Wednesday, May 16, 2007

No teu dia de anos



Gostes ou não, o dia de anos é aquele dia em que te questionas sobre quem és. Analisas a tua idade, vês o que ainda é cedo para fazeres e tentas apagar os arrependimentos do que não fizeste, procurando convencer-te de que ainda vais a tempo de tudo. A cada dia de anos teu, um número de muda e, com ele, sabe-lo, mudam uma infinidade de planos e sonhos. No teu dia de anos, recordas onde estavas no dia de anos anterior e vês quanto mudaste e quanto permaneceste.

Olhas para o telemóvel e pensas em quem te ligou à meia-noite. Quem se lembrou dos teus anos? E quem vai ligar no dia seguinte?

No teu dia de anos situas-te no Mundo e entendes, preto no branco, para quem és importante. No teu dia de anos, és o centro do teu mundo e, quando olhas em volta, percebes quem te acompanha nele.

No teu dia de anos, tudo é passado e tudo é esperança. “Passou mais um”, pensas, e tentas compreender, a custo, se isso é bom ou mau. O tempo passa, entendes, mas está a passar a teu favor?, perguntas.

No teu dia de anos, olhas para a lista dos convidados e pensas em quem falta. Lembras-te de alguém à última hora. “Como me pude esquecer?”, irritas-te. E, quando te acalmas, olhas de novo a lista. Nomes dos que te são mais importantes. A lista que encerra a tua única razão de viver. És aquela lista. Odeias limitar-te àquilo, porque iniciamente não gostas de te ver reduzido a uma série de nomes.

Mas as horas avançam e pensas no que gostavas do teu próximo dia de anos. O que te falta hoje, que queiras ter para o ano? Nada? Mas então – olhas-te ao espelho – então, o que te move afinal?


E revês todos os dias de anos que já passaste e perguntas-te se valeram a pena. Estás onde estás. Era isso que querias para ti, quando fizeste anos nos outros anos?

No dia de anos que passou, querias estar aqui neste dia de anos?

Uma série de decisões fez de ti o que és. Tudo o que decidiste levou a este dia de anos. Terás decidido bem?

E, tenhas ou não decidido bem, gostaste do caminho?

No teu dia de anos, questionas-te se o importante é o caminho ou é o resultado.

E percebes que, forçosamente, é o caminho que interessa, porque o resultado é sempre intermédio, e nesse momento de balanço tudo o que queres é continuar a caminhar.

Se só pensares no resultado, só pessas na morte. E tu adoras viver.

Então, olhas de novo para a lista e compreendes que o que te move são as pessoas. És humano, reparas, e se és humano vives de relações. Tu és a lista dos convidados, sim!

Mas então, porque pensas tanto no ano que passou? E no que vem? Porque dás tanta importância ao que passou e ao que ainda queres fazer?

Que inquietante nostalgia é essa que te assalta o dia de anos?

Reparas que o tempo passa. Sabes quem és, sabes o que construíste. Tens algo. Sim, tens algo. Mas para o ano terás outro dia de anos. E depois outro.

Percebes então que tudo o que tens, tudo o que és, muda.

No teu dia de anos percebes que não és só tu que mudas. Tudo muda.

E então realizas que as pessoas não te bastam. Também elas mudam. Também elas acabam. Também tu acabarás.

O que queres então? Obra? Prazer?

Há um dia de anos em que te despediste do emprego, faltam quinze dias para ires viajar durante três meses, vais voltar a casa durante mais um e depois vais partir rumo a um emprego desconhecido pelo Mundo fora.

Nesse dia, em que tudo te parece perfeito na idade que tens, em que a lista dos convidados te satisfaz e em que à meia-noite o telefone não parou de tocar, nesse dia deitas-te inquieto e questionas-te sobre porque fazes o que fazes.

O que queres tu afinal? Porque não consegues dormir? Que fazes, tu, a ligar o computador a estas horas, no teu dia de anos?

Há um dia de anos em que compreendes finalmente que nunca saberás como construir um dia de anos perfeito, porque haverá sempre um milhão de arrependimentos passados e um milhão de incertezas futuras.

Nesse dia de anos, levantas-te da cama a meio da noite e descobres a única certeza que tens na tua vida: ainda estás para encontrar o que te move.

E, como sabes que nunca encontrarás essa certeza, relaxas, com um sorriso, compreendendo finalmente, depois de tantos anos, que o peso das escolhas é irrelevante, porque por cada decisão, por melhor que te pareça, há uma infinidade de possibilidades que deixarão de se realizar, e sempre será assim.

Deitas-te então radiante com todas as decisões que tomaste até hoje, porque te trouxeram até este momento com uma lista de convidados que te completa e com decisões tomadas que só não são certas porque não há certezas na vida e, se as houvesse, não seriam para alguém como tu.

Wednesday, May 09, 2007

Fim do dia

O sol já quase adormece quando saio da praia depois de um mergulho à hora de jantar na água fria. De cabelo ainda molhado e fato-de-banho enrolado na toalha, chego ao carro. O único no parque. Olho para a areia colada aos calcanhares. Inclino-me para a sacudir com a mão. Passo-a pela canela abaixo, até ao calcanhar. Os grãos despegam-se, obedientes, a cada passagem da superfície áspera da minha mão pela perna onde se aninharam. Escuto com atenção o som dos grãos que se soltam da minha pele e caem para a areia do parque de estacionamento. A cada passagem da mão, aquele raspar áspero, soando como a tímida pandeireta de uma orquestra clandestina. Toco-a sucessivamente, três, quatro vezes. Sempre o mesmo som. Sempre o mesmo silêncio. Sempre o mesmo som. Sempre a mesma brisa que passa, sempre o sol alaranjado que imagino já a cair no mar, sempre a minha mão tocando a pele e a areia. Fecho os olhos. A minha perna está limpa e ouço, ainda, a memória do som que se mantém, suave restolho de um início de verão. Suave, e cadente, certeza de mais um ciclo que se reinicia, desta vez comigo para o ver chegar e partir.

Tuesday, May 08, 2007