- He visto un tiburon martillo con mas de 3 metros!
- Tamaño animal!..
E esta a reaccao da velhota que vende peixe no molhe de La Libertad, pequena vila piscatoria no sul de El Salvador e meca do surf no pais. Durante horas perco-me por entre toda aquela quantidade de peixes, tubaroes e ovos de tartaruga expostos para venda mal os barcos sao icados por um pequeno guindaste neste acastanhado porto castigado sem piedade pelas grandes ondas do Pacifico.
Os pescadores, as vendedoras, o cheiro, as ondas desafiadas pelos surfistas, os despretensiosos cafes sobre o mar, as criancas que brincam na praia trazem-me de volta a lugares como a Ericeira ou a costa de Sintra. Mais remotos na minha memoria, mas ainda mais vivos na minha saudade e nos meus sentidos, chegam ate mim naquela tarde em La Libertad os pores-do-sol em que acompanhava, minimo, em pequenos passinhos de crianca obediente, o meu avo ao cais de Sao Martinho do Porto, para ver as traineiras descarregar algas.
- Avo, para que e que servem as algas?
- Fazem remedios com elas, Luis.
- Ah. E porque e que as pesam naquela balanca?
- Porque as dividem em lotes, para as vender depois.
- Ah. E........
Era insaciavel a minha curiosidade daqueles dias, em que o sol desaparecia para la da barra e todo o meu universo se reduzia a mao magrinha do meu avo e ao penetrante cheiro das algas musgosas. Nunca imaginei voltar a recordar essas algas, essas traineiras e esse sol alaranjado tantos anos mais tarde, do outro lado do Mundo, no pais mais pequeno da America Central. Afasto-me com um sorriso so meu, que ninguem podera nunca compreender, como nunca ninguem podera compreender porque e que um tubarao-martelo acabado de pescar me recorda algas e avos altos e magrinhos
Entrei em El Salvador com 4 USD, um cartao de credito desmagnetizado, um cartao de debito que nao funcionava na Guatemala, meia carrafa de agua e um pacote de amendoins. Nessa noite, tive alguma dificuldade em convencer donos de hoteis a deixar-me dormir e pagar apenas no dia seguinte. Tive, tambem, uma ligeira sensacao de fome que nenhum amendoim pode compensar. Felizmente, os bancos ingleses ja chegaram a El Salvador e pude, no dia seguinte, levantar dinheiro suficiente para explorar as maravilhas deste pais tao fascinante quanto pouco visitado. Andei pelas montanhas onde se planta o melhor cafe do Mundo, vagueei por silenciosas cidades coloniais, escalei vulcoes, aceitei convites de almoco e jantar da generosa gente local, perdi-me na loucura caotica de San Salvador e sofri, como tenho sofrido nos ultimos dois meses, o aperto de viajar de pe durante horas em autocarros de escola americanos dos anos 50, cheios ate ao tecto, onde a maior atraccao, para homens e mulheres, sou eu.
Foram tantos os quilometros nestes enormes animais de metal e gasoleo, que ja nao noto nada de novo nas cores com que os pintam por fora, nos desgastados bancos de lona onde 4 pessoas se sentam no lugar de duas, nos sorrisos de toda a gente, nas curvas sobre ravinas, no vento que me levanta os cabelos, no fumo poluente que penetra os meus pulmoes quando estico a cabeca de fora da janela para ver mais um vulcao, mais um traje colorido ou mais uma pequena igreja colonial a beira da estrada.
Desde que entrei na Guatemala, mergulhei de cabeca no meu imaginario da America Central, o imaginario das bananas, das plantacoes de cafe, das gentes indigenas vestidas com cores tropicais, das igrejas amarelas, dos sorrisos genuinos com dentes de ouro, dos vulcoes a cada esquina, das coca-colas em garrafas de vidro e do calor humido do sol do meio-dia. Mergulhei, tambem, no real imaginario dos assassinatos que ocupam as primeiras paginas de todos os jornais, da poluicao, do lixo por recolher, e das vielas escuras e desertas a meio da noite.
Apesar de toda a gente que conheci, de toda a diversao das ilhas por onde andei, de todas as noitadas, de todas as cidades coliniais, de todas as caoticas capitais, de todo o prazer e de todas as dificuldades, a minha maior felicidade, hoje, quase tres meses depois da partida, e ter encontrado tudo o que esperava por aqui.
No meio disto tudo, tive ainda a sorte de me cruzar em San Salvador com o meu grande amigo Miguel Moura, com quem partilhei o melhor bife da viagem. Jantaradas em San Salvador com um amigo de Lisboa. Que Mundo pequeno.
Faltam agora 15 dias para voltar a casa e muita coisa por ver e fazer. Tudo e possivel por aqui.
Pode-se passar 3 meses no meio da pobreza e da genuinidade dos paises, como se pode passar o mesmo periodo de tempo rodeado de turistas em ilhas paradisiacas e uma ou outra cidade colonial arranjadinha como Antigua ou San Cristobal de las Casas. Pelo que tenho visto, considero que e possivel passar 3 meses aqui sem sequer ter nocao da pobreza em que estes paises vivem. Basicamente, todos eles tem dois ou tres lugares tao turisticos e arranjadinhos que parecem pedacos de Europa ou EUA no meio deste caos organizado.
Tento misturar o prazer do mergulho e das cidades turisticas com o prazer da genuinidade de lugares como Huehuetenango, Guatemala City, San Salvador, que pouca gente visita por falta de highlights ou vida nocturna, mas que revelam a verdadeira essencia destes paises tao sub-desenvolvidos.
E um enorme dilema, diariamente, abdicar de sitios cheios de gente de todo o Mundo pronta a divertir-se, em prol de capitais desorganizadas ou cidades poluidas. Mas, se nao fossem essas, mais valia ter passado o verao em Ibiza ou nas ilhas Gregas.
Sem duvida que Utila e Roatan, ilhas das Honduras de onde acabo de sair depois de uma semana de festas e mergulho, enche as medidas a qualquer pessoa com vontade de divertir-se, mas agora que passei por essa semana de verdadeira loucura caribenha, ja tenho vontade de mais autocarros, de mais escapes, de mais comida de rua, de mais espanhol, de mais Verdade.
E por isso, faco-me de novo a estrada, sem muita nocao de destino, na certeza de que tudo o que vier sera bom.
Friday, August 17, 2007
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7 comments:
Sinto me uma privilegiada.
Sinto o cheiro, vejo a cor, o sabor, passam-me o mesmo vento pelos cabelos...
Sinto me uma privilegiada pq afinal o que vejo não são imagens mas memorias e só por isso, mexe comigo perceber a zanga interior quando um autocarro de mil cores já não nos espanta.
Sinto me uma privilegiada porque tenho a certeza que as imagens são vagas, as memorias...(como as tuas), eternas.
... e tb por te ler.
Que saudades que tinha da tua escrita...
"ja tenho vontade de mais autocarros, de mais escapes, de mais comida de rua, de mais espanhol, de mais Verdade." !
Como te compreendo. Boa viagem! um dia destes tens de conhecer o peru e os peruanos. fantasticos
É com um misto de tristeza e satisfação que sabemos do teu regresso...
De um lado deixaremos de ter estas fabulosas crónicas de viajante. Por outro, seremos prendados com relatos na primeira pessoa e novas temáticas serão novamente abordadas neste maisdemilvozes.
Quanto à frase que mais gostei, reveladora da tua curiosidade pela vida e não pela estandardização de costumes, aqui a transcrevo:
"E um enorme dilema, diariamente, abdicar de sitios cheios de gente de todo o Mundo pronta a divertir-se, em prol de capitais desorganizadas ou cidades poluidas. Mas, se nao fossem essas, mais valia ter passado o verao em Ibiza ou nas ilhas Gregas."
Abraços
PS - Fazem os Coldplay uma bela banda sonora para a tropicalidade/rusticalidade da América Cenral? LOL
tropicalidade/rusticidade, sorry
“...mas agora que passei por essa semana de verdadeira loucura caribenha, ja tenho vontade de mais autocarros, de mais escapes, de mais comida de rua, de mais espanhol, de mais Verdade. E por isso, faco-me de novo a estrada, sem muita nocao de destino, na certeza de que tudo o que vier sera bom”.
Dirección: sur, destino: Macondo?
Aqui deste lado.. as traineiras lá estavam. Perguntaram por ti.
I’m lovin’ it, continua. 15 dias, 15 posts!
Não preciso de ler duas vezes tudo o que escreves para me contextualizar. Não são precisos relógios de contar dias e folhas de calendário. Os 15 dias que faltam não têm corpo, são só mais momentos, mais sorrisos, mais sensações, mais equilíbrios, mais escassez, mais sede, menos amendoins, mais memórias de avôs altos e magrinhos, mais mãos, mais tornozelos, mais kilometros, mais pescadores, mais maresia,...mais vida. De facto, não há preço para tudo isso. Não há preço para as horas mal dormidas em viagens, não há preço para as emoções intemporais. Não há preço para os passos que te prendem a essas terras que percorres sem pressas. Obrigada Luís pelos teus relatos. Apetece-me sempre partir para essas terras e perder a pressa que me prende a este PC, que me conduz os passos pela Avenida da Liberdade abaixo em direcção ao rio. Às vezes, fico pelo cais à espera dos mesmos pescadores, dos mesmos cheiros, da mesma maresia. Às vezes, aparecem. Outras não. Boa viagem.
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