Friday, September 28, 2007

White is the new stripe

Branco dá bem com tudo.

Só vou levar camisas brancas para Londres. E fatos escuros e simples.

Posso usar gravatas cor-de-laranja sem me preocupar com a camisa ser azul. E às riscas, lisas, aos quadrados ou com bolas.

Todos os dias, branco em baixo e o que me apetecer por cima.

O branco nunca mancha nada nem ninguém. Só quem tá transparente na ressaca de um inverno chuvoso e se veste como o Billy Corgan.

Sobre o branco, continua a vida.

Agora, tudo são manchas e nenhuma destoa.

Só o branco é que não dá bem com branco: é tinta de anjo e alguns mortais nunca a chegam a conseguir ler.

Também gosto disto..

Isto não está nada dentro do meu género de preferências, mas
pormenores como este...

Pode ser que o passado fique por onde deve estar:
No pretérito imperfeito, já que não é mais-que-perfeito,
Este é um presente que eu aceito

...ou este...

Ocasionalmente cozinho e bebo o meu vinho
E esqueço o fumo que nos dava aquele quentinho
Hoje em dia é mais à base do ar condicionado
Condicionei a tentação num clima controlado

...fazem-me achar que isto...



...acompanhado disto...

Ligo directo para a caixa de correio só para ouvir a
tua
voz,
Sei que é cena fora mas todo o dia chega a hora
em que
o lado esquerdo chora quando se lembra de nós
A vida corre tranquila, cada vez menos reguila
meto guita de parte e a cabeça não vacila tanto
Para minha alegria e meu espanto
Pode ser que o passado fique por onde deve estar:
No pretérito imperfeito, já que não é mais-que-
perfeito,
Este é um presente que eu aceito
Para atingir a tranquilidade
Que supostamente se atinge com a nossa idade
A verdade é que a saudade do que passou
Não é mais que muita...
Mas por muita força que faça ela passa por saber que
te vivi...
Tu deste tudo e eu joguei, arrisquei e perdi
Agora,

Muda de número, eu mudei o meu,
Muda de número, eu mudei o meu,
Muda de número, eu mudei o meu,
Muda de Mundo que eu mudei o meu.

Cada vez que eu ligo tento deixar mensagem
mas acabo por nunca arranjar a coragem
Necessária
Gostava apenas de partilhar contigo o quotidiano
habitual
Nada que se compare com as correrias
doutras alturas e doutros abismos
E já que falo por eufemismos
Gostava de dizer que ainda gosto bastante de ti...
A casa tá diferente, parece digna de gente
Dá gosto sentar no sofá com a tv pela frente
Comprei uma máquina de café
Xpto, bem bonita, azul bebé
Ocasionalmente cozinho e bebo o meu vinho
E esqueço o fumo que nos dava aquele quentinho
Hoje em dia é mais à base do ar condicionado
Condicionei a tentação num clima controlado
Quero que saibas que tou bem, sei que tu mais ou
menos
Sempre gostaste de brincar em perigosos terrenos
Em relação a isso eu não sei o que fazer
E se calhar é por isso mesmo que acabo por não dizer
que
a verdade é que a saudade do que passou
Não é mais que muita...
Mas por muita força que faça ela passa por saber que
te vivi...
Tu deste tudo e eu joguei, arrisquei e perdi
Agora,

Muda de número, eu mudei o meu,
Muda de número, eu mudei o meu,
Muda de número, eu mudei o meu,
Muda de Mundo que eu mudei o meu.

...é uma óptima companhia para os fins de tarde com trânsito
quando já estou farto dos CD's que andam pelo carro...

...(daqui a uns meses provavelmente vou estar farto da música,
mas com certeza vou continuar a apreciar a letra)...

Thursday, September 27, 2007

Ratatat


Já dei a dica há umas semanas num dos textos daqui, mas não resisti ao enorme apelo da responsabilidade social e, se posso fazer uma mão-cheia de leitores ligeiramente mais felizes, porque não lembrar que o cd "Classics" dos Ratatat é a melhor música que Deus, o Destino e o meu amigo Pedro Alves puseram no meu caminho, este ano?



A partir de agora lavo daqui as minhas mãos, exceptuando as boleias que der no meu carro e o vício que o novo dono do meu iPod roubado na Nicarágua já deve também ter apanhado.

"Com todo o respeito.."

Eu não vejo utilidade nenhuma do Santa Lopes para o país e ainda por cima acho que ele é um excelente político, ou seja, que devia estar o mais longe possível de cargos políticos de responsabilidade.

Acho-o pedante, amante da ribalta, demagogo, retórico, oportunista e sedento de poder, se bem que obviamente inteligente e desembaraçado.

Basicamente, expresso a minha antipatia política por Santana Lopes (e por todos os outros políticos de carreira) antes de lhe dar os parabéns por esta louvável atitude e dignidade.

É verdade que este homem tem direito ao maior rácio "importância sobre tempo de antena" de toda a vida política portuguesa (excepção feita ao Pacheco Pereira, mas esse pelo menos acrescenta valor ao debate), é verdade que gosta do conflito, que gosta de se vitimizar, que gosta de ser o herói do dia, que gosta da ribalta, que deve estar todo contente por andar a ser clickado no Youtube e que, por certo, está deliciado com toda esta "solidariedade" pública à sua volta, nomeadamente até de uma parte da classe jornalística portuguesa.´

É verdade, portanto, que uma parte do seu comportamento na tal entrevista pode ser visto como populista e oportunista.

É verdade, até, que ele não precisava de ter esperado que a câmara o voltasse a filmar para anunciar que iria abandonar a entrevista - muito mais digno seria despedir-se da jornalista off-the-record e já nem estar sentado no estúdio quando o directo do Aeroporto tivesse terminado.

No entanto, para o que ele fez é necessário um tremendo sangue-frio e uma enorme dose de confiança, porque assumiu - muito à não-portuguesa - uma postura firme e inabalável e ainda para mais abriu uma má relação com um muito poderoso órgão de comunicação à massa eleitoral portuguesa.

Eu gosto de acreditar que, por uma vez na sua vida política pública, o Santana Lopes pensou como Homem e não como Político. E nem me importo que ele tire dividendos políticos disso, pré-meditados ou não. (Eu, em todo o caso, antes voto em branco do que nele.)

Faz falta em Portugal que se assumam posições em público, que se defendam valores e que se proteja a dignidade própria, especialmente em personalidades políticas. Faz falta que alguém se levante e diga "prefiro não falar, do que falar em condições terceiro-mundistas". Faz falta alguém que diga, mesmo que não seja, "Desculpe, mas eu sou bom demais para isto. Vai ter de encontrar alguém pior que eu para vir aturar isto, ou então peça-me desculpa."

Faz falta auto-confiança. (Há quem lhe chame arrogância.)

Faz falta o Mourinho.

Alias, já que estamos com a mão na massa: interessa-me muito mais a chegada do Mourinho do que a luta de poder no PSD.

Sunday, September 23, 2007

Oficialmente, EM C-A-S-A

E lá estivemos outra vez, com uma auto-suficiência assustadora.

Wednesday, September 19, 2007

Que eu saiba...

O autor deste simpático blog, afirma, a 14/9/07, que não "jura a pés juntos" que não é gay e afirma "que eu saiba, não sou".

Como se trata de um jornalista minimamente exposto à opinião pública, comentei para o lado, para um grupo de amigos que se babava, totalmente heterossexual, com as formas da minha noiva Scarlett Johannson,

- Eh pá já viram o Pedro Mexia aqui a dizer que é paneleiro?

"Quem é o Pedro Mexia foda-se?", perguntaram três matulões sem tirar os olhos da televisão.

Mas um deles, que conhece o blog, a figura, e o próprio texto que eu estava a citar, ergueu-se imediatamente e contestou,

- Ele não diz que é paneleiro pá. Lê lá isso outra vez. O que ele diz é que, que ele saiba, não é.

A Scarlett mirava o ecrã com aqueles olhos de cordeirinho que não tem onde cair morto e só quer é um homem que a leve para uma ilha deserta, mas os três espectadores e eu olhámos uns para os outros em alerta.

- Ouve lá, tu sabes o que é que estás para aí a diz...
- Que ele saiba??? Mas..
- Foda-se um gajo ou é ou nã...

Uma confusão de vozes levantou-se indignada contra o meu pobre amigo, que prontamente começou a explicar o que pensava,

- Eh pá eu também não sou gay, mas isso é hoje!! É o que o gajo diz: hoje, que ele saiba, não é. Mas ele não pode prever o futuro pá.

"Então", respondi eu, assustadíssimo, "tu estás a dizer que se calhar um dia vais ser maricas pá?"

- Não sei pá!
- Mas és paneleiro???
- Não claro que não!! Não é disso que se trata. Não se trata de hoje.
- Mas achas que vais ser paneleiro um dia?

A Scarlett já estava a falar sozinha.

- Não! Acho que não, mas não sei! Ninguém pode dizer que não, à partida..não vês o futuro pá.

- Claro que posso!! Olha eu não sou paneleiro, odeio gajos, era incapaz de tocar num gajo, acho nojenta toda essa história de que estás para aí a falar e tenho a certeza absoluta de que nunca na minha vida me vou sentir atraído por um homem e que nunca hei-de tocar no corpo de um homem. Eu gosto de gajas, hoje, e vou gostar sempre de gajas! Só de gajas!! Só!! Quando morrer aos 80 ainda vou ser mais heterossexual do que hoje.

A discussão acendeu-se como convinha e o Bill Murray já tinha abandonado a Scarlett em Tóquio quando a conversa ainda nem ía a meio, e depois de muita troca de argumentos o meu amigo continuou a insistir que não poderia saber, hoje, se um dia vir a ser paneleiro.

O engraçado nisto é que o meu amigo - que é um dos meus melhores amigos - é um gajo completamente normal (eu continuo a achar que, apesar de tolerável, a homossexualidade não é "normal")

[Preconceituoso!!!!!!!!!!! Conservador!!!!!!!!!!! Intolerante!!!!!!!!!!! Egoísta!!!!!!! Animal desumano!!!! Neo-liberal!!!!!!!!!!! Fascista!!!!!!!!!!!!!]

(Isto eram os protestos na rua, quando souberam que escrevi esta última frase. Bom. Adiante.)

O engraçado disto, então, como eu estava a tentar dizer, é que o meu amigo não tem nada de homossexual nele, tem namoradas, tem engates, fala de gajas connosco, tudo. E nem precisava de nada disto, bastava estar calado e fechado em casa que nós sabíamos que ele não era gay.

Mas depois de dizer isto, eu fiquei a pensar em tudo. Não na minha própria sexualidade, claro, nem sequer na dele (coitado), mas fiquei a pensar no que leva alguém que gosta de mulheres a admitir que se calhar, um dia, vai gostar de homens.

É que se um jornalista que eu mal conheço admite essa possibilidade, isso não me choca - afinal não o conheço, nem à sua voz, nem aos seus trejeitos, nem ao seu passado.

Mas um dos meus melhores amigos, que nunca deu o menor indício, admitir que apesar de hoje lhe repugnarem os homens, um dia pode vir a gostar? É que ele não disse "Eu não desgosto de homens, mas não me sinto preparado". Ele disse "eu não gosto nada de homens, mas não consigo ver o futuro."

Significa isto que estamos já tão relativizados, tão sem rumo, tão sem certezas e tão com medo de sermos chamado de Conservadores que já nem sequer temos a certeza de que, quando gostamos de gajas, É PARA A VIDA???

Tuesday, September 18, 2007

Blackwater

Visto que nem com o Dalai Lama o nosso Governo se quer encontrar oficialmente, não é de estranhar que os nossos canais estatais prefiram ignorar assuntos embaraçosos para os EUA como a Blackwater. A SIC e a TVI estão mais preocupadas com a Maddie e o Benfica e os canais de notícias na TV Cabo são americanos ou ingleses.

Como conclusão, pouca gente no nosso país sabe que cerca de 120.000 (cento e vinte mil) mercenários de todo o Mundo estão neste momento de arma em punho no Iraque, ao serviço de empresas de segurança privadas contratadas pelo Governo dos EUA.

Estas empresas contratam antigos militares, comandos e membros de outras forças especiais pelo Mundo fora, pagando-lhes ordenados de centenas de dólares por dia para irem operar, sob a forma de exércitos privados, ao serviço de vários Governos do Mundo, especialmente apoiando os EUA na sua guerra no Iraque. Em algumas destas empresas trabalham, em cargos de gestão de topo, antigos elementos e consultores do governo dos EUA.

Os mercenários não estão sujeitos ao código militar americano nem aos seus tribunais. Consequentemente, também não estão sujeitos ao estatuto de prisioneiros de guerra em caso de serem presos devido a alguma acção ilegal, seja no Iraque seja noutro país do Mundo. São civis de arma na mão contratados pelo governo dos EUA.

Porém, a Administração provisória do Iraque lidarada pelos EUA determinou que os mercenários acusados de acções ilegais devem ser julgados nos seus países de origem. Ou seja, o governo iraquiano não pode, legalmente, julgá-los.

Consequentemente, há 120.000 estrangeiros armados no Iraque ao serviço dos EUA a operar sem jurisdição.

Pagos pelo governo dos EUA.

Este vídeo da CNN levanta esta e outras questões essenciais, depois de mais um episódio que ocorreu, ontem, no Iraque.

Monday, September 17, 2007

Óptimo

http://postsecret.blogspot.com/

Para não esquecer

Eu gosto muito dos Lobos, mas há que pôr as coisas no lugar..

Saturday, September 15, 2007

"I'll see what I can do"

Estava-se em 1995 quando isto saiu. Eu era uma pequena criança. Tinha 12. Provavelmente nessa altura ouvia 4 non blondes e Guns n Roses. Estava na moda ouvir Nirvana também. E Pearl Jam, e Smashing Pumpkins. Os bons anos do grunge vividos por uma criança de 12 anos que não percebia nada daquilo. Felizmente alguma malta ainda me conseguiu pôr a ouvir Oasis, e James, e Blur e Suede. Coisas boas, inglesas, como geralmente as coisas boas são. Infelizmente não cheguei tão longe como Pulp e só tive o êxtase que estou a ter agora em 2007, precisamente desde ontem até hoje. Nem saí de casa, para não parar de ouvir isto. (Claramente está aqui um pequeno desiquilíbrio mental, que vai ser corrigido já a partir de amanhã). Seja como for, Pulp e Common People, porque a América Central já lá vai e agora há que esgueirar-se, lentamente, como um olhar indiscrecto, pelos corredores anónimos das grandes cidades.

P.S. para o leitor desatento: a música é óptima, a letra é genial, mas o que é mesmo mesmo como saltar à corda, é ouvir a música e olhar para a letra ao mesmo tempo.



She came from Greece she had a thirst for knowledge
she studied sculpture at St Martin's college
that's where I
caught her eye
She told me that her Dad was loaded
I said "In that case I'll have rum and coca-cola."
she said "Fine,"
and then in thirty seconds time she said
"I want to live like common people
I want to do whatever common people do
I want to sleep with common people
I want to sleep with common people like you."
or what else could I do?
I said "I'll see what I can do."

I took her to a supermarket
I don't know why, but I had to start it somewhere
so it started there
I said "Pretend you've got no money."
but she just laughed an said "Oh you're so funny."
I said "Yeah?
Well I can't see anyone else smiling in here
Are you sure?
Are you sure you want to live like common people
you want to see whatever common people see
you want to sleep with common people
you want to sleep with common people like me?"
But she didn't understand
she just smiled and held my hand

Rent a flat above a shop
cut your hair and get a job
Smoke some fags and play some pool
pretend you never went to school
But still you'll never get it right
`cos when you're laid in bed at night
watching roaches climb the wall
if you called your Dad he could stop it all
Yeah
You'll never live like common people
you'll never do what common people do
you'll never fail like common people
you'll never watch your life slide out of view
and then dance, and drink, and screw
because there's nothing else to do

Sing along with the common people
sing along and it might just get you through
Laugh along with the common people
laugh along even though they're laughing at you
and the stupid things that you do
because you think that poor is cool

Like a dog lying in a corner
they will bite and never warn you
Look out
they'll tear your insides out
`cos everybody hates a tourist
especially one who thinks it's
all such a laugh
yeah and the chip stain's grease will come out in the bath
You will never understand
how it feels to live your life
with no meaning or control
and with nowhere else to go
You are amazed that they exist
and they burn so bright whilst you can only wonder why

Rent a flat above a shop
cut your hair and get a job
Smoke some fags and play some pool
pretend you never went to school
But still you'll never get it right
`cos when you're laid in bed at night
watching roaches climb the wall
if you called your Dad he could stop it all
You'll never live like common people
you'll never do what common people do
you'll never fail like common people
you'll never watch your life slide out of view
and dance, and drink, and screw
because there's nothing else to do

I want to live with common people like you
I want to live with common people like you
I want to live with common people like you
I want to live with common people like you
I want to live with common people like you
I want to live with common people like you
I want to live with common people like you
I want to live with common people like you
Aa-aa-ah la la la la...
Oh yeah.

P.P.S.: Afinal acho que amanhã também não vou sair de casa

Wednesday, September 12, 2007

Bens a declarar



Sou o primeiro a sair do avião e a chegar ao tapete, apenas para esperar durante décadas pela mochila que teima em nao chegar. Tinha-a despachado 20 horas antes em Miami.

"Cabrões, perderam-me a mochila no vôo para Londres", penso, já irritado com a até à altura impecável British Airways, quando de repente o enorme tapete cospe, com a indiferença própria das máquinas inanimadas, a carregadora de todos os meus sonhos dos ultimos três meses e meio.

"Ah cá estas tu!", sorrio para comigo, e ponho a minha amiga às costas de espírito cheio e alegre. Rodo sobre os calcanhares na dança que me vai conduzir à saída do aeroporto e finalmente de volta aos ares de Lisboa, e vôo pela pedra branca fora atá à saída.

Dois passos antes do verdadeiro regresso a casa, paro. Será que tenho algo a declarar? 105 dias entre a Cidade do México e San José na Costa Rica, com paragens em Nova Iorque e Miami. "Há algo a declarar sobre isto?", pergunto-me inquieto, coçando ligeiramente o queixo por barbear desde há uma semana, a minha cara atraída pelo enorme sinal de STOP.

Goods to declare. Bens a declarar? Tenho mil bens a declarar. Vou pela direita.

- Olá!
- Boa tarde.
- Como está?
- Bem obrigada. O senhor tem algo a declarar?
- Tenho sim senhor.
- Posso então ver a sua mochila e o seu passaporte, por favor?


Olho-a com espanto. O passaporte ainda pode passar alguma mensagem do que eu tenho a declarar, sem dúvida, mas a mochila?

- A mochila é so roupa velha e, na maioria, por lavar..
- Entao o que traz o senhor nos bolsos?
- Nos bolsos? Nos bolsos, nos bolsos.. deixe cá ver. Neste nada..e neste..pere pere eu sei que as tinha aqui..pere aí..ah aqui tá! Pastilhas elásticas. Tome!
- O senhor está a brincar comigo?
- Não quer?
- Não quero o quê?
- Uma pastilha elástica. Pensei que era isso que queria dos meus bolsos.

Ela mira-me entao de alto a baixo com o olhar curioso com que eu há uns anos olhava os rabos encarnados dos chimpanzés no jardim zoológico de Lisboa. Mais do que cheio de piolhos ou irreverente como eles, eu devo naquele momento parecer um cordeirinho recém-nascido, tal o espanto que vai naquela altura nos meus olhos. Um minuto de conversa e ela não me tinha ainda perguntado nada do que eu tinha a declarar. Só queria ver os meus bolsos e a minha mochila.

- O que eu quero, senhor..por favor, deixe-me ver o passaporte..o que eu quero, senhor Luís Guimarães, o que eu quero é saber o que o senhor deseja declarar nesta alfândega, visto que vem de bolsos vazios e a sua mochila, pelo que acaba de me dizer, não contém objectos nem importações de valor.
- Oh Rute..posso tratá-la por Rute?
- Pode. Como é que sabe o meu nome?

Aponto para o lustroso crachá que leva no peito, onde o seu nome reluz imponente sobre a bandeira nacional. Ela inclina a cabeça para baixo para ver a zona que eu aponto. Nesse momento dou-lhe um pequeno piparote no queixo.

- Há que estar atenta, Rute M. Silva! Há que estar atenta. Eu estive atento, vê? Vi o seu nome no crachá.
- Você é um louco.

Sorrio.

- O que tem a declarar, senhor Luís Guimarães?
- Olhe Rute, tenho a declarar que passei os três meses mais loucos da minha vida pela América Central fora. Conheci todas as capitais entre a Cidade do México e San José, o que significa que passei por Belmopan, Guatemala City, San Salvador, Tegucigalpa e Manágua, com um saltinho a Havana. Alias, as oficiais de alfândega por lá tambem eram giras como você, mas fumavam charutos..como deve calcular não tinham os rabos das latinas de Miami, mas mesmo assim acho que..bom, ja vi que nao tá a achar piada.

"Declaro tambem", continuei entusiasmado, mudando de assunto, "que, para além das capitais, viajei extensivamente pela maioria dos países entre o México e a Costa Rica. Usei durante horas e horas e horas autocarros coloridos fabricados em 1950, andei às cavalitas de amigos, de mota, à boleia, de bicicleta, em carroças (em Cuba eles andam muito de carroças, sabe? Aquilo é uma merda lá.), em carrinhas de caixa aberta e até a pé. Aliás, escalei vulcões durante dias inteiros e aqueci-me na sua lava efeverscente, caminhei longos quilómetros para ver o dia nascer sobre lagos milenares, adormeci em praias desertas sob céus com mais estrelas do que as suas lindas sardas e deixei-me cair de estafa em redes penduradas em estacas depois de longas viagens a cavalo por vales e montanhas abaixo."

"Quando não estava entre lugares, absorvi os rimos loucos ou lentos de cidades modernas e de cidades coloniais deixadas pelos nossos irmaos espanhóis. Ja agora Rute, ainda há controlo alfandegário entre Espanha e Portugal?.. Talvez lá em cima em Hendaya, não?.."

A Rute só conseguiu soltar um ininteligível "não sei" pela sua boca aberta de espanto. Continuei.

"De cidades coloniais, dizia eu, mas também de vilas de montanha, de aldeias no sopé de lagos e vulcões e até de pequenos povoados na costa das Caraibas. Aliás, já me ía esquecendo Rute, tenho a declarar que as Caraíbas centro-americanas são um Mundo à parte do resto do continente. Nas montanhas da Guatemala só vi vestidos amarelos e velhas tranças em pequenas indígenas de pele grisalha, mas nas Caraíbas os corpos torrados pelo Sol têm cor suficiente para se vestirem a eles próprios. Declaro, Rute, que aí me deixei embalar pelo crioulo ingles e as rastas que me davam as boas-vindas após cada mergulho no mar."

"Alguma vez viu uma tartaruga desovar numa praia deserta, Rute? E já mergulhou a vinte metros de profundidade com mais de 15 tubarões com o dobro do seu tamanho? E pescar com uma amiga de cor mais escura que o seu negro cabelo, sob o anoitecer suave numa praia de areia branca, já pescou? Alguém alguma vez lhe declarou isto?"

Por esta altura, uma fila de contrabandistas e curiosos acumulava-se atras de mim. Virei-me então de lado para a Rute de modo que também eles pudessem ouvir a minha declaração. Levantei a voz e os braços para dar um toque de cor à cena: a cor verde da paisagem centro-americana.

"Declaro, meus caros amigos, turistas (sejam benvindos) e concidadãos, que festejei até ao sol nascer e se pôr de novo em festas secretas de lua cheia, e declaro que bebi toda e qualquer marca de cerveja produzida entre o México e o Panamá. Declaro também", e aqui voltei-me por breves segundos para a Rute, "que apesar do mestre de Salsa em que me tornei depois de uma lição privada numa praça rodeada de edifícios mais antigos que o próprio tempo, não toquei em drogas nesta viagem e que a minha maior droga e alegria foram as pessoas que conheci durante o caminho."

"Sim, Rute, sim meus caros amigos" - a massa de gente que me ouvia estendia-se já aos tapetes de bagagens, pelo que trepei sobre a minha propria mochila e falei do alto dos meus novos 2.10m para a minha audiência - "conheci gente de todo o tipo."

"Europeus, gringos, latinos e descendentes de escravos. Gente pobre que me pedia para comer e gente rica a quem pedi de beber. Falei com taxistas, vendedores, políticos, jornalistas, vagabundos e turistas. Donos de hotel, cozinheiros, pescadores, guias turísticos, banqueiros e advogados. Apaixonei-me duas ou três vezes em duas ou três cores. Debati receitas e receitas em bancas de comida pela estrada fora, desde a vantagem de colocar uma rodela de ananás num taco mexicano até ao excesso de feijao no meu arroz na Nicarágua."

"Meus caros amigos!", recomecei depois de uma breve pausa, "meus caros amigos..mãe? Mãe! Olá!!"

Nesse momento, a minha própria mae e as restantes dezenas de familiares de todos os passageiros de todos os vôos que acabavam de aterrar - que esperavam do outro lado do vidro, no hall de entrada do aeroporto - subiram, atraídas pela minha berraria, a rampa das saídas, e introduziram-se ilegalmente, sob a distracção permissiva dos oficiais da alfândega, que estavam de olhos fixados em mim, no espaço alfândegário onde eu discursava.

"Mãe, estou a acabar a minha declaração, já vamos embora!"

"Desculpe Rute, mas isto vai ter de ser rápido. Meus caros amigos!", continuei então, "minha querida mae, queridos portugueses" - a RTP acabava de aparecer na pessoa de um peludo cameraman de cerveja na mão - "declaro que não trago nada de valor senão as minhas memórias, a minha cultura e os meus sentimentos."

"Não sei qual o mérito de uma mochila vazia e quatro pastilhas elásticas para o contribuinte português, nem tão pouco sei, Rute, quanto me vai custar o imposto sobre todas as lições de História, Amor, Tolerância, Loucura e Humanidade que recebi desde que saí do pais em Maio. Mas declaro, e pago o que for preciso por isto", (nesta altura voltei-me para a câmara), "que fiz a viagem da minha vida, e que voltei um homem mais maduro e um rapaz mais divertido."

Saltei da minha mochila, pu-la às costas, pisquei o olho à câmara e, pegando na minha mãe, caminhei em direcção à saída da alfândega e às portas de vidro.

"Se isto não vale nada, Rute, se atravessar um continente de uma ponta a outra, falar com as suas gentes, penetrar nas suas maravilhas naturais, namorar as suas mulheres, comer as suas delícias e confrontar-se com as suas criaturas naturais não tem valor, então, Rute, não tenho nada a declarar."

Nisto as portas automáticas escorregaram cada uma para seu lado e eu e a minha mãe pudemos então sair para o enorme hall vazio do aeroporto, onde lhe ofereci duas pastilhas elásticas e comi as duas que sobravam, antes de nos enfiarmos no pequeno Smart em direcção a casa, através da chuva fria que teimava em cair sobre o alcatrão molhado que cobre as bonitas ruas de Lisboa.

Thursday, September 06, 2007

Fernando Silva

O Fernando Silva tambem ficou no pequeno dormitorio da dificilmente acessivel Puerto Jimenez, no sul da Costa Rica! Acabei de encontrar o seu nome como um de tres portugueses na lista de 100 paginas do caderno de registos de Doña Berty.

Um abraco para ti, Fernando!, porque te voltei a encontrar no papel e por seres um bocadinho de Portugal que tambem andou por aqui a solta e que, reduzidamente, tanto quanto uma gota de agua contribui para o oceano, me trazes um cheirinho do nosso pais.

Na varanda de Don Feliciano



Fumo um cigarro de consumo lento num pequeno hotel em Neily. A varanda abre-se para o movimento ja escuro da pequena vila. Ninguem, nos outros quartos; sou o unico hospede deste hotel adormecido, nesta terra de ninguem a caminho de lugar nenhum. Sou, tambem, o unico hospede nos ultimos 20 dias e o unico portugues nos registos iniciados em 1977 que folheio junto a Don Feliciano Musuco, o velho dono de grossas lentes e maos sapudas.

No entanto, assegura-me ele, esteve ca um outro portugues, ha uns cinco anos. "Se llamaba Mota, creo. De apellido Mota."

Mota; eu.

Don Feliciano.

Fumo o cigarro e percorro, observando o lento consumir da cinza fosforescente, os ultimos tres meses. Tambem eles se consumiram inevitavelmente, como o cigarro que seguro com dois dedos adormecidos. Tres meses, mais de tres meses pela estrada fora. Mais de tres meses de outros hoteis, outros cigarros, outros velhos de lentes grossas, outras solidoes. Tantas outras solidoes, tantas vidas consumidas nos campos, montanhas e cidades destes alegres paises destroçados pela historia. Tantas vidas que passaram pelos meus olhos; muitas pelas minhas voz e ouvidos. Algumas pelas minhas maos e o meu corpo.

Quantas, pelo meu coracao?

Todas, talvez, todas, e o seu conjunto forma o mosaico de cores e saudade que sopra levemente sobre o meu cigarro. Inalo de novo e foco a cor viva que quase toca o filtro que seguro com cuidado. Sinto o calor de mais um cigarro que chega ao fim roçar a pele dos meus dedos. Eu, que nem sou fumador.

Apago-o, finalmente, e com ele mais um dia, quase no fim de uma viagem, quase no principio de outra, muito maior.

Volto as costas a rua e dirijo-me ao meu pequeno quarto. É o fim de mais um dia, sorrio, ainda bem que faltam muitos por viver.

Tortuguero

A viagem desde a confusa mas minimamente cosmopolita San Jose ate ao coracao da selva em Tortuguero dura um dia inteiro de autocarros, plantacoes de bananas e barcos por rios castanhos abaixo, para terminar numa pequena aldeola encalhada entre a selva e o mar, onde pescadores e surfistas locais partilham uma pacata existencia de fim de dia.

Depois de um dia na obscura Managua, outro em transito e uma tarde inteira a divagar por San Jose, respiro o ar puro de uma selva verde e pegajosa longe, muito longe, dos escapes da capital, e, portanto, a anos-luz de qualquer cidade moderna.

Devagar, cai a noite, primeiro alaranjada e depois negra e penetrante como os sons da selva que lhe dao as boas-vindas.

Sigo o guia Castor durante mais de meia hora pelo escuro atraves da selva, acompanhado pelo bater das ondas na praia que sentimos perto. Ondas grandes, selvagens, embatem contra a terra surpreendentemente acastanhada do Caribe costa-riquenho. A minha emocao voa antecipando as dezenas de tartarugas que estou prestes a ver mal entrar na praia ali mesmo ao lado. Naquele momento, (ainda penso que no Parque Nacional de Tortuguero se pode passar toda a noite a ver tartarugas entrar e sair do mar. Estou enganado, mas) estou prestes a ver ao vivo uma das maiores maravilhas da Natureza.

As minhas enormes expectativas carregadas de anos de espera e sonh0s abrem-se pela praia escura quando seguimos atras do guia em busca de tartarugas. Quatro das especies de tartarugas-marinhas que nadam pelas Caraibas desovam nesta praia e o governo da Costa Rica decretou a zona como Parque Nacional, protegendo assim a manutencao de um ciclo que dura ha milhares de anos, visto que as tartarugas poem, todos os anos, os seus ovos na mesma praia onde nasceram.

Procuramos pela praia, escura como a noite de estrelas baças, ate uma enorme tartaruga verde aparecer a nossa frente, no exacto momento em que silenciosamente deposita, com esforço, pequenos ovos brancos num buraco na praia. Um a um, o enorme animal, num transe natural alheio a nossa cuidadosa e pouco numerosa presenca, descarrega as dezenas de ovos que carregara consigo desde o mar, pela praia fora, ate este local onde decidira dotar as suas futuras crias de uma oportunidade na terra. Nao sabe a tartaruga, provavelmente, mas sei eu, que apenas duas ou tres destas cem pequenas bolas de pingue-pongue virao algum dia a ser felizes tartarugas no grande oceano. Todas as outras morrerao entre o momento de sair da casca e chegar ao mar, devoradas por uma aguia, por um jaguar, ou pelas dezenas de patas do resto da ninhada que simultaneamente espezinhará em direccao a superficie.

E comovedor observar aquela enorme tartaruga, no carinho maternal do processo de colocar os ovos. Sinto uma enorme emocao ao ver aquela mae tapar, esgravatada e desajeitadamente, o fruto do seu esforco e da sua reproducao. Imagino o tempo e o empenho que lhe terao custado abrir aquele enorme buraco na areia e a angustia que talvez sinta ao conhecer os perigos que correm as suas crias de ora em diante. Saber que a maioria sera comida ou caçada e comparar essa dura realidade com o esforço daquela mae centenaria e verdadeiramente doloroso, apesar da maravilhosa experiencia que e testemunhar ao vivo, ali mesmo, um processo natural que se repete do mesmo lugar ha anos e anos.

Elas, as pobres maes, nada mais podem fazer senao tapar o seu buraco o melhor que conseguem com as suas desajeitadas patas e regressar vagarosas e exaustas ao mar, de missao cumprida e ansiando que as suas crias possam sobreviver, agora que elas, impotentes, nada mais podem fazer por elas e pela sua proteccao contra o implacavel ciclo da vida.

Seguimos duas tartarugas regressar demoradamente ao mar e desaparecer entre as ondas em direccao ao enorme oceano, recordando-nos que a nossa pequena intromissao nas suas vidas está limitada aquela branca espuma, primeira barreira do enorme oceano, que permanece um gigante indomavel para o Homem, territorio de outras especies e outros misterios.

Sunday, September 02, 2007

Um bom site

Ando na estrada ha mais de tres meses e encontrei, para alem do meu amigo Joao com quem viajei pelo Mexico, outros sete portugueses. O Antonio viajava com os pais e primos pelo Mexico, de carro, durante dois meses; encontrei-o em Cancun. Nessa mesma noite, conheci tambem os seus pais. O Augusto tem negocios em Cuba e encontrei-o a trabalhar no seu laptop na sala de uma casa em La Habana, onde eu bebia um cafe oferecido pelo simpatico dono que me abordou no meio da rua. Depois, conheci um casal de namorados em Leon, na Nicaragua - ele e voluntario numa ONG ela tinha vindo visita-lo para umas ferias de 15 dias. Estive, ainda, com o meu amigo Miguel, que tinha um projecto profissional em Sal Salvador e me desafiou para uma jantarada.

Entre todas as outras centenas de pessoas com quem falei, talvez dez se tenham cruzado com portugueses durante as suas viagens.

Raras vezes algum habitante centro-americano sabe que Portugal é um pais, e quando alguem sabe, nao faz ideia de onde fica, salvo excepcoes.

A maioria dos centro-americanos que conheci acha que Portugal é o Brasil. Os restantes acham que se fala espanhol em Portugal.

Quando tentam adivinhar a minha nacionalidade, tentam Espanha, Italia e Brasil. Nao lhes ocorre perguntar se sou de Portugal.

Revistei mais de dez livros de clientes de hostels durante esta viagem, e o "Fernando Silva" foi o unico registo de um portugues que encontrei. Aparentemente, ficou hospedado no mesmo hotel que eu em San Pedro de la Laguna, Guatemala.

Fernando, se algum dia leres isto, um grande abraco pelo momento de patriotismo que me proporcionaste sobre o maravilhoso Lago de Altitlan, dois anos depois da tua visita!

Paralelamente, centenas ou milhares de ingleses, irlandeses, holandeses, alemaes, espanhois, franceses, italianos, escandinavos, americanos, australianos, canadianos, neo-zelandeses passeiam-se neste momento pela America Central fora, conhecendo, visitando, trabalhando como voluntarios. Conheci mais turcos, belgas, escoceses, galeses, coreanos, japoneses e polacos do que portugueses.

Estamos, portanto, de acordo com a minha experiencia pessoal, ligeiramente ao nivel da Grecia e do Leste Europeu, no que toca a viagens pela America Central (e acrescente-se que tambem foram raros os portugueses que vi noutras viagens que fiz).

Pelo menos, viajamos mais do que os africanos e os mongois.

Posto todo este deprimente cenario de tacanha mentalidade e depressao economica, é um espanto e um orgulho saber que um site destes existe:

http://www.portugal-sport-and-adventure.com

Ja que nos nao saímos, que alguem nos venha visitar, antes que nos afoguemos em telenovelas e medo do escuro.

Saturday, September 01, 2007

Under blue water

"I hope dey build no road in heea. Once dey built di road i' big island, you see what happen? My brota he been killed by di car in di big island, man. A'right man, me no want no road in little island."

Ha certos lugares no Mundo que sao tao bons que metade de mim quer recomenda-los aos meus amigos, para que possam viver o que eu la vivi, e a outra metade quer mante-los meio escondidos, para que nao sejam engolidos pelo glutao chamado turismo, que os desvirtua e formata.

Desta vez ganhou a segunda metade, e nao vou dizer a ninguem onde e que passei a ultima semana.