- Andas triste.
- Ando.
- Porquê?
- Ainda não percebi bem.
- O que te faz correr?
- Acho que todos procuramos ser felizes com o que temos. Acho que é isso.
- E não és feliz com o que tens?
- Eu não tenho nada!
- Não tens nada!?
- Não tenho certezas.
- E precisas de certezas?
- Ou de respostas.
- Então faz perguntas.
- Então pára de me pedir respostas.
- Tenho dificuldade em perceber-te.
- Também eu. Quero dizer, a ti não. A mim.
- Se calhar não andas a fazer as perguntas certas.
- Mas será que as há?
- Não sei. Eu por exemplo nasci já com as respostas de que precisava. Em ti, vejo que vives de perguntas e evitas as respostas. Acho que tens medo das respostas.
- Se calhar tenho medo das respostas.
- Mas és feliz?
- Sou. Mais do que isto não sei se poderei ser.
- Porquê?
- Porque quando se faz perguntas, como eu, e se sabe que não há respostas certas, refugiamos a nossa felicidade no próprio facto de questionar.
- Então pronto, questiona e és feliz.
- Não. Repara: toda a questão tem como finalidade ser respondida. Se baseio a minha felicidade numa Pergunta, e se essa pergunta exige uma resposta, só estarei completa quando encontrar a resposta.
- Mas acabaste de dizer que és feliz a perguntar!
- Feliz sim, mas não completa.
- Ah então és feliz mas incompleta.
- Sim. Se calhar podemos pôr as coisas assim.
- Mas tens de perceber que nunca vais ser completa. Existe demasiado, para alguém se completar.
- Tu completas-me.
- Que querida. Mas sabes que somos só amigos.
- É por isso que ando triste.
Wednesday, December 20, 2006
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13 comments:
Digo com a maior das sinceridades que esta é uma das melhores conversas que jamais li.
se ela é boa és um bcd parvo...
coitada da miuda...espero pelas cenas dos próximos capítulos...
[por motivos de interpretação, lembro que esta é uma conversa meramente conceptual; se fosse real, não teria sido aqui publicada.]
Estás completamente louco!
Sonhaste com tal episódio? Leste-o algures? Imaginaste-o em Amsterdam?
Aguardo as cenas dos próximos episódios
"- Mas és feliz?
- Sou. Mais do que isto não sei se poderei ser.
(...)
- Feliz sim, mas não completa
(...)
- É por isso que ando triste."
how relevant are SMALL things?
Não sei se isso é uma crítica, do género "estás a ser incoerente", ou se estás a tentar mostrar que realmente entendeste o diálogo.
Como resposta, para além de agradecer o comentário e a crítica, diria que essa aparente incoerência faz parte da lógica mental de uma pessoa confusa.
E, estando já a dizer muito mais do que devia, porque cada um - como se vê pela diversidade dos comentários - realmente interpreta as palavras escritas à sua maneira própria, acrescento que essa aparente confusão da personagem feminina está na sua cabeça, sim, mas não na do autor do texto (eu).
Dito isto, a interpretação volta a ser livre e as pequenas coisas mantêm-se relevantes.
“-Conheço Larry desde criança - replicou Isabel. (...)
- Às vezes, ele lembra-me um grande actor. (...)
- Percebo o que quer dizer. A gente está a divertir-se e pensa que Larry é como um de nós – mas de repente sente que ele foge, como um rolo de fumo que tentamos capturar com as mãos. Que será que o torna assim esquisito?
- Talvez uma coisa tão corriqueira, que a gente nem mesmo dela se apercebe.
- Por exemplo?...
- Pois bem, a bondade talvez.
- Gostaria que não me dissesse essas coisas. Sinto uma sensação desagradável na boca do estômago.
- Ou será uma dorzinha no fundo do coração? (...)
- Está muito apaixonada por Larry?
- Vá para o inferno! Nunca amei outro homem na minha vida.
- Então porque se casou com Gray?
- Tinha de me casar com alguém. Ele estava louco por mim (...). Gostava de Gray; ainda gosto muito dele. Não imagina como é meigo; não há ninguém mais bondoso e delicado. Dá a impresão de ter um génio violentíssimo, não é verdade? Pois comigo foi sempre angelical. Quando tínhamos dinheiro, queria que eu manifestasse desejos para ter o prazer de satisfazê-los. Certa vez, disse que seria divertido ter um iate, para darmos a volta ao Mundo. (...)
- Parece impossível que tal perfeição exista – murmurei.
- Divertimo-nos imenso. Sempre lhe ficarei grata por isso. Fui muito feliz com ele.
(...) Mas não o amava realmente, mas a gente pode muito bem passar sem amor. No fundo do coração, suspirava por Larry, mas enquanto ele estava longe, isso não me preocupava.
- Se é para si um sofrimento ver Larry, não seria mais acertado deixar de vê-lo?
- Mas é um sofrimento delicioso. Além do mais, sabe como ele é. A qualquer momento pode desaparecer, como a sombra do sol quando se esconde. (...)
- Nunca pensou em se divorciar de Gray?
- Não tenho motivos para me divorciar dele.
- Isso não impede que as suas compatriotas se separem dos maridos, quando a tal se sentem inclinadas.
- Por que será que fazem isso?
-(...) Porque as mulheres americanas esperam encontrar nos maridos a perfeição que as inglesas só exigem dos seus mordomos. (...)
- Nunca me divorciarei de Gray. Passámos por muita coisa juntos. E ele depende demasiado de mim. Isto é bastante lisonjeiro, sabe, e dá à gente uma noção de responsabilidade.” (....)
“O Fio da Navalha”, W. Somerset Maugham. Cap. IV.
Feliz (?), mas não completa.
(Talvez, simplesmente, não infeliz).
Não acho que tenhas escrito nada de incoerente, muito pelo contrário.
Falas em confusão na cabeça da personagem feminina.
Maior ordem do que a que EU VEJO ali, roçaria os limites do exagerada e estupidamente racional.
“Dito isto, a interpretação volta a ser livre.” E eu já sei o que me vai voltar a distrair nos próximos tempos.
diz-me sofia, viste no "Entre Amigos" alguma semelhança com o Fio da Navalha?
(isto não é provocação, é curiosidade)
el-gee,
Apesar de achar que escreves coisas bem jeitosas, ainda te faltam uns degraus até Somerset Maugham. (Ou se calhar bastava-te um editor). Não estou a ser arrogante. Estás farto de saber q n o sou, e que, contigo, nunca o serei. Como prova do prazer que o teu despontar para a literatura me tem dado, reafirmo o que te disse há bem pouco tempo:
- Quando escreveres as tuas memórias, quero um exemplar na minha caixa de correio. Se ainda houver dessas coisas na altura.
Com O Fio da Navalha não, o livro é tão mais do que isso! Mas que a tua personagem tem a seiva de Isabel, TEM.
Ela nunca perguntava, antes respondia sempre a tudo, eu sei. Mas se calhar tu gostavas que ela tivesse sido ao contrário: mais de perguntas e menos de respostas.
sofia nao me expliquei bem. E obvio que nao me estou a comparar com S. Maugham! O que eu tava a perguntar era se vias no meu mini-dialogo alguma semelhança com algo no Fio da Navalha, e ja percebi que sim (Isabel). Perguntei isso porque no comentario anterior comentaste com uma citacao do Fio da Navalha.
Se a personagem feminina aqui tem algo de Isabel, é por malabarismos do meu sub-consciente, por uma razão quase-simples: a personagem feminina foi, até ao último minuto, masculina, e vice-versa.
Uma parte de mim insiste em me dizer: " não tens certezas.. se não tens certezas não estás bem..se não estás bem não és feliz"
Mas teremos nós alguma vez certezas absolutas? Creio que não.
Temos é que tentar viver com as que temos... e aos poucos fazer as perguntas certas..
Mais uma vez... gostei das perguntas dele... gostei das respostas dela.. e gostei mto da frase final
Se todas as pessoas tivessem a coragem para ter este tipo de conversas as relações humanas eram sem dúvida muito mais transparentes,reais e duradoras.. como sempre surpreendes-me.. Thanks Siroc(c)o
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