Thursday, June 29, 2006

A ironia de Alkatiri

imagem: Yahoo!



Numa entrevista recente à Visão (29/06/2006) em que o questionavam sobre as exigências da população de dissolução do Parlamento timorense, agora que o Primeiro-Ministro (ele próprio) se demitira, Mara Alkatiri responde:

"Vão exigir sempre mais. Só espero que não exijam a dissolução do próprio Estado."

É, obviamente, um recurso à ironia. Mas, neste caso em concreto, será a dissolução do Estado algo tão distante? Haverá assim tanto para dissolver?

Esta recente onda de indecisões em Timor leva-me a pensar rousseaunisticamente sobre a essência humana. Como pode uma nação que lutou unida contra um ocupante externo estar agora em ruptura interna? Onde está aquela fraternidade timorense que parecia transparecer naquele dia de 2002 em que a nação se tornou país?

Passada menos de meia década, o jovem Estado corrói-se velozmente, mutilado pelos males que grassam em democracias bem mais adultas: corrupção, conflitos étnicos, nepotismo, ambição política, vingança, desconfiança.

E o Primeiro-Ministro demissionário – cujas responsabilidades nisto tudo não deverão ser nulas – vai avisando, com uma ironia realista, que se calhar é o próprio Estado, a própria bandeira erguida em 2002, que está em causa.

Alkatiri admite a não-sobrevivência do Estado de Timor.

É, pois, dramática a lição que se tira das notícias que diariamente nos chegam do outro lado do Mundo: Timor-Leste não foi capaz de resistir às suas próprias clivagens e isso pode levar à sua destruição.

A materializar-se a ironia de Alkatiri, Timor-Leste seria um caso extraordinário de auto-destruição de um Estado – sem intervenção externa, o Estado rui defronte das divergências internas.

A possibilidade de Poder é demasiado atractiva para a maioria se contentar sem ele.

Quando eram uma nação ocupada, os timorenses ambicionavam a liberdade. Agora que são um país livre, que podem eles ambicionar? Bem-estar. E, sem ele, vem a revolta; e após a revolta, a incerteza.

O fim do Estado? E depois? Quem tomará conta de Timor, se nem os timorenses o sabem fazer?

Estará a resposta nos poços de petróleo ao largo da ilha?

Vivemos num frenzy democrático tal, que somos levados a crer que hoje em dia a democracia e – geralmente condição essencial à mesma – a liberdade, são suficientes para contentar as existências Humanas.

Na minha opinião, o valor mais elevado é outro: o bem-estar económico; e isso vê-se avaliando, ainda que brevemente, os conflitos recentes.

Iraque, Kosovo, Afeganistão, Índia-Paquistão, Serra Leoa, Sudão, Chechénia..o recurso às armas (fruto da insatisfação) surge em zonas pobres ou – pior – em zonas potencialmente ricas, geralmente em recursos naturais, em que poucos se apoderam dos muitos recursos existentes.

Em suma, a guerra é um problema de ambição.

O fim do Estado – o fim de Timor – é uma possibilidade porque Timor tem petróleo e, como frisa Alkatiri na mesma entrevista, “onde há petróleo geralmente há problemas”.

Aliás, não é a existência de petróleo nas ricas águas de Timor uma motivação extra para o desleixo das potências internacionais, que têm mais a ganhar com um Timor desgovernado do que com um governo timorense forte, que impeça a exploração das suas águas em condições económicas que beneficiem as multinacionais?

Fosse Timor um país pobre em recursos e, quem sabe, nasceria uma economia primária – que é, sempre, o primeiro passo – sólida e com potencial de crescimento.

Assim, com ouro negro nas águas, o povo não se entende, os governantes não se demitem e os observadores não se interessam, porque o dinheiro cheira bem demais, para que a solidariedade seja tida em conta.

Hoje em dia é um tabu pôr em causa o valor da liberdade. Mas, se nos perguntarmos friamente, não chegaremos à conclusão de que liberdade acelerada pode ser prejudicial a um desenvolvimento económico sustentável?

Aliás, é comum às populações de antigas ditaduras (Somália, Afeganistão, Chile pós-Pinochet, …) – sanguinárias ou brandas – o desabafo: “Na altura da ditadura pelo menos havia escolas e comida para todos…”.

Será que a liberdade é um valor demasiado caro para quem tem fome?

Timor tem fome.

Quem vai ocupar o palácio?

(também no EuEuropeu)

1 comment:

m said...

quando a par da "fome" hà ignorância e desespero, decerto que sim.