. "Há algo a declarar sobre isto?", pergunto-me inquieto, coçando ligeiramente o queixo por barbear desde há uma semana, a minha cara atraída pelo enorme sinal de STOP.

Goods to declare. Bens a declarar? Tenho mil bens a declarar. Vou pela direita.

- Olá!
- Boa tarde.
- Como está?
- Bem obrigada. O senhor tem algo a declarar?
- Tenho sim senhor.
- Posso então ver a sua mochila e o seu passaporte, por favor?


Olho-a com espanto. O passaporte ainda pode passar alguma mensagem do que eu tenho a declarar, sem dúvida, mas a mochila?

- A mochila é so roupa velha e, na maioria, por lavar..
- Entao o que traz o senhor nos bolsos?
- Nos bolsos? Nos bolsos, nos bolsos.. deixe cá ver. Neste nada..e neste..pere pere eu sei que as tinha aqui..pere aí..ah aqui tá! Pastilhas elásticas. Tome!
- O senhor está a brincar comigo?
- Não quer?
- Não quero o quê?
- Uma pastilha elástica. Pensei que era isso que queria dos meus bolsos.

Ela mira-me entao de alto a baixo com o olhar curioso com que eu há uns anos olhava os rabos encarnados dos chimpanzés no jardim zoológico de Lisboa. Mais do que cheio de piolhos ou irreverente como eles, eu devo naquele momento parecer um cordeirinho recém-nascido, tal o espanto que vai naquela altura nos meus olhos. Um minuto de conversa e ela não me tinha ainda perguntado nada do que eu tinha a declarar. Só queria ver os meus bolsos e a minha mochila.

- O que eu quero, senhor..por favor, deixe-me ver o passaporte..o que eu quero, senhor Luís Guimarães, o que eu quero é saber o que o senhor deseja declarar nesta alfândega, visto que vem de bolsos vazios e a sua mochila, pelo que acaba de me dizer, não contém objectos nem importações de valor.
- Oh Rute..posso tratá-la por Rute?
- Pode. Como é que sabe o meu nome?

Aponto para o lustroso crachá que leva no peito, onde o seu nome reluz imponente sobre a bandeira nacional. Ela inclina a cabeça para baixo para ver a zona que eu aponto. Nesse momento dou-lhe um pequeno piparote no queixo.

- Há que estar atenta, Rute M. Silva! Há que estar atenta. Eu estive atento, vê? Vi o seu nome no crachá.
- Você é um louco.

Sorrio.

- O que tem a declarar, senhor Luís Guimarães?
- Olhe Rute, tenho a declarar que passei os três meses mais loucos da minha vida pela América Central fora. Conheci todas as capitais entre a Cidade do México e San José, o que significa que passei por Belmopan, Guatemala City, San Salvador, Tegucigalpa e Manágua, com um saltinho a Havana. Alias, as oficiais de alfândega por lá tambem eram giras como você, mas fumavam charutos..como deve calcular não tinham os rabos das latinas de Miami, mas mesmo assim acho que..bom, ja vi que nao tá a achar piada.

"Declaro tambem", continuei entusiasmado, mudando de assunto, "que, para além das capitais, viajei extensivamente pela maioria dos países entre o México e a Costa Rica. Usei durante horas e horas e horas autocarros coloridos fabricados em 1950, andei às cavalitas de amigos, de mota, à boleia, de bicicleta, em carroças (em Cuba eles andam muito de carroças, sabe? Aquilo é uma merda lá.), em carrinhas de caixa aberta e até a pé. Aliás, escalei vulcões durante dias inteiros e aqueci-me na sua lava efeverscente, caminhei longos quilómetros para ver o dia nascer sobre lagos milenares, adormeci em praias desertas sob céus com mais estrelas do que as suas lindas sardas e deixei-me cair de estafa em redes penduradas em estacas depois de longas viagens a cavalo por vales e montanhas abaixo."

"Quando não estava entre lugares, absorvi os rimos loucos ou lentos de cidades modernas e de cidades coloniais deixadas pelos nossos irmaos espanhóis. Ja agora Rute, ainda há controlo alfandegário entre Espanha e Portugal?.. Talvez lá em cima em Hendaya, não?.."

A Rute só conseguiu soltar um ininteligível "não sei" pela sua boca aberta de espanto. Continuei.

"De cidades coloniais, dizia eu, mas também de vilas de montanha, de aldeias no sopé de lagos e vulcões e até de pequenos povoados na costa das Caraibas. Aliás, já me ía esquecendo Rute, tenho a declarar que as Caraíbas centro-americanas são um Mundo à parte do resto do continente. Nas montanhas da Guatemala só vi vestidos amarelos e velhas tranças em pequenas indígenas de pele grisalha, mas nas Caraíbas os corpos torrados pelo Sol têm cor suficiente para se vestirem a eles próprios. Declaro, Rute, que aí me deixei embalar pelo crioulo ingles e as rastas que me davam as boas-vindas após cada mergulho no mar."

"Alguma vez viu uma tartaruga desovar numa praia deserta, Rute? E já mergulhou a vinte metros de profundidade com mais de 15 tubarões com o dobro do seu tamanho? E pescar com uma amiga de cor mais escura que o seu negro cabelo, sob o anoitecer suave numa praia de areia branca, já pescou? Alguém alguma vez lhe declarou isto?"

Por esta altura, uma fila de contrabandistas e curiosos acumulava-se atras de mim. Virei-me então de lado para a Rute de modo que também eles pudessem ouvir a minha declaração. Levantei a voz e os braços para dar um toque de cor à cena: a cor verde da paisagem centro-americana.

"Declaro, meus caros amigos, turistas (sejam benvindos) e concidadãos, que festejei até ao sol nascer e se pôr de novo em festas secretas de lua cheia, e declaro que bebi toda e qualquer marca de cerveja produzida entre o México e o Panamá. Declaro também", e aqui voltei-me por breves segundos para a Rute, "que apesar do mestre de Salsa em que me tornei depois de uma lição privada numa praça rodeada de edifícios mais antigos que o próprio tempo, não toquei em drogas nesta viagem e que a minha maior droga e alegria foram as pessoas que conheci durante o caminho."

"Sim, Rute, sim meus caros amigos" - a massa de gente que me ouvia estendia-se já aos tapetes de bagagens, pelo que trepei sobre a minha propria mochila e falei do alto dos meus novos 2.10m para a minha audiência - "conheci gente de todo o tipo."

"Europeus, gringos, latinos e descendentes de escravos. Gente pobre que me pedia para comer e gente rica a quem pedi de beber. Falei com taxistas, vendedores, políticos, jornalistas, vagabundos e turistas. Donos de hotel, cozinheiros, pescadores, guias turísticos, banqueiros e advogados. Apaixonei-me duas ou três vezes em duas ou três cores. Debati receitas e receitas em bancas de comida pela estrada fora, desde a vantagem de colocar uma rodela de ananás num taco mexicano até ao excesso de feijao no meu arroz na Nicarágua."

"Meus caros amigos!", recomecei depois de uma breve pausa, "meus caros amigos..mãe? Mãe! Olá!!"

Nesse momento, a minha própria mae e as restantes dezenas de familiares de todos os passageiros de todos os vôos que acabavam de aterrar - que esperavam do outro lado do vidro, no hall de entrada do aeroporto - subiram, atraídas pela minha berraria, a rampa das saídas, e introduziram-se ilegalmente, sob a distracção permissiva dos oficiais da alfândega, que estavam de olhos fixados em mim, no espaço alfândegário onde eu discursava.

"Mãe, estou a acabar a minha declaração, já vamos embora!"

"Desculpe Rute, mas isto vai ter de ser rápido. Meus caros amigos!", continuei então, "minha querida mae, queridos portugueses" - a RTP acabava de aparecer na pessoa de um peludo cameraman de cerveja na mão - "declaro que não trago nada de valor senão as minhas memórias, a minha cultura e os meus sentimentos."

"Não sei qual o mérito de uma mochila vazia e quatro pastilhas elásticas para o contribuinte português, nem tão pouco sei, Rute, quanto me vai custar o imposto sobre todas as lições de História, Amor, Tolerância, Loucura e Humanidade que recebi desde que saí do pais em Maio. Mas declaro, e pago o que for preciso por isto", (nesta altura voltei-me para a câmara), "que fiz a viagem da minha vida, e que voltei um homem mais maduro e um rapaz mais divertido."

Saltei da minha mochila, pu-la às costas, pisquei o olho à câmara e, pegando na minha mãe, caminhei em direcção à saída da alfândega e às portas de vidro.

"Se isto não vale nada, Rute, se atravessar um continente de uma ponta a outra, falar com as suas gentes, penetrar nas suas maravilhas naturais, namorar as suas mulheres, comer as suas delícias e confrontar-se com as suas criaturas naturais não tem valor, então, Rute, não tenho nada a declarar."

Nisto as portas automáticas escorregaram cada uma para seu lado e eu e a minha mãe pudemos então sair para o enorme hall vazio do aeroporto, onde lhe ofereci duas pastilhas elásticas e comi as duas que sobravam, antes de nos enfiarmos no pequeno Smart em direcção a casa, através da chuva fria que teimava em cair sobre o alcatrão molhado que cobre as bonitas ruas de Lisboa.

Thursday, September 06, 2007

Fernando Silva

O Fernando Silva tambem ficou no pequeno dormitorio da dificilmente acessivel Puerto Jimenez, no sul da Costa Rica! Acabei de encontrar o seu nome como um de tres portugueses na lista de 100 paginas do caderno de registos de Doña Berty.

Um abraco para ti, Fernando!, porque te voltei a encontrar no papel e por seres um bocadinho de Portugal que tambem andou por aqui a solta e que, reduzidamente, tanto quanto uma gota de agua contribui para o oceano, me trazes um cheirinho do nosso pais.

Na varanda de Don Feliciano



Fumo um cigarro de consumo lento num pequeno hotel em Neily. A varanda abre-se para o movimento ja escuro da pequena vila. Ninguem, nos outros quartos; sou o unico hospede deste hotel adormecido, nesta terra de ninguem a caminho de lugar nenhum. Sou, tambem, o unico hospede nos ultimos 20 dias e o unico portugues nos registos iniciados em 1977 que folheio junto a Don Feliciano Musuco, o velho dono de grossas lentes e maos sapudas.

No entanto, assegura-me ele, esteve ca um outro portugues, ha uns cinco anos. "Se llamaba Mota, creo. De apellido Mota."

Mota; eu.

Don Feliciano.

Fumo o cigarro e percorro, observando o lento consumir da cinza fosforescente, os ultimos tres meses. Tambem eles se consumiram inevitavelmente, como o cigarro que seguro com dois dedos adormecidos. Tres meses, mais de tres meses pela estrada fora. Mais de tres meses de outros hoteis, outros cigarros, outros velhos de lentes grossas, outras solidoes. Tantas outras solidoes, tantas vidas consumidas nos campos, montanhas e cidades destes alegres paises destroçados pela historia. Tantas vidas que passaram pelos meus olhos; muitas pelas minhas voz e ouvidos. Algumas pelas minhas maos e o meu corpo.

Quantas, pelo meu coracao?

Todas, talvez, todas, e o seu conjunto forma o mosaico de cores e saudade que sopra levemente sobre o meu cigarro. Inalo de novo e foco a cor viva que quase toca o filtro que seguro com cuidado. Sinto o calor de mais um cigarro que chega ao fim roçar a pele dos meus dedos. Eu, que nem sou fumador.

Apago-o, finalmente, e com ele mais um dia, quase no fim de uma viagem, quase no principio de outra, muito maior.

Volto as costas a rua e dirijo-me ao meu pequeno quarto. É o fim de mais um dia, sorrio, ainda bem que faltam muitos por viver.

Tortuguero

A viagem desde a confusa mas minimamente cosmopolita San Jose ate ao coracao da selva em Tortuguero dura um dia inteiro de autocarros, plantacoes de bananas e barcos por rios castanhos abaixo, para terminar numa pequena aldeola encalhada entre a selva e o mar, onde pescadores e surfistas locais partilham uma pacata existencia de fim de dia.

Depois de um dia na obscura Managua, outro em transito e uma tarde inteira a divagar por San Jose, respiro o ar puro de uma selva verde e pegajosa longe, muito longe, dos escapes da capital, e, portanto, a anos-luz de qualquer cidade moderna.

Devagar, cai a noite, primeiro alaranjada e depois negra e penetrante como os sons da selva que lhe dao as boas-vindas.

Sigo o guia Castor durante mais de meia hora pelo escuro atraves da selva, acompanhado pelo bater das ondas na praia que sentimos perto. Ondas grandes, selvagens, embatem contra a terra surpreendentemente acastanhada do Caribe costa-riquenho. A minha emocao voa antecipando as dezenas de tartarugas que estou prestes a ver mal entrar na praia ali mesmo ao lado. Naquele momento, (ainda penso que no Parque Nacional de Tortuguero se pode passar toda a noite a ver tartarugas entrar e sair do mar. Estou enganado, mas) estou prestes a ver ao vivo uma das maiores maravilhas da Natureza.

As minhas enormes expectativas carregadas de anos de espera e sonh0s abrem-se pela praia escura quando seguimos atras do guia em busca de tartarugas. Quatro das especies de tartarugas-marinhas que nadam pelas Caraibas desovam nesta praia e o governo da Costa Rica decretou a zona como Parque Nacional, protegendo assim a manutencao de um ciclo que dura ha milhares de anos, visto que as tartarugas poem, todos os anos, os seus ovos na mesma praia onde nasceram.

Procuramos pela praia, escura como a noite de estrelas baças, ate uma enorme tartaruga verde aparecer a nossa frente, no exacto momento em que silenciosamente deposita, com esforço, pequenos ovos brancos num buraco na praia. Um a um, o enorme animal, num transe natural alheio a nossa cuidadosa e pouco numerosa presenca, descarrega as dezenas de ovos que carregara consigo desde o mar, pela praia fora, ate este local onde decidira dotar as suas futuras crias de uma oportunidade na terra. Nao sabe a tartaruga, provavelmente, mas sei eu, que apenas duas ou tres destas cem pequenas bolas de pingue-pongue virao algum dia a ser felizes tartarugas no grande oceano. Todas as outras morrerao entre o momento de sair da casca e chegar ao mar, devoradas por uma aguia, por um jaguar, ou pelas dezenas de patas do resto da ninhada que simultaneamente espezinhará em direccao a superficie.

E comovedor observar aquela enorme tartaruga, no carinho maternal do processo de colocar os ovos. Sinto uma enorme emocao ao ver aquela mae tapar, esgravatada e desajeitadamente, o fruto do seu esforco e da sua reproducao. Imagino o tempo e o empenho que lhe terao custado abrir aquele enorme buraco na areia e a angustia que talvez sinta ao conhecer os perigos que correm as suas crias de ora em diante. Saber que a maioria sera comida ou caçada e comparar essa dura realidade com o esforço daquela mae centenaria e verdadeiramente doloroso, apesar da maravilhosa experiencia que e testemunhar ao vivo, ali mesmo, um processo natural que se repete do mesmo lugar ha anos e anos.

Elas, as pobres maes, nada mais podem fazer senao tapar o seu buraco o melhor que conseguem com as suas desajeitadas patas e regressar vagarosas e exaustas ao mar, de missao cumprida e ansiando que as suas crias possam sobreviver, agora que elas, impotentes, nada mais podem fazer por elas e pela sua proteccao contra o implacavel ciclo da vida.

Seguimos duas tartarugas regressar demoradamente ao mar e desaparecer entre as ondas em direccao ao enorme oceano, recordando-nos que a nossa pequena intromissao nas suas vidas está limitada aquela branca espuma, primeira barreira do enorme oceano, que permanece um gigante indomavel para o Homem, territorio de outras especies e outros misterios.

Sunday, September 02, 2007

Um bom site

Ando na estrada ha mais de tres meses e encontrei, para alem do meu amigo Joao com quem viajei pelo Mexico, outros sete portugueses. O Antonio viajava com os pais e primos pelo Mexico, de carro, durante dois meses; encontrei-o em Cancun. Nessa mesma noite, conheci tambem os seus pais. O Augusto tem negocios em Cuba e encontrei-o a trabalhar no seu laptop na sala de uma casa em La Habana, onde eu bebia um cafe oferecido pelo simpatico dono que me abordou no meio da rua. Depois, conheci um casal de namorados em Leon, na Nicaragua - ele e voluntario numa ONG ela tinha vindo visita-lo para umas ferias de 15 dias. Estive, ainda, com o meu amigo Miguel, que tinha um projecto profissional em Sal Salvador e me desafiou para uma jantarada.

Entre todas as outras centenas de pessoas com quem falei, talvez dez se tenham cruzado com portugueses durante as suas viagens.

Raras vezes algum habitante centro-americano sabe que Portugal é um pais, e quando alguem sabe, nao faz ideia de onde fica, salvo excepcoes.

A maioria dos centro-americanos que conheci acha que Portugal é o Brasil. Os restantes acham que se fala espanhol em Portugal.

Quando tentam adivinhar a minha nacionalidade, tentam Espanha, Italia e Brasil. Nao lhes ocorre perguntar se sou de Portugal.

Revistei mais de dez livros de clientes de hostels durante esta viagem, e o "Fernando Silva" foi o unico registo de um portugues que encontrei. Aparentemente, ficou hospedado no mesmo hotel que eu em San Pedro de la Laguna, Guatemala.

Fernando, se algum dia leres isto, um grande abraco pelo momento de patriotismo que me proporcionaste sobre o maravilhoso Lago de Altitlan, dois anos depois da tua visita!

Paralelamente, centenas ou milhares de ingleses, irlandeses, holandeses, alemaes, espanhois, franceses, italianos, escandinavos, americanos, australianos, canadianos, neo-zelandeses passeiam-se neste momento pela America Central fora, conhecendo, visitando, trabalhando como voluntarios. Conheci mais turcos, belgas, escoceses, galeses, coreanos, japoneses e polacos do que portugueses.

Estamos, portanto, de acordo com a minha experiencia pessoal, ligeiramente ao nivel da Grecia e do Leste Europeu, no que toca a viagens pela America Central (e acrescente-se que tambem foram raros os portugueses que vi noutras viagens que fiz).

Pelo menos, viajamos mais do que os africanos e os mongois.

Posto todo este deprimente cenario de tacanha mentalidade e depressao economica, é um espanto e um orgulho saber que um site destes existe:

http://www.portugal-sport-and-adventure.com

Ja que nos nao saímos, que alguem nos venha visitar, antes que nos afoguemos em telenovelas e medo do escuro.

Saturday, September 01, 2007

Under blue water

"I hope dey build no road in heea. Once dey built di road i' big island, you see what happen? My brota he been killed by di car in di big island, man. A'right man, me no want no road in little island."

Ha certos lugares no Mundo que sao tao bons que metade de mim quer recomenda-los aos meus amigos, para que possam viver o que eu la vivi, e a outra metade quer mante-los meio escondidos, para que nao sejam engolidos pelo glutao chamado turismo, que os desvirtua e formata.

Desta vez ganhou a segunda metade, e nao vou dizer a ninguem onde e que passei a ultima semana.

Monday, August 27, 2007

Longa jornada



Olho pela janela. Enormes gotas caem continuamente desde manha sobre as fachadas coloridas de Granada. Duas da tarde. Dura noite, ontem, no concerto popular na praca central. Passa o dia, escuro, molhado, humido. Sem cor, sem energia, sem pausa. Passa o dia, devagar; chegam as sete da tarde.

- So are we gonna get on the bus to Managua or not Luis?
- Yeah man. Let's go.

A chuva encharca-nos os corpos amolecidos e cola a roupa à falta de paciencia de ter de esperar por mais um obscuro autocarro . Que nao passa, que nao vem. Vamos ficar naquela rua para sempre. Na realidade, ja estou dormente de tanta agua sobre mim.

Decidimos mover-nos e apanhamos um taxi ate a saida da cidade e comecamos a pedir boleia. Por esta altura, agua e suor misturam-se em farripas indiferentes, ja tao naturais como a roupa ou a mochila.

Pára uma pequena carrinha. La de dentro, olhos escuros penetram-nos criticos. "No lleves los gringos", pedem, baixinho, ao condutor. "Si que los llevo. Subanse amigos, subanse."

Subam. Optimo, subam. "Suban", diz ele, subam para a parte de tras da minha carrinha cheia de gente que nao vos quer la dentro porque vos confunde com o governo do Reagan, onde nao ha um unico metro quadrado disponivel e onde ninguem faz a minima tencao de nos deixar entrar.

- Kevin, man, I say fuck it to these guys.
- Luis, we need to catch the bus today from Managua, I'm not sticking any longer in this town and the next official bus is tomorrow. Plus, it's raining.
- Kevin..
- Go in man!!!

Pego no mochilao e esmago o primeiro vulto junto a porta. E exactamente o que falou com o condutor. Nao me queres ca dentro, cabrao, agora aguenta-te que tambem estas a boleia e nao mandas nada aqui dentro.

Felizmente, todos os outros passageiros tomam o nosso partido e acomodam-se como podem para nos deixar entrar. Somos quatro: o Kevin, eu, e as nossas duas mochilas. Naquele caixote com rodas, sinto o sangue secar por todo o corpo enquanto me esmago contra as gentes do lado. Na Nicaragua, a primeira reaccao ao turista e carrancuda, especialmente se o tomarem por americano. Explico que sou portugues. O Kevin, atraves da sua simpatia natural, demonstra que nao somos agentes da CIA nem estamos aqui para lutar contra guerrilheiros sandinistas dos anos 80. Conquistamo-los. Parecem surpreendidos ao ver gringos simpaticos. Eu tambem me surpreendo por finalmente ver sorrisos na Nicaragua. Ja estava a ficar farto de ser atacado com olhares criticos so pelo mero facto de existir.

La fora, chove a potes, enquanto a nossa lata se demora ate Managua. Chegamos. Finalmente, esticamos as pernas e a imaginacao. Escura a rua onde o nosso condutor deixa todo o grupo.

- Quanto es, amigo??
- Nada.
- Nada?! No, no, algo te pagamos. Toma, 50 cordovas.
- No. Somos amigos. No necesito dinero. Fue un gusto traervos.

Lembro-me do guia marroquino que recusa os dolares do Brad Pitt enquanto uma guitarra argentina lentamente eleva o seu helicoptero pelos ares de Marrocos.

Porque e que nos, "primeiro-mundistas", temos sempre a mania de trocar tudo por dinheiro?

Apanhamos depois um taxi para a estacao de autocarros de Managua. Dez da noite, um obscuro portao abre-se para um parque de estacionamento. "A que hora sale para El Rama?" "A las once." Olhamos um para outro. "We're fine", exclamamos em simultaneo.

Agora so faltam 5 horas num autocarro pestilento com musica aos berros em cima dos meus ouvidos. Acordo a meio da noite, depois de estranhos sonhos com livros abertos e pautas de musica. Tres da manha. Chegamos a El Rama. El Rama e o final da estrada. A partir dai, so barcos, pequenos barcos a motor que nos levam por um castanho rio abaixo, ate ao Caribe.

Passamos as horas com cafes e tortillas partilhadas com Gary, um amigo de ocasiao. Tem 23 anos e nao ve a mae desde que, ha 16 anos, ela emigrou para os EUA para lhe pagar os estudos. Um dia, o Gary vai ser alguem nos EUA. "That's how it works Luis", explica-me o Kevin, "the first generation goes to the States, works their butt of and hopes their kids will be someone in life. My ancestors, when they came fro Ireland, worked on the fucking Panama Canal for years and years until establishing themselves in Chicago."

Passo, obviamente, as duas horas que dura a viagem entre o verde tropical da vegetacao e o castanho do rio, a pensar no sentido da vida da mae do Gary, que nao ve os seus filhos ha anos e anos para lhes proporcionar uma vida melhor. Concluo, quando batem as sete da manha e a boca castanha do rio se abre para um porto degradado onde gente muito escura nos espera junto das suas casinhas de estacas coloridas, que nasci com muita sorte.

Entretido com estes pensamentos, chegamos entao a Bluefields.

Bluefields, Nicaragua.
Bluefields, Caraibas.

Parece que mudamos de Mundo. Ja ninguem sequer fala espanhol. Normal, estamos ja muito longe do outro lado da America Central.

"Hey Kevin, I think that if I was a geographer, or an anthropoligist, or something like that, I would just name the Caribbean a new different continent."

Nao me responde. Esta tanto calor que ele perdeu a paciencia para falar. Faco como ele e adormeco no taxi em direccao ao aeroporto onde vamos comprar o bilhete de aviao que nos vai levar as Corn Islands, no dia seguinte.

Sunday, August 26, 2007

Cumplicidade

Acabei de descobrir a palavra-chave

Roberto

Roberto trabalha num hostel em Nicaragua. Serve copos e boa onda. Nasceu numa ilha nas caraibas do Panama e passa os dias a trabalhar. Trabalha de domingo a sexta e sabado durante o dia. Tudo, porque gosta da noite de sabado. Costuma vestir uns calcoes e uma t-shirt simples. De repente, aparece mais bem vestidinho. Parece reluzir algum orgulho escondido nas suas rastas mais reluzentes que de costume, no momento em que se encaminha finamente para a porta de saida do hostel.

- Donde vas, Roberto?

Nao passa nem meio segundo

- A conquistar el Mundo.

Sorri.

Nesse momento, nao tenho nenhuma duvida de que o Mundo e dele.

Friday, August 24, 2007

Ir e vir

Suchitoto, El Salvador


Ver a realidade atraves de uma janela de autocarro.

E depois, achar que sabemos e opinamos. De nariz empinado, "estive la e eles...", "acabei de chegar dali e por la...", "nao, repara, eu ja la fui e aquilo..."

E os murais passam, como a guerra passou, e nós so vemos a tinta ainda viva que escorre pelo vidro fora e seca, esborratada, na memoria da uma fotografia desfocada.

E lemos, uma pagina, duas paginas; trocamos alguns minutos de conversa. Lemos todo o livro talvez. Se calhar, passamos uma noite inteira a conversar. E somos, ja, senhores da verdade.

Porque mais ninguem la foi. Porque mais ninguem la vai.

É tao facil parecer inteligente, basta sair de casa e inventar historias.

Miguel Angel Asturias (Guatemala)

Mais um genial autor latino-americano. Mais um premio Nobel na minha bagagem.

Tuesday, August 21, 2007



A chuva cai descontroladamente quente sobre o meu corpo em movimento.

Leon, Nicaragua.

Quantas memorias ficam para tras nesta primeira nostalgia? E quantos sonhos desfeitos pela chuva que cai e arrasta a esperanca de mais uma tarde de sol?

E depois, o que vira?

Planos para depois

Quando mais uma dezena de vendedores entram no meu apertado autocarro na Nicaragua, tenho vontade de filmar mais uma destas cenas.

- Agua de coco! Agua de coco!!
- Tamales, tamales! Tamalitos a cinco!
- Caramelos! Caramelos para los niños!
- Agua de coco! Agua de coco. Permiso. Gracias. Agua de coco!
- Mango, sandia, mango..quantos? A diez son!
- Caremalos a dos cordovas..
-..agua de coco! Dos por diez!
- "Sangwich" de pollo! "Sangwich" de jamon!
- Caramelos! Caramelos de fresa e limon!
- Platanos fritos! Con chile o sin chile? Hum, a tres. Dos? Aqui esta..
- Permiso. Mango, fruta fresca!

E o autocarro continua a sua marcha imparavel pela estrada esburacada fora. Eu suo o calor tropical de uma janela enferrujada meio aberta ate ao limite e admiro o verde-vivo da paisagem e o enorme vulcao que se eleva na distancia. Sorrisos de dentes dourados acompanham a minha apertada angustia, a tshirt que se cola ao corpo, a mochila que me pesa sobre os joelhos. Atravesso a Nicaragua. Pela Panamericana fora.

"Por la panamericana", poderia chamar a este livro de retratos imaginario que me preenche a fantasia. Ultimamente tenho pensado no espectacular livro de fotografias que podia fazer desta viagem. Bastavam para isso duas coisas que nao tenho: uma maquina maior do que a minha Nikon de bolso e a vontade de abdicar das Experiencias para ficar com as Fotografias.

As grandes fotografias so se conseguem tirar quando elas mesmas sao o objectivo do dia, da viagem, da busca. E dificil interagir amigavelmente com alguem num autocarro e depois registar essa pessoa num grande plano. Seria necessario abdicar do respeito dessa pessoa para conseguir tirar-lhe uma grande fotografia sem que se ofendesse. E dificil divertir-me no Estadio Nacional de Tegucigalpa e capturar a essencia dos fanaticos adolescentes que me rodeiam, em imagem. Em paisagens, teria de estar disposto a abdicar de todo um dia para esperar pela hora perfeita, pela luz perfeita.

Um dia hei-de fazer uma viagem com o objectivo unico de tirar boas fotografias. Nao vou procurar viver os momentos, nem apreciar as pessoas e as conversas, mas apenas dedicar-me a Espera e Busca pelo momento perfeito e a imagem perfeita. E que boas fotografias poderia ter tirado nestes dois meses! Expressoes antigas em vestidos coloridos. Sorrisos inocentes de criancas adultas. A chuva que cai sobre uma casa de madeira podre. Carrocas guiadas por velhos agricultores numa estrada esburacada. Verdes vulcoes abencoando um carro de bois.

Mas nao, desta vez procurei apenas viver os momentos e captura-los, toscamente, aqui e ali, numa imagem, para mais tarde os recordar melhor.

"Por la Panamericana". Que belo livro de fotografias ficou pelo caminho.

Friday, August 17, 2007

Southwards

- He visto un tiburon martillo con mas de 3 metros!
- Tamaño animal!..

E esta a reaccao da velhota que vende peixe no molhe de La Libertad, pequena vila piscatoria no sul de El Salvador e meca do surf no pais. Durante horas perco-me por entre toda aquela quantidade de peixes, tubaroes e ovos de tartaruga expostos para venda mal os barcos sao icados por um pequeno guindaste neste acastanhado porto castigado sem piedade pelas grandes ondas do Pacifico.

Os pescadores, as vendedoras, o cheiro, as ondas desafiadas pelos surfistas, os despretensiosos cafes sobre o mar, as criancas que brincam na praia trazem-me de volta a lugares como a Ericeira ou a costa de Sintra. Mais remotos na minha memoria, mas ainda mais vivos na minha saudade e nos meus sentidos, chegam ate mim naquela tarde em La Libertad os pores-do-sol em que acompanhava, minimo, em pequenos passinhos de crianca obediente, o meu avo ao cais de Sao Martinho do Porto, para ver as traineiras descarregar algas.

- Avo, para que e que servem as algas?
- Fazem remedios com elas, Luis.
- Ah. E porque e que as pesam naquela balanca?
- Porque as dividem em lotes, para as vender depois.
- Ah. E........

Era insaciavel a minha curiosidade daqueles dias, em que o sol desaparecia para la da barra e todo o meu universo se reduzia a mao magrinha do meu avo e ao penetrante cheiro das algas musgosas. Nunca imaginei voltar a recordar essas algas, essas traineiras e esse sol alaranjado tantos anos mais tarde, do outro lado do Mundo, no pais mais pequeno da America Central. Afasto-me com um sorriso so meu, que ninguem podera nunca compreender, como nunca ninguem podera compreender porque e que um tubarao-martelo acabado de pescar me recorda algas e avos altos e magrinhos

Entrei em El Salvador com 4 USD, um cartao de credito desmagnetizado, um cartao de debito que nao funcionava na Guatemala, meia carrafa de agua e um pacote de amendoins. Nessa noite, tive alguma dificuldade em convencer donos de hoteis a deixar-me dormir e pagar apenas no dia seguinte. Tive, tambem, uma ligeira sensacao de fome que nenhum amendoim pode compensar. Felizmente, os bancos ingleses ja chegaram a El Salvador e pude, no dia seguinte, levantar dinheiro suficiente para explorar as maravilhas deste pais tao fascinante quanto pouco visitado. Andei pelas montanhas onde se planta o melhor cafe do Mundo, vagueei por silenciosas cidades coloniais, escalei vulcoes, aceitei convites de almoco e jantar da generosa gente local, perdi-me na loucura caotica de San Salvador e sofri, como tenho sofrido nos ultimos dois meses, o aperto de viajar de pe durante horas em autocarros de escola americanos dos anos 50, cheios ate ao tecto, onde a maior atraccao, para homens e mulheres, sou eu.

Foram tantos os quilometros nestes enormes animais de metal e gasoleo, que ja nao noto nada de novo nas cores com que os pintam por fora, nos desgastados bancos de lona onde 4 pessoas se sentam no lugar de duas, nos sorrisos de toda a gente, nas curvas sobre ravinas, no vento que me levanta os cabelos, no fumo poluente que penetra os meus pulmoes quando estico a cabeca de fora da janela para ver mais um vulcao, mais um traje colorido ou mais uma pequena igreja colonial a beira da estrada.

Desde que entrei na Guatemala, mergulhei de cabeca no meu imaginario da America Central, o imaginario das bananas, das plantacoes de cafe, das gentes indigenas vestidas com cores tropicais, das igrejas amarelas, dos sorrisos genuinos com dentes de ouro, dos vulcoes a cada esquina, das coca-colas em garrafas de vidro e do calor humido do sol do meio-dia. Mergulhei, tambem, no real imaginario dos assassinatos que ocupam as primeiras paginas de todos os jornais, da poluicao, do lixo por recolher, e das vielas escuras e desertas a meio da noite.

Apesar de toda a gente que conheci, de toda a diversao das ilhas por onde andei, de todas as noitadas, de todas as cidades coliniais, de todas as caoticas capitais, de todo o prazer e de todas as dificuldades, a minha maior felicidade, hoje, quase tres meses depois da partida, e ter encontrado tudo o que esperava por aqui.

No meio disto tudo, tive ainda a sorte de me cruzar em San Salvador com o meu grande amigo Miguel Moura, com quem partilhei o melhor bife da viagem. Jantaradas em San Salvador com um amigo de Lisboa. Que Mundo pequeno.

Faltam agora 15 dias para voltar a casa e muita coisa por ver e fazer. Tudo e possivel por aqui.

Pode-se passar 3 meses no meio da pobreza e da genuinidade dos paises, como se pode passar o mesmo periodo de tempo rodeado de turistas em ilhas paradisiacas e uma ou outra cidade colonial arranjadinha como Antigua ou San Cristobal de las Casas. Pelo que tenho visto, considero que e possivel passar 3 meses aqui sem sequer ter nocao da pobreza em que estes paises vivem. Basicamente, todos eles tem dois ou tres lugares tao turisticos e arranjadinhos que parecem pedacos de Europa ou EUA no meio deste caos organizado.

Tento misturar o prazer do mergulho e das cidades turisticas com o prazer da genuinidade de lugares como Huehuetenango, Guatemala City, San Salvador, que pouca gente visita por falta de highlights ou vida nocturna, mas que revelam a verdadeira essencia destes paises tao sub-desenvolvidos.

E um enorme dilema, diariamente, abdicar de sitios cheios de gente de todo o Mundo pronta a divertir-se, em prol de capitais desorganizadas ou cidades poluidas. Mas, se nao fossem essas, mais valia ter passado o verao em Ibiza ou nas ilhas Gregas.

Sem duvida que Utila e Roatan, ilhas das Honduras de onde acabo de sair depois de uma semana de festas e mergulho, enche as medidas a qualquer pessoa com vontade de divertir-se, mas agora que passei por essa semana de verdadeira loucura caribenha, ja tenho vontade de mais autocarros, de mais escapes, de mais comida de rua, de mais espanhol, de mais Verdade.

E por isso, faco-me de novo a estrada, sem muita nocao de destino, na certeza de que tudo o que vier sera bom.