Wednesday, June 28, 2006

Mitos de infância


Romário, Bergkamp, Stoitchkov, Baggio, Maldini, Hagi...porque é que a minha geração dos 20 e poucos anos responde nomes da década de 90 quando questionada sobre os melhores jogadores que jamais viu jogar? É raro ser mencionado um jogador mais recente à excepção de Zidane ou Figo e, por vezes, o próprio Ronaldinho ou “a época de Ronaldo no Barcelona”.

Raramente se vê um jogador da década de 2000 na galeria de heróis das pessoas da minha idade, e desde Shevchenko e Henry a Totti e Káká, há inúmeros jogadores que, na pureza da razão, estariam ao mesmo patamar dos nossos heróis de 94.

E aí está a chave. A minha geração foi altamente influenciada pelo Mundial de 94.

Tínhamos 10,11,12,13 anos. Jogávamos à bola em qualquer metro quadrado. Era a altura em que se impressionava as miúdas com os golos, em que se vibrava com os cromos da Panini e em que finalmente começávamos a perceber que existia uma fenómeno chamado imprensa desportiva que elevava o nosso pequeno prazer, que era o futebol, para um patamar de alta importância.

Era, ainda, a altura em que tudo era verdade, em que nos explicavam as funções da matemática e as maravilhas da literatura. Aprender, absorver e jogar futebol era o mais importante.

E chega o Mundial.

Éramos crianças impressionáveis e a descobrir as verdades da vida e, quando ligávamos a televisão, víamos um pequenote de 1.65 marcar de cabeça à Suécia, um búlgaro espetar um livre de 30 metros à Alemanha (na altura, o maior colosso da bola) e um budista (como isso parecia exótico a um rapazinho português de 11 anos!) de rabo de cavalo a levar uma selecção inteira às costas até ser levado ao poste na final.

Ficámos malucos.

Naquele Mundial, conjugou-se uma geração mítica de grandes jogadores com o final da infância da minha geração. Não havia nada mais importante do que aquilo e, para cúmulo, os jogadores que nos impressionavam não o faziam apenas pela nossa ingenuidade mas também porque eram realmente bons.

Hoje, estamos a ficar adultos e olhamos o futebol – se bem que com um entusiasmo cada vez mais infantil – com os olhos críticos da maturidade e da sociedade da informação. Sabemos quem são os jogadores, qual a sua personalidade, as suas motivações, o seu passado, as suas famílias, as suas opiniões e as marcas que lhes pagam a imagem.

Com esta idade e este acesso à informação (até involuntária), os jogadores não são apenas jogadores, são figuras, de quem gostamos ou desgostamos também pelo que são e não apenas pelo que jogam. E, mais, somos adultos, conseguimos comparar-nos e, assim, criticá-los.

Com 11 anos nem queríamos saber! Só contava aquela magia e o Rose Bowl cheio de 120.000 americanos.

E por isso, mesmo que sejam mitos no campo, nunca poderemos venerar Henry como vibrávamos com Romário nem temer o Shevchenko como respeitávamos o Stoitchkov.

Não dá. Já não somos ingénuos, já não vivemos para a bola, já não nos deixamos encantar com aquela ingenuidade despreocupada própria da infância.

Já não queremos ser como eles. Já não podemos ser como eles.

É verdade que, mesmo na nossa idade já adulta, aparece um visionário chamado Zidane que fura tudo o que for preciso porque joga como nunca vimos ninguém jogar.

Mas aquela pureza com que vimos o Mundial de 94 não se apaga e, para nós, dificilmente Baggio e Romário serão esquecidos aos pés de qualquer Zidane ou Ronaldinho.

A fase do espanto já passou e tivemos a sorte de se ter cruzado com esse verão de 1994.

3 comments:

m said...

Temos a felicidade de ainda termos recebido um pouco mais da "pureza" da vida, ao contrário das crianças e adolescentes de hojes em dia, que não percebem nem nunca vão perceber certas coisas.

Há gente da minha idade que ainda recebeu menos que eu, mas eu fui previligiada e ainda pertenci ao grupo das que brincou até tarde, das que com um ou dois objectos criava um divertimento qualquer espontâneo, das que mexeu na terra com as mãos e das que fez muitos jogos e desporto.

Quanto ao futebol, percebo-te perfeitamente, ainda que seja rapariga e tenha ligado mais a uma barbie do que a uma bola - se bem que adorava brincadeiras de rapaz, mas eram mais carros do que bolas a rodar no chão :P

Lorena said...

Esta tua frase resume tudo: "Já não queremos ser como eles. Já não podemos ser como eles" BRILHANTE

nobre said...

Temos a felicidade de ainda termos recebido um pouco mais da "pureza" da vida, ao contrário das crianças e adolescentes de hojes em dia, que não percebem nem nunca vão perceber certas coisas.

'Há gente da minha idade que ainda recebeu menos que eu, mas eu fui previligiada e ainda pertenci ao grupo das que brincou até tarde, das que com um ou dois objectos criava um divertimento qualquer espontâneo, das que mexeu na terra com as mãos e das que fez muitos jogos e desporto.'

tenho a sorte de não pertencer a essa geração (de todo) e poder dizer o mesmo! Um bem haja à minha infância!