Scolari,
Antes que voltes a ser campeão do Mundo (embora eu ache que não vais ser) e o país inteiro te aplauda pelo grande homem que és, deixa-me que te diga – talvez já tardiamente – que desde o primeiro dia que puseste o pé em Portugal apoiei incondicionalmente a tua permanência no cargo de seleccionador nacional.
Quando torceram o nariz por seres brasileiro, defendi o campeão do Mundo que eras e como isso era um privilégio para Portugal.
Quando disseste, na primeira entrevista, “aqui as coisas são à minha maneira. Quem quiser, fica. Quem não quiser, sai.” e muitos portugueses se irritaram com a tua arrogância e com a prepotência com que parecias estar disposto a abdicar de alguns craques mal-educados em prol do que (sabia-o já eu na altura) viria a ser um grupo coeso, citei-te em todas as conversas como um exemplo de treinador.
Quando perdeste e empataste jogos particulares antes do Euro e a imprensa pôs em questão a tua qualidade, lembrei que um grupo não se constrói em dois dias e que um treinador campeão do Mundo merece o benefício de qualquer dúvida, especialmente quando teve de transformar um circo de malabaristas (com muito jeito) numa equipa de futebol.
Quando deixaste o melhor guarda-redes português que já vi a jogar de fora dos convocados, aceitei incondicionalmente a tua decisão soberana de quem conhece os jogadores e as suas personalidades. Sabia (e sei) que o cargo que ocupas é de uma tão grande responsabilidade que, se te expunhas de forma tão dura à opinião pública, era porque tinhas (e deves continuar a ter) uma razão válida para o fazer.
Compreendi, e tentei fazer os outros compreender, que a melhor equipa pode não ser a equipa com os melhores jogadores.
Quando, de longe, vi como perdeste com a Grécia, aplaudi-te com a certeza de que aquele era um erro de percurso, porque sabia que tinhas um esqueleto montado e que mesmo as melhores máquinas têm problemas a aquecer o motor.
Quando, também de longe, vi o Europeu único que a nossa equipa fez, foi a ti que atribuí os louros de transformares uma geração brilhante mas perdedora numa geração brilhante e vencedora, muitas vezes contra a opinião de milhões.
Quando “perdeste a final”, congratulei-te por teres passados os grupos, ganho os quartos e ganho as meias, algo que eu nunca tinha visto nem sonhado ver Portugal fazer, se me tivessem perguntado uns anos antes.
Quando, depois, estava indecisa a tua permanência, torci para que ficasses. Acredito em projectos, e no futebol os projectos não são de curto-prazo.
Quando empataste no Lichtenstein e se começaram a esquecer do Europeu, a mim só me vinha aos olhos a tua imagem a correr com a bandeira portuguesa numa mão e a brasileira na outra.
Quando demos 7-0 à Rússia, não precisei de dizer nada. Parecia que afinal já gostavam de ti.
Quando, já brilhantemente qualificados para o Mundial, ouvi na imprensa que contigo não tínhamos hipóteses de ir longe, torci para que não desses ouvidos a esta opinião pública incompetente, totalmente desmerecedora (sempre o disse) de um treinador como tu. Perguntava-me, e ainda pergunto, como podes tu ser treinador deste país de ingratos.
Quando dirigentes do Norte e do Sul te atacaram pelas tuas escolhas, ri-me do seu ridículo.
Quando não lhes respondeste, ri-me da tua intransponibilidade.
Quando a Inglaterra te quis ir buscar, esperei que não fizesses o melhor para ti, que seria sair de Portugal – felizmente, os ingleses também não compreenderam o que tu vales.
Quando deixaste o Quaresma de fora dos convocados, entristeci-me por não o poder ver jogar no Mundial mas apoiei e compreendi a tua opção pelo grupo e – em vão – tentei explicar às pessoas que, para além do Simão, do Cristiano e do Figo, o próprio Miguel podia fazer de extremo e que o Quaresma seria um quinto e desnecessário jogador para essa posição. No entanto, continuo a achar que ele é um grande jogador.
Quando convocaste o Costinha e o Maniche e a imprensa te caíu em cima, expliquei a quem quis ouvir que a força de um grupo não se mede pelos jogos de uma época.
Quando ganhaste contra Angola, nem reparei que o jogo tivesse sido mau.
Quando o Costinha e o Figo – que, sei-o, não foi fácil de domar – te vieram louvar publicamente, recostei-me na cadeira – finalmente, depois de tantos anos! – e descansei sobre a certeza de que, agora, é impossível atacar o trabalho que fizeste ao longo destes anos.
Passaram 8 dias, fizeste jogar 19 dos 20 jogadores de campo em 3 jogos, ganhaste ao Irão e ao México e qualificaste a nossa selecção para os oitavos-de-final de um Mundial.
O povo português esquece rápido – tão rápido, que não deve saber que desde há 40 anos que isto não acontecia.
Mas eu estou cá para te aplaudir, quer sejas eliminado pela Holanda quer sejas campeão do Mundo.
Porque a tua maior obra e a tua maior herança não são taças – mesmo que as ganhemos – mas as memórias que sempre me acompanharão, de ver a selecção portuguesa jogar como a brasileira: magia nos pés e sorriso na cara.
Thursday, June 22, 2006
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2 comments:
... e Amor no Coração :)
APLAUSOS!
É o Tomaz Morais do futebol em termos de coesão e motivação que dá aos jogadores (e ao público em geral). Como treinador: deixa muito a desejar.
(diga o que disser: sou canarinha. já é meu seleccinador pela segunda vez)
rita
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