Thursday, September 06, 2007

Tortuguero

A viagem desde a confusa mas minimamente cosmopolita San Jose ate ao coracao da selva em Tortuguero dura um dia inteiro de autocarros, plantacoes de bananas e barcos por rios castanhos abaixo, para terminar numa pequena aldeola encalhada entre a selva e o mar, onde pescadores e surfistas locais partilham uma pacata existencia de fim de dia.

Depois de um dia na obscura Managua, outro em transito e uma tarde inteira a divagar por San Jose, respiro o ar puro de uma selva verde e pegajosa longe, muito longe, dos escapes da capital, e, portanto, a anos-luz de qualquer cidade moderna.

Devagar, cai a noite, primeiro alaranjada e depois negra e penetrante como os sons da selva que lhe dao as boas-vindas.

Sigo o guia Castor durante mais de meia hora pelo escuro atraves da selva, acompanhado pelo bater das ondas na praia que sentimos perto. Ondas grandes, selvagens, embatem contra a terra surpreendentemente acastanhada do Caribe costa-riquenho. A minha emocao voa antecipando as dezenas de tartarugas que estou prestes a ver mal entrar na praia ali mesmo ao lado. Naquele momento, (ainda penso que no Parque Nacional de Tortuguero se pode passar toda a noite a ver tartarugas entrar e sair do mar. Estou enganado, mas) estou prestes a ver ao vivo uma das maiores maravilhas da Natureza.

As minhas enormes expectativas carregadas de anos de espera e sonh0s abrem-se pela praia escura quando seguimos atras do guia em busca de tartarugas. Quatro das especies de tartarugas-marinhas que nadam pelas Caraibas desovam nesta praia e o governo da Costa Rica decretou a zona como Parque Nacional, protegendo assim a manutencao de um ciclo que dura ha milhares de anos, visto que as tartarugas poem, todos os anos, os seus ovos na mesma praia onde nasceram.

Procuramos pela praia, escura como a noite de estrelas baças, ate uma enorme tartaruga verde aparecer a nossa frente, no exacto momento em que silenciosamente deposita, com esforço, pequenos ovos brancos num buraco na praia. Um a um, o enorme animal, num transe natural alheio a nossa cuidadosa e pouco numerosa presenca, descarrega as dezenas de ovos que carregara consigo desde o mar, pela praia fora, ate este local onde decidira dotar as suas futuras crias de uma oportunidade na terra. Nao sabe a tartaruga, provavelmente, mas sei eu, que apenas duas ou tres destas cem pequenas bolas de pingue-pongue virao algum dia a ser felizes tartarugas no grande oceano. Todas as outras morrerao entre o momento de sair da casca e chegar ao mar, devoradas por uma aguia, por um jaguar, ou pelas dezenas de patas do resto da ninhada que simultaneamente espezinhará em direccao a superficie.

E comovedor observar aquela enorme tartaruga, no carinho maternal do processo de colocar os ovos. Sinto uma enorme emocao ao ver aquela mae tapar, esgravatada e desajeitadamente, o fruto do seu esforco e da sua reproducao. Imagino o tempo e o empenho que lhe terao custado abrir aquele enorme buraco na areia e a angustia que talvez sinta ao conhecer os perigos que correm as suas crias de ora em diante. Saber que a maioria sera comida ou caçada e comparar essa dura realidade com o esforço daquela mae centenaria e verdadeiramente doloroso, apesar da maravilhosa experiencia que e testemunhar ao vivo, ali mesmo, um processo natural que se repete do mesmo lugar ha anos e anos.

Elas, as pobres maes, nada mais podem fazer senao tapar o seu buraco o melhor que conseguem com as suas desajeitadas patas e regressar vagarosas e exaustas ao mar, de missao cumprida e ansiando que as suas crias possam sobreviver, agora que elas, impotentes, nada mais podem fazer por elas e pela sua proteccao contra o implacavel ciclo da vida.

Seguimos duas tartarugas regressar demoradamente ao mar e desaparecer entre as ondas em direccao ao enorme oceano, recordando-nos que a nossa pequena intromissao nas suas vidas está limitada aquela branca espuma, primeira barreira do enorme oceano, que permanece um gigante indomavel para o Homem, territorio de outras especies e outros misterios.

2 comments:

Amarcord said...

Já te estou a ver, tal qual Soares, a cavalo duma

MC said...

O meu interesse pelos animais aumentou a medida que os fui vendo no habitat natural. E outra coisa! Estou com vontade de mais e tenho pensado num safari, um dia, na Tanzania.
Apanhaste uma boa epoca do ano para observar as tartarugas. Que sorte! Ou entao nao, e que bem planeado!
abraco e boa viagem