Thursday, October 18, 2007

FignerSnap

Pequenos passos ecoam ritmados no chao de pedra. Um, dois, um, dois, um, dois..., e mais um par de saltos altos aparece, tres, quatro, tres, quatro, e tres pares de mocassins, cinco, sete, nove, seis, oito, dez..cinco, sete, nove, seis, oito, dez..e mais um par de mocassins e uns saltos altos, onze, treze..clop,clop, doze, catorze, onze, treze, clop, clop, doze, catorze..
..um pequeno frio de primeiro Inverno abafa os passos no chao de pedra, um, tres, treze, onze, dois, quatro, doze, catorze, um, dois, clop, clop, clop, clop, cinco, sete, seis, oito, tres, onze, quatro doze, um, dois, treze, catorze,
..e um sino bate as doze badaladas da meia-noite no frio de vapores martelados em passos e passinhos, Dong, clop, clop, clop, clop, Dong, clop, clop, clop, clop, Dong...
..e vozes abafadas surgem esganadas por pescocos em esforco, soando entre os passos na pedra e o sino que bate, vozes sem som tentam comer os passos que so o chao pode ouvir e se perdem nos ecos da noite.
..Meia-noite.
Os vultos, clop, clop, aproximam-se no silencio das castanholas do final do patio. Um, tres, dois, quatro..um, tres, dois, quatro. Chegam os dois primeiros. A porta range,
"Boa noite senhores". Silencio na resposta. "Facam favor de entrar."
E entram, um a um, dois a dois, aos pares e aos grupos. A musica alegre abafa os passos que correm do fundo da enorme sala. Aparece o anfitriao entusiasmado e abraca os escuros convidados. Beijam-se, riem alto, mexem muito as maos e os corpos,
A musica toca ensurdecedora por colunas e colunas espalhadas pelo salao, correm os primeiros copos, os segundos, entram mais saltos altos do silencio da noite para o festim da grande sala, passam travessas com a ceia, e mais copos, e a pista de danca ja esta cheia..
..e a musica baixa de volume - se calhar, nunca existiu - e de novo os saltos saltitam pela pista em ritmos descoordenados. Nao se ouvem os pequenos gemidos que as dancarinas suspiram as suas amigas e namorados, so corpos que se movem e maos desastradas que deambulam desconexadamente ao ritmo das palavras que nao se dizem,
Muitas gargalhadas sob a luz clara do enorme castical, e amigas que se abracam, e casais que se beijam, e o bebado que se vomita, e grupos de rapazes a galar as amigas, e a animacao reina na festa do silencio, a festa das palavras nao-ditas e das gargalhadas mais sonoras.
E sempre, sempre, os saltos e solas que ecoam no marmore polido, eternos interpretes das conversas por dizer.
Clop, clop, clop, clop, ahahah!!, clop, clop..clop, clop, clop, clop, um, tres, cinco, sete, nove, onze, treze, quinze, dezassete, cinquenta e um, dois, quatro, seis, dez, doze, dezasseis, dezoito, cinquenta e dois, na confusao total do um, um, um, dois dois, tres, quinze, quinze, vinte e dois, um, tres, cinco, cinco, cinco, e o dezassete pula como um doido, dezassete, dezoito, dezassete, dezoito, dezassete, dezoito, dezassete, dezoito, dezassete, dezoito, dezassete, dezoito, nao consdegue parar de dancar,
E cai a noite e comeca o dia, e os ultimos saltos fogem do marmore para o sol alegre da pedra ja quente, e abracam o amigo que fez anos sem lhe cantarem os parabens (so palmas, sempre as palmas das maos),
E sai o ultimo aos tombos, arrastando-se pelo pavimento, seeeeteee, oiiiitooo, seeeteee, oittoooo, e arrasta os pes no chao, em solas ja gastas..
..e fecha-se a grande porta da grande festa, e o dono abraca o mordomo, e recebe as "Boas noites senhor",
e deita-se no silencio da madrugada onde os passaros cantam a sua janela e os motores dos carros roncam alto demais para que ele ouca.
E no quarto ao lado o mordomo revira-se na cama arrepiado com o ensurdecedor ronco da primeira madrugada, exausto com a arrepiante opereta da festa dos anos.
"Estranha musica", pensa, antes de lhe rebentarem os timpanos, "estranha musica, a da festa dos surdos-mudos."

Saturday, October 13, 2007

Vacuum Cleaner

Finalmente o dia acabou. Uma musica alegre acompanha copos e copos de vinho tinto e branco que escorregam bocas abaixo. Londres. Por fim, musica boa.

De todo o Mundo, chegamos a procura de um lugar no topo. Fatos impecaveis, oculos a condizer, saias pela altura certa, sorrisos verdadeiros e falsos, entusiasmo e curiosidade. Londres, la em baixo. O rio passa cinzento sob a nossa janela. Hoje, com uma luz especial. O primeiro dia "of hopefully a long and successful international career with us"

Pergunto em volta, de onde sao voces, onde estudaram, que linguas falam?; a que lugar chamam casa?

De todo o lado, em todo o lado, todas; nenhum

So tu, Luis, aqui entre nos, é que tens a tua Lisboa, o teu Portugal, o teu ultimo reduto.

E voces nao tem familia, pergunto, e Natais com avos e tias-avos, e arroz de pato aos domingos a tarde? Que e isso?, respondem.

Estamos introduzidos. Somos 25 a procura do tecto do Mundo. Devemos estar perto: ha 100 andares abaixo de nos.

Quanto mais alto o ego, maior a queda.

- So, what's your name, I don't believe I have met you before..
- Oh I am Jiayioo Yieming! And you??
- Luis!
- Nice to meet you Louis! Where are you coming from?
- Lisbon, Portugal. And you?
- Singapore. But well I did my studies in New York and my masters in Paris.
- Oh, I see. I will have a hard time memorizing that name of yours, you know..
- Oh!..Well if it helps, it means "bright light" in chinese
- So it is a chinese name??
- Yes.
- And do you like it then??
- It's allright. Don't you??
- Well yes. It 's sweet. But maybe I would have chosen a different one for you..
- Oh really, which one?

Olho-a por breves segundos e, na amalgama de vozes, vinho, "nice to meet you's" e "I wanna do my second professional rotation in Sidney or New York", a unica verdade que me sai daquela cara abolachada é

- "Vacuum Cleaner"

Resisto a debitar em palavras este enorme disparate que aqueles olhos bem abertos me provocam, calo-me, sorrio para dentro, respondo banalmente "Pretty Princess" à minha nova colega e retiro-me à procura de uma garrafa aberta.
Por sorte, ha mais do que uma.

Thursday, October 11, 2007

now @ large




...lá vou eu




London Calling

Ansioso; Nostálgico,
Com receio do deconhecido mas confiante para enfrentá-lo.
Triste, tristíssimo, de rastos, pelo que deixo para trás;
Contente, pelo que vejo para a frente, ainda baço, ainda a meia-luz;
Curioso;
Nervoso;
Com vontade de ficar,
De não ir nunca
Mais
De ser só isto que me satisfaz;
Com vontade de não ser audaz
De não ser curioso,
Irrequieto,
Inconformado;
Sem sentimento fixo,
Só um arrepio a toda a hora;

Wednesday, October 10, 2007

Faking the Books


We’ve been done before
and now we try to forge ourselves
I’ll be true again
But until then I fake the books






Esta música já por aqui andou, mas noutras circunstâncias. Gosto desde conceito, nunca o tinha visto abordado em nenhuma música.
Já todos fomos feitos, à nascença, e agora, diz ela com voz amarga, agora tentamos moldar-nos. Reinventar-nos. Voltarei a ser eu mesma, à minha ideia original, mas até lá vou falsificar os livros.
Falsificar os meus genes, a minha fórmula original. Moldar-me ao dia de hoje, forjar os planos pré-determinados do meu eu, que estão lá para mim desde que apareci.
Gosto de ouvir esta música e saber que me estou a adaptar a cada momento a esse momento exacto, moldando a minha forma original às minhas ideias de hoje, enganando os meus registos até ao dia em que voltar a ser eu mesmo, que pode ser amanhã ou que pode ser nenhum dia.
Na verdade, o que ela diz é que não há limites para ninguém.

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Saturday, October 06, 2007

Wake up

Cada vez perco menos tempo a dormir.
Há dias em que nem consigo adormecer, com ansiedade que o dia seguinte chegue.
E há dias em que, mesmo que me tenha deitado tarde, mal acordo, seja a que horas for, não consigo dormir mais.
Mas isso são pormenores, porque eu acho que até gosto de dormir.
Mas é aquela alegria da luz pela janela, do cérebro em movimento, do movimento na rua.
Vida lá fora.
Isso é que não me dá vontade de dormir.
O Mundo que não se desperdiça, com mais uma hora de sono......!!
Assumindo que se está na cama sozinho, não faz sentido nenhum perder lá muito tempo.

pequenas coisas

As pequenas coisas são o meu reduto. Cada dia que passa, parece que gosto mais de andar aqui à solta pela Terra, e tenho percebido que o prazer que extraio dos dias vem quase exclusivamente de pequenos momentos, pequenas cores, pequenas luzes, pequenas vozes, pequenos sabores, pequenos arrepios que me segredam ao ouvido "isto que aqui se passou foi bom e valeu a pena ter acontecido."

Noutro dia, um dilúvio bíblico mastigava com dentes de água os vidros indefesos do meu carro e eu aproveitava calmamente o trânsito iluminado daquele já escuro fim de tarde. Mudei de posto e ouvi, pela primeira vez na vida, os Booka Shade repetir naquele tom meio sonhador o para mim até então desconhecido e suave "O Superman...O Superman...O Superman" criado pela Laurie Anderson há mais de vinte anos.

A chuva caía, indiferente aos protestos de meia Lisboa, em bátegas sobre mim e o resto da cidade, e buzinas aberrantes praguejavam contra cruzamentos parados. E eu estava ali, meio adormecido, quase, a deixar-me embalar pela voz de robot com sentimentos que me repetia, ao ritmo da chuva, "O Superman", como se nada mais existisse no Mundo senão aquela pequena paz.

Quase quis ficar para sempre dentro do meu pequeno carro, deixar a chuva inundar a estrada, e depois da estrada os passeios, e depois dos passeios entrar pelas janelas e portas das casas, subir até aos telhados e jorrar chaminés abaixo como um sistema de fontes, e que o meu carro flutuasse pelo novo mar acima enquanto eu voava com o Superman que me entrava pelo sangue, chuva abaixo, rio abaixo, mar abaixo, até ao espaço.

Quando o sinal verde abriu, um braço meio mecânico meio etéreo despertou-me da minha letargia e uma voz quente, profunda, rouca e suave, de mulher, de amante virtual, de Oxigénio, lembrou-me, a mim e aos restantes afortunados que estavam a ouvir o mesmo: "Não se intimidem com os trovões..os trovões..não fazem mal".

Olhei para o rádio, para a chuva que já não me deixava ver nada, para as luzes vivas dos carros e semáforos à minha volta e pensei, quase em alto, no bom que é estar à chuva no trânsito e ter uma locutora de voz sensual sensual a proteger-me dos trovões depois de passear no Espaço com uma música daquelas.

Sorri então, fiz uma vénia às pequenas coisas e voltei a perceber como gosto de estar vivo.

Friday, October 05, 2007

Aspecto

maisdemilvozes tem sido submetido a diversas operações estéticas nos últimos dias. Como blog trapalhão e desarranjado que sempre foi, sente-se agora demasiado pressionado por tanta maquilhagem e idas às compras. Nunca pensou ser tão retocado, tão pintadinho, tão diferente todos os dias. maisdemilvozes não se sente confortável com tamanha atenção e preocupação estética e, por birra, cuspiu a barra do lado para o fundo da página. Já lhe devolvi a aparência original, pintei-lhe um azul lá em cima, tirei e voltei a colar as fotografias que ele exibe, mas nada, continua com birrinha. Diz que acha muito mais divertido pisar a barra do lado do que tê-la na mão direita. Que é que eu posso fazer a este blog mimado?

Wednesday, October 03, 2007

Data de Nascimento: ___ ___ ______

Não digo que isto não fosse óbvio, porque é, mas tem piada constatar que, de facto, basicamente não há nenhum mês em que nasçam mais pessoas do que outras.

Têm piada estas sondagens diárias do LetsSingIt que é o site onde eu vou ver as letras das músicas que ando a ouvir. (Engraçado como cada pessoa tem o seu site onde para ver lyrics, e nunca muda.)

Era o que mais faltava

Um repórter da TSF dizia, em directo da manifestação da PSP há uns dias (e cito livremente e sem garantia de transcrição exacta),

"Os organizadores da manifestação falam em mais de 3000 participantes, mas já se sabe que, nas manifestações, normalmente há uma discrepância entre os números dos organizadores e os números oficiais da polícia que costuma controlar as manifestações e fazer a contabilização dos manifestantes. Ora, como aqui se trata de uma manifestação da própria polícia, é difícil os dados oficiais serem imparciais."

Genial isto.

Portanto, sempre que os órgãos oficiais de poder ou de segurança falam acerca de si mesmos, esquecem-se da sua única função, que é o serviço público, e manipulam a verdade a seu favor?

Então que tal manipulação de votos pelos partidos no poder, quando há eleições?
E orçamentos de estado forjados e tratados artificialmente?

Desde quando é que é normal e expectável que a polícia seja parcial?!

Já sabemos que um membro de um partido nunca diz mal de outro. Mas a isso já estamos habituados (e em todo o caso, quem é que acredita no que essa gentalha diz?). Mas polícia a manipular dados?

No dia em que tivermos a polícia a manipular dados, gostava eu de dizer ao jornalista da TSF, a polícia deixa de ser polícia e eu deixo de obedecer.

The National


Não percebo como é que só descobri isto este mês. E já nem sei como, por isso nem sequer posso agradecer a ninguém ter-me aberto os olhos para esta banda e, em especial, para o último CD, Boxer.


Música de botas molhadas em folhas secas, de abraços de despedida, de sorrisos em câmara lenta. De beijinhos de boa noite.