Wednesday, August 06, 2008

Ruanda, ainda, finalmente


http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1337822&idCanal=11

(Em mais detalhe: http://www.lemonde.fr/afrique/article/2008/08/06/le-rwanda-publie-son-requisitoire-contre-la-france_1080678_3212.html ) 

Isto e uma noticia importantissima, a todos os niveis.

Para comecar pelo ponto menos relevante de toda esta importancia, é uma noticia sobre Africa, e nos nos paises desenvolvidos (?) nao temos muitas noticias sobre Africa nos meios de comunicacao mainstream.

Em segundo lugar, é uma noticia importante porque diz, preto no branco (salvo seja), uma verdade que nos custa admitir: a Franca teve responsabilidades determinantes no sucesso do genocidio no Ruanda. Nao na sua planificacao (pelo menos isso nao esta provado), mas na salvaguarda da sua execucao e na proteccao explicita do regime que organizou o genocidio e das milicias que o perpetraram. A accao das tropas francesas durante a Operacao Turquoise foi uma componente essencial e pre-meditada da logistica do genocidio. Poderia escrever muitas paginas sobre isto, mas quem quiser pode fazer o que eu fiz, que é ir a uma livraria e comprar livros sobre o tema. Sugiro o do Gen. Romeo Dallaire e o do Phillip Gourevitch, duas pessoas com uma credibilidade bem menos suspeita do que o defunto Miterrand.

Em terceiro lugar, é importante porque ha um pais africano que apresenta um relatorio credivel e inquisidor a uma potencia mundial. A Franca e membro do G8 e do Conselho de Seguranca da ONU. O Ruanda é uma economia de subsitencia sem acesso ao mar no meio de Africa. Quando o governo do Ruanda (encabecado por um dos lideres rebeldes contra a maquina do genocidio) vem apresentar ao Mundo uma tese acusatoria contra o antigo governo Frances, ha algo na ordem natural das coisas que é abalado. Isto é um desafio diplomatico monumental e arriscado e Paul Kagame, que é um habil rato politico, nunca o assumiria sem a consciencia tranquila dos que defendem causas verdadeiras. A opiniao publica gosta de falar do Paul Kagame suspeito de ordenar o atentado do presidente Habyarimana, e gosta de dizer que isso despoletou o genocidio, mas nao compreende que Paul Kagame nao so é a figura absolutamente central do fim do genocidio como tambem na reconstrucao social do Ruanda pos-genocidio, e um dos maiores promotores de uma Africa independente e orgulhosamente auto-responsavel. (Muito menos compreende que o genocidio ja tinha comecado muito antes do assassinato do presidente Habyarimana, que, alias, era um dos seus defensores.)

Em quarto lugar, isto e uma noticia importante porque esta na hora da opiniao publica ocidental comecar a pressionar seriamente a sua classe politica e tentar compreender, de facto, a verdade por detras dos jogos geopoliticos dos seus governos. Esta na hora de perguntarmos aos nossos governos quanto do nosso bem estar e estabilidade politica é conseguido a custa de paises longinquos, de seres humanos que nao se podem defender das grandes potencias.

E, mais importante do que isso, esta na hora de nos, os cidadados, todos os cidadaos, perguntarmos a nos proprios se, confrontados com uma eventual verdade crua de intervencionismo frio e sanguinario em paises sub-desenvolvidos (que ate agora, nunca ninguem admitiu, apesar das absolutas javardices cometidas pela CIA, por exemplo), estamos confortaveis com isso. O mais importante nao é saber se a Franca suportou o genocidio, o mais importante é saber se intervencoes como esta da Franca sao ou nao toleraveis pelos franceses, em nome do seu bem-estar.

É como a guerra no Iraque: o que esta em causa nao é se a guerra foi motivada para assegurar petroleo aos EUA, para estarem salvaguardados em tempos de escassez. O que esta em causa nao é se o povo americano, agora que os soldados morrem que nem tordos, se posiciona contra a guerra. O que está em causa é se esse povo americano continuaria a desaprovar a guerra, se a alternativa fosse uma industria estagnada e os carros parados.

Por todas estas razoes, esta noticia é importantissima. Mas as vezes, se calhar, eu penso demais nas coisas; diz quem sabe que o melhor é ignorar isto tudo e seguir com a vida, antes que a consciencia pese demasiado.

Tarde demais, para mim. O peso de viver um bem-estar a conta de milhoes de outros comeca a ser insuportavel.

1 comment:

Raquel said...

Excelente post, Luís. Obrigada por nos manteres alerta.