Friday, January 19, 2007

Babel

Um executivo japonês, que marcou uma caçada em Marrocos, atrasa-se um dia na partida de Tóquio. A agência mete-o noutro grupo. O guia do novo grupo não é Hassan. O executivo, que nunca o conhece porque o vôo se atrasou, não lhe dá uma espingarda. E Hassan, que nunca teve a espingarda, não a vende ao vizinho, que não a dá aos filhos para que a levem para o campo e matem os chacais que matam as cabras que pastoreiam. Os filhos não disparam a espingarda que não têm contra um autocarro de turistas, e Susan não é ferida no seu assento à janela. Rachel poderá tomar conta dos filhos de Susan tal como esperado e não terá de se mover nos corredores do poder americano para ajudar a amiga Susan, que não estará em apuros em Marrocos. A empregada mexicana poderá ir sozinha ao casamento do filho, e manterá a sua vida americana, igual ao que foi durante 16 anos. Abdul e a sua família continuarão na sua rotina diária, o seu filho mais velho não morrerá às mãos da polícia, e o mais novo não será condenado a prisão e continuará no seu caminho adolescente até à maturidade. Um polícia japonês jamais compreenderá o coração de uma adolescente surda-muda. Na cordilheira do Atlas o dia de amanhã será igual ao de ontem, a família de Rachel seguirá a sua pacata existência de subúrbio em San Diego, com os seus dramas conjugais e empregada mexicana, e o polícia japonês continuará a olhar a mulher como sempre olhou.

Quantos motivos poderiam ter levado o vôo do executivo japonês a atrasar-se. Quantos outras razões poderiam haver, para ele nunca ter conhecido Hassan, para nunca lhe ter dado uma espingarda, sequer para ele nunca ter ido a Marrocos. Quantos infinitos conjuntos de causas com efeito se juntam num dado momento, para que tudo se passe de uma forma, e não de outra.

Quanta responsabilidade, em cada pequeno acto.

17 comments:

AHT said...

E, já agora, para quem viu o filme, digam-me qual é para vocês o significado do título?

Amarcord said...

A torre de Babel é um episódio bíblico. Depois do dilúvio os descendentes do Noé começaram a construir uma torre enorme até chegar ao céu. Deus não achou graça a tanta prepotência e, para travar a construção, decidiu pôr toda a gente a falar línguas diferentes. Pelo que li, isto explica a origem dos idiomas na Humanidade e o que daí derivou.

Para mim, explica também que os efeitos do tiro façam ricochete em 3 continentes diferentes, entre famílias que não se conhecem nem conhecerão. Uma pena. Pena porque Susan nunca saberá que o caçador japonês que ofereceu a espingarda que hipotecou o seu braço, o fez sem a menor consciência do risco de presentear um ignorante com uma arma de fogo, nem ele se poderá justificar, nem Amélia poderá deixar de amaldiçoá-lo pelo facto de Rachel ter passado o dia em negociações bilaterais, em vez de ter sido babysitter por uma noite.
Todos se odeiam sem ter a noção de que nenhum é verdadeiramente responsável.
Ironias da vida num mundo assustadoramente global onde a convergência que podia ser tão fácil é, pelo contrário, utópica.

De qualquer maneira, verdadeiramente irrepreensível e imaculada só a família americana que tenta ultrapassar a morte de um filho recém-nascido, a única que é vítima de todos, Japoneses, Marroquinos e Mexicanos. Apesar de tudo ainda mostraram ser uns gringos com um coração enorme ao retirar a queixa contra a pobre Amélia (o que não a impediu de ser deportada na mesma).
Ainda bem que o filme acaba bem, para eles e mais ninguém. Sobretudo para o irmão do Youssef, outra vítima de balas perdidas, que, por pouco, morreu sem nunca ter visto um helicóptero.

El-Gee said...

"Babel" é uma das formas de escrever "Babilónia".

Tanto quanto me tenho vindo a aperceber em conversas ao longo destes últimos anos, "Babilónia" é, para além de uma cidada da Antiguidade, a forma como alguns grupos dos meios ultra-esquerdistas ou revolucionários se referem à sociedade de consumo desregrada que domina o Mundo Ocidental, a sociedade onde os valores vão perdendo o significado, a sociedade apressada, cega, desumana e capitalista.

Penso que o título poderá ser uma referência a esse significado de Babilónia, demonstrando que essa Babilónia está intimamente interligada com todos os outros locais da Terra, influenciando-os mutuamente e, eventualmente, sofrendo com as suas próprias acções (os habitantes da Babilónia americana levam com as consequências do habitante da Babilónia japonesa).

A desregrada globalização, onde um caçador japonês pode ir caçar para o outro lado do Mundo e, nas suas trocas pessoais, influenciar a vida dos que lá estão, danificando inclusivamente a sua inocência (representada pela ingenuidade com que os marroquinos pegam na arma que os há de desgraçar), é uma forma de exportar a Babilónia em que vivemos.

Penso, portanto, e ao contrário de algumas teses que tenho lido sobre este filme, que o título nos remete indelevelmente para uma reflexão sobre a globalização, especialmente se tivermos em conta outras temáticas abordadas no filme, como a imigração, a política internacional, o turismo de massas, ou, quanto mais não seja, o dia-a-dia de várias pessoas da mesma idade, em várias partes do Mundo.

Isto não invalida, porém, que, para mim, este filme seja sobre as consequências infinitas dos pequenos actos. Simplesmente, quando associado este conceito à globalização desregrada, temos uma reflexão profunda sobre as interacções entre os humanos em todo o Mundo, tão diferentes entre si mas tão interligados pelas suas acções.

AHT said...

Optimo post Sofia.

Quando perguntei o significado do título queria na verdade que falassem do filme.
Acho os temas que aborda interessantes e tem pano para mangas para ser debatido neste Blog.
Saí da sala de cinema a pensar no filme e depois pensei no porquê do titulo.

Para mim Babel esta obviamente relacionado com o episódio biblico que disseste no primeiro paragrafo.
Mas acho que está mais relacionado com o facto de no filme cada uma das 3 histórias envolver mais do que uma lingua.
(Inglês com o marroquino; Espahol com Inglês; Japonês Falado com Gestual)

PS - descupem a falta qualidade do comment mas nao tenho muito tempo para escrever.

PS2 - Venho cá de 10 em 10 minutos para ver se há alguma novidade

El-Gee said...

Essa questão que levantas é muito pertinente André. Não tinha pensado nisso. Penso que reforça um pouco o meu ponto, e também o da Sofia.

O que retiro da visão da Sofia, quando diz que o título se referiá provavelmente à Torre de Babel, é que este filme é crítico perante a ambição desmedida dos homens de galgar cada vez mais fronteiras e conquistar cada vez mais emoções. Nesse sentido, estamos a construir todos uma torre de Babel do Prazer, nestes dias de hoje, e o filme alerta-nos para isso.

Aliás, a utilização do termo "Babilónia" tal como eu a expliquei é, ela mesma, uma derivação do mito da torre de Babel ou, senão da torre, pelo menos da sociedade desregrada da antiga Babilónia.

Seja como for, gostava de acrescentar que este filme é também mágico pelos retratos do dia-a-dia que faz que revela, a meu ver, longas e profundas viagens pessoais de elementos da equipa de produção e realização.

Cada cena é um retrato vivo e comoventemente bem produzido do dia-a-dia dos sítios que evoca.

AHT said...

Acima de tudo é um tema pouco abordado no cinema.
A coragem do realizador e a mestria do argumentista são de louvar num filme que à partida não iria ser nenhum sucesso.

Valeu o mega orçamento que permitiu pagar a estrelas que ajudaram a promover o filme.

filipe canas said...

Há um filme com a Gwyneth Paltrow que é mais ou menos a mesma coisa.

São duas histórias, uma se ela apanhasse o metro e a outra se ela não apanhasse o metro.

Acho que se chama qualquer coisa como Between Sliding Doors.

Também é sobre as grandes consequências dos pequenos actos.

Maria Strüder said...

Não acredito no destino, não acredito na veracidade de ações premeditadas.
Toda a gente na vida já pensou em segundos caminhos, "se eu tivesse feito..." mas isso é doentio a meu ver.
O que é, é!

El-Gee said...

claro maria, o que é, é, mas o que é implica muitos "o que é's" na vida dos outros e isso é que é assustador.

Nada do que façamos é irrelevante, porque pode levar a tantos destinos diferentes na nossa vida e na dos outros.

Paralelamente, isto aplica-se a toda a gente, e portanto nada do que façamos é relevante, porque é só uma migalha no conjunto global de influências mútuas.

Maria Strüder said...

Se eu me controlasse e fosse premeditada não seria eu, por vezes arrependo-me sendo eu uma jovem mulher com grande queda para a infantilidade, mas acredita que gosto de ser como sou.
As tantas seria mais feliz sendo falsa, ou seria bem vista.

El-Gee said...

A falsidade, concordo, é uma forma para a auto-promoção.

Razão pela qual eu prefiro ser natural.

rosé mari said...

butterfly effect..

Amarcord said...

Bibo no Aozora/Endless Flight - Gustavo Santaolalla

ouve sff.

El-Gee said...

por acaso ja tenho a soundtrack e ouço essa música no repeat. mas obg na mesma! bj*

iMOk said...

I watched Babel on the 27th of Jan.
A lot of people believe it was about how one bullet can ricochet around the world But as the title suggests it had also drawn parallels with the Story of the Tower of Babel and how the gods cursed man not allowing them to understand each other. That is speaking in tongues.
A deaf mute girl in Japan
An American in Morocco
I'm not sure if you noticed this side of the movie. The translation of your portuguese into english was pretty bad.

Jassi/Artic/iMOK

Amarcord said...

http://dn.sapo.pt/2007/05/26/opiniao/babel_e_pentecostes_a_favor_um_mundo.html

Catarina said...

Podem me ajuda.
Identifica os núcleos e o local em que ocorrem o filme "Babel" ?
Explica de que forma é que estas temáticas são abordadas.
Explica e dá exemplos de outras temáticas abordadas no filme.
Podem me ajudar.