Monday, October 30, 2006

Meio em espirito, meio em consciencia

Voando

Sobrevivo intacto ao voo da madrugada, apoiado por duas simpaticas hospedeiras austriacas que marcaram o mesmo voo que eu e me tranquilizam a medida que um pequeno bimotor se eleva sobre os ares de Kathmandu em direccao as enormes montanhas que rodeiam a cidade e que compoem a maior cadeia montanhosa do Mundo. Durante uma hora, esqueco a possibilidade do motor ao meu lado rebentar de um momento para o outro e deixo-me conquistar pelas montanhas que aparecem majestosas mesmo junto a minha janela. Das 14 montanhas superiores a 8.000 metros que ha no Mundo, tenho quatro a menos de 1 km de mim, incluindo o enorme Evereste, indiscutivel rei das montanhas, tal a sua gigantesca dimensao nevada, mesmo quando comparada com os outros picos de kms e kms de altura. “Tenho os Himalayas a minha frente!” – penso incredulo, repetindo-o mentalmente durante dez minutos, tentando provar a mim mesmo que estou a ver as maiores montanhas do Mundo que so conhecia de livros e relatos. “Sao 8 da manha e ja ganhei o dia”, penso. “Ainda por cima, o aviao nao caiu.”

Estava completamene enganado. Aquela hora foi so o inicio de um periplo pelo enorme vale de Kathmandu, que contem uma grande cidade e duas pequenas cidades (Patan e Bakhtapur), para alem de varios aglomerados rurais e urbanos altamente subdesenvolvidos, tudo sob o olhar atento dos picos nevados dos Himalayas.

Vivendo a actualidade

Durante as minhas deambulacoes a procura de um taxi que me levasse a estacao de autocarros, cruzo-me com uma manifestacao maoista, onde milhares de nepaleses com chapeus brancos de papel se manifestam pelas estreitas ruas de Kathmandu. Os guias dizem expressamente para as pessoas se manterem afastadas de qualquer tipo de agolmerado maiosta. Nao consigo. Todos os dias leio noticias sobre maoiostas nos jornais europeus que leio com interesse, nao poderia agora fugir quando deparado com eles! Percorro toda a manifestacao em sentido contrario e absorvo os seus gritos reivindicativos. Olho a volta. Ha mais curiosos como eu. Nao estou sozinho neste tour improvisado pela politica nepalesa. Os manifestantes sorriem-me. Sou turista. Nao me querem mal.

Acabo por apanhar um taxi a meias com um casal ingles no fim de uma volta ao Mundo. Ouvem-se historias fascinantes do passado e aterradoras do futuro: o regresso a Manchester! Tremo so do pensar no que eles sentem. Ainda bem que so vim tres semanas!

Tomo entao um autocarro para Bakthapur, onde me encaixo entre uns quantos nepaleses em direccao as suas proprias vidas. Trata-se de uma carrinha podre, igual as outras cinquenta que compoem a poeirenta estacao de autocarros, conduzida por um personagem que seria tomado por drogado terminal em Lisboa. Precisamos de uma hora para percorrer uns 30 kms, entre o caos do costume, mas ja nos arredores da cidade. Tudo igual mas em maior escala! Passam por nos autocarros com dezenas de maiostas no tecto. So ao fim de tres ou quatro comeco a reparar neles. “Que e que se passa aqui! Ha gente em cima de autocarros!!” Realmente, ao olhar com atencao ve-se que sao autocarros normais, com gente normal, onde os manifestantes se integram, nomeadamente no unico sitio onde os autocarros do Nepal tem lugar quando nao se os apanha na estacao onde iniciam o percurso: no tecto.

Uma casa de bonecas

Nisto chegamos a Bakhtapur, que deve ser a casa de bonecas dos deuses hindus e budistas, tal a quantidade avassaladora de templos majestosos que a compoem. Depois de percorrer algumas ruas medievais com as cenas do dia-a-dia de uma pequena cidade rural, caio quase de joelhos ao entrar na praca principal, uma das muitas que existe na cidade. Nao consigo acreditar no que vejo, na beleza dos templos, na vida local que aqui se desenrola, na mistura estranha de locais e turistas, num cenario vivo com 500 anos. Como e que isto esta aqui, como e que nunca ninguem ouviu falar disto? Como e que uma joia destas esta escondida neste vale perdido de Kathmandu?

Percorro o resto da pacata vila e perco totalmente a nocao do que é ter o minimo racionalismo no uso da maquina fotografica. Disparo em todas as direccoes. Nao consigo apreciar um detalhe, um relevo em madeira, uma estatua em pedra, um velho pedinte, uma crianca a vir fardada da escola, uma velha a secar arroz ao sol, sem fotografar e registar todos os momentos. Como é que pode existir isto, quando la fora ha caos, poluicao, predios decadentes, macacos nos telhados e gente que anda de autocarro no tejadilho?

Hindu por uma hora..

Na busca mental de uma resposta, sigo de taxi em direccao a Pashupatinath, o mais sagrado templo hindu do Mundo. La, encontro a morte. Nao o conceito de morte nem o meu medo dela, mas os corpos inertes daqueles que a conheceram. Por entre um enorme complexo de templos, um rio fétido flui quase parado, e a sua borda grupos de pessoas queimam os corpos dos seus entes queridos mortos, preparando-os assim para a proxima vida.

Assisto, quase hipnotizado, a varias cerimonias, rodeado de macacos nojentos, vacas que passam, familiares que confraternizam, saddhus (homens-santos hindus, de longas rastas e sem um duche ha dezenas de anos) e alguns turistas, estranhamente bem mais a vontade do que eu.

Estou ali a viver (como observador) o hindusimo e a Humanidade no seu estado mais puro: a morte e a reencarnacao vivem a frente dos meus olhos, e todos os que ali estao fazem-no por fe e devocao, ao contrario da minha enojada passividade de outsider.

Esqueco por momentos o nojo que me provoca o fumo que sai das piras em fogo, as criancas descalcas que chapinham na agua, a cor lamacenta do rio, e tento entrar na cabeca daquela gente. Como podem – como podem! – viver naquelas condicoes e fazer desta, a sua rotina pela vida? Ainda para mais, trata-se de gente rica: os pobres sao queimados ao lado, sem preparativo, sem pompa, sem canticos, sem roupa. Sem familiares. Sem nada. Corpos abandonados que desaparecem num fumo de fim de tarde, vidas anonimas que se degradaram lentamente nas vielas de Kathmandu.

O mais fascinante nestes dias, tem sido constatar que a visita turistica aqui é uma observacao do dia-a-dia. Aqui, os monumentos vivem-se. Os Jeronimos ou o Coliseu, por exemplo, sao magnificas obras de arquitectura caidas no desuso da modernidade. Quantos exemplos nao ha? As vezes, percorremos kms de capitais europeias maravilhados com elas, e ao fim de uma semana nao fazemos ideia de como vivem as populacoes locais. Aqui nao!! Aqui as cidades vivem entre os predios decadentes do presente e os templos intactos do passado. Como as pessoas sao muito religiosas e como o mais exotico em termos de arquitectura sao os templos, o turista tem oportunidade de ver uma vivencia exotica num cenario exotico. Pshupatinath pode ser um nojo, mas este complexo e tudo o resto que vi elevam a viagem a um estado permantente de penetracao minha no dia-a-dia das cidades. A unica diferenca é que eu so partilho com eles o espaco, e eles entre si partilham muito mais do que isso.

..budista por outra..

Uma israelita (outra a dar a volta ao Mundo) implora-me que va a Boudanath e afirma que é imperdivel. Olho-a agradecido mas desconfiado. Sao cinco e meia, o sol ja vai baixo, ja sobrevoei os Himalayas, andei numa manifestacao maoista, apanhei um autocarro pelos arredores de Kathmandu, perdi-me por uma vila asiatia medieval e participei no ritual mais sagrados dos hindus de todo o Mundo – nao chega?

Nao. Sob a grande aldrabice dos nepaleses com quem me tento informar, caio na ideia de que estou perto de Boudhapur e lanco-me a pe por meia hora entre bairros que constituem as traseiras do complexo de Pashupatinath. O aspecto é de degradacao, mas nao vejo miseria nem maldade. Sou bem recebido por toda a gente, no meio daquele sujo fim-de-tarde e gradualmente os predios em tijolo tornam-se mais civilizados, ate regressar a algo mais limpo. Estou na zona dos budistas tibetanos que se exilaram no Nepal, reconheco-o logo pelas caras das pessoas na rua.

Aquando da invasao chinesa do Tibete em 1950, muitos tibetanos (incluindo o seu lider supremo, o Dalai Lama) fugiram para a India e o Nepal, onde constituiram comunidades espirituais livres e vivas, segundo os relatos ainda mais genuinas e fieis a tradicao do que a cultura religiosa que os tibetanos vivem no Tibete actual, em vias de dizimacao total pelo barbaro governo chines.

Esta escuro. Abre-se uma fenda na parece a minha esquerda. É um portao. Tenho a minha frente uma gigantesca estrutura redonda branca, coroada por um enorme pilar dourado com dois olhos que me fixam, de cujo topo varios cordas com coloridas bandeiras de oracao se esticam ate uma estrutura um pouco mais abaixo. Estou, sem o saber e totalmente apanhado de surpresa, no maior templo budista do Mundo, reduto supremo do budista mundial, para nao falar do budista nepales e tibetano.

Desta vez, paro. Nao consigo andar. Nao acredito naquilo. O templo é enorme, deve ter mais de trinta metros de algura e um raio de cinquenta metros, e em volta da sua base centenas de fieis andam no sentido dos ponteiros do relogio, rezando e rodando as rodas de oracao, pequenos cilindros presentes em todo o templo budista tibetano (o budismo tibetano é uma das versoes do budismo) que, ao serem rodados, elevam aos deuses as preces de quem os movimenta.

A volta do templo, que esta num espaco mais ou menos circunspecto para la do portao que se abre na rua movimentada, pequenas casas formam uma especie de praca, e para la dela mais casas e vielas, num pacifico guetto tibetano, impensavel nos meus loucos devaneios pela loucura de Kathmadu.

Atravesso a custo o lento turbilhao de monges cor-de-laranja e fieis despretensiosos e subo pela estrutura branca, construida em socalcos e com escadas que permitem subir os varios niveis. Ja passou da hora de fecho dessa parte do tempo mas imploro ao guarda que me deixe ainda subir. Subo as escadas ate ao topo e olho os enormes olhos do suposto Buda. Atras de mim monges e fieis rodam rodas de oracao. Tocam sinos e tambores. Nao sei onde estou. Perdido algures em espirito, deixo-me levar por um momento unico. Felizmente, tenho nocao desse momento supremo e prefiro reduzi-lo a alguns segundos. Nao vim aqui em busca de iluminacao espiritual.

Alguns monges sentam-se em roda e comecam as suas oracoes, num ritual semelhante ao que tinha assistido no dia anterior mas sem a mesma pujanca nem pompa. Apenas uma pequena reuniao, com alguns gongos e trompetes, e um monte de fruta e outros tipos de comida no meio, trazidos pelos fieis para alimentar os monges. Em cada esquina, mais pessoas rodam rodas de oracao, benzem-se, tocam pequenos sinos, conversam, compram artesanato, andam, ajoelham-se, prostram-se.

Encontrei em Boudhapur uma espiritualidade que so vira em Fatima. No entanto, Fatima é solene, silenciosa, introspectiva. Boudhapur é viva, sonora, solidaria. Penso, durante a breve vinda de taxi de volta ao centro urbano de Kathmandu, nesta diferenca: o Cristianismo é uma religiao de louvor ao sacrificio, ao sofrimento, a morte na terra para a vida no Ceu. O budismo é uma religiao de busca, de purificacao, de procura do divino na terra. Toda a busca é alegre, viva, rica. Todo o sofrimento é triste, taciturno.

Boudahpur e Fatima, o Budismo e o Cristianismo sao, apesar de tudo, locais divinos, locais de Deus. Locais, talvez, onde o humano se faz pequeno em procura uma resposta para as suas perguntas ou, como dizia um nepales que conheci, uma consolacao para os seus medos.

..realista no fim

Eu prefiro Boudhapur, mas a minha religiao vive em Fatima. Alias, eu vivo em Portugal e nao nos Himalayas, felizmente.

Amanha, parto para um percurso amador de alguns dias pelos Himalayas e dai tenciono seguir em rafting ate Chitwan, na selva das lowlands, casa de tigres e rinocerontes. Daqui a 10 dias volto e voo para o Tibete. Ate la, muita gente para conhecer, sitios para ver e kms para percorrer.

Ca estarei para cumprir essa missao, curta comparativamente com esta gente que por aqui anda a viajar ha meses, mas mais do que suficiente para retemperar energias para mais um ano de intenso trabalho, porque a vida nao é so rodar rodinhas de oracao e esperar que nos chova ouro em cima.

Sunday, October 29, 2006

Por entre escapes e incenso

O sol levanta-se cedo em no Nepal, mas so chega mais tarde a Kathmandu, depois de atravessar as montanhas. Mesmo assim, quando me levanto ja o dia vai alto. Sao oito da manha e o despertador do telemovel so vai tocar as 11:45 – tinha-o posto para as sete da manha, mas como me esqueci de mudar a hora (para umas estranhas +4:45), quando toca ja eu estou sufocado pelos escapes e buzinas da cidade. Seja como for, nem eu proprio fui despertador suficiente para mim mesmo, devido a uma estranha insonia das 2 as 5 da manha.

Kathmandu deve ser a cidade que mais naturalmente combina o puro misticismo de uma existencia espiritual com o caos desgovernado das cidades pobres. Em cada esquina suja um magnifico templo de pedra e madeira é adorado por velhos pedintes, homens meio sujos, lindas nepalesas nos seus saris coloridos ou por uma criana impecavelmente fardada: no Nepal, os domingos sao dias de trabalho, o que inclui a irremediavel ida a escola, que povoa as vielas de Kathmandu com incontaveis seres de meio metro vestidos como se fossem a caminho de Cambridge, uma caracteristica alias bem patente em varios paises ditos subdesenvolvidos. Ao ve-los passar penso, alias, onde termina este ciclo de impecavel formacao academica, ja que os adultos que vejo sao artesaos, taxistas, guias turisticos, soldados, agricultores, pedintes ou simples inuteis, (sem desprimor para a eventual existencia de uma industria de servicos, que eu apesar dos meus kilometros infindaveis pelo caos de Kathmandu nao vi).

Movo-me entusiasmado pelo meio desta turba urbana, atravessando a pe uma grande parte desta enorme cidade. A zona de Durbar é conhecida pelos seus templos, e de facto, depois de inenarraveis vielas intransitaveis - onde andar a pé é ser parte do transito, tal é a quantidade de veiculos motorizados e velocipedes que as povoa – chego a Durbar e deixo-me maravilhar por este centro urbano, povoado de enormes templos em madeira talhada, onde os nepaleses prestam a sua adoracao e os (surpreendentemente poucos) turistas se maravilham com a construcao, as velas que ardem, as pessoas em oracao e alguns macacos que saltitam animados de telhado em telhado.

A selva de Kathmandu nao se limita alias a esses pequenos portadores de doencas, e por entre as imensas portas que se entreabrem para as movimentadas ruas da cidade, cabras e vacas lutam pelo seu lugar ao Sol, rivalizando em numero com as galinhas mortas expostas para venda, estas por sua vez rivalizando em mercado com as frutas, doces, bebidas, roupas e artesanato que povoam as bancas e o chao de Kathmandu.

A medida que abandono, sempre a pe, o gigantesco centro da cidade, as ruas ficam mais largas e o comercio um pouco mais profissional, mas o numero de pessoas tambem se multiplica, deixando aos carros e as motas apenas o espaco suficiente para se esgueirarem por finos pedacos de espaco, numa batalha que inclui acelerar em direccao aos pobres policias de transito para que saiam da frente. Alias, essa triste figura do policia de transito nao passo de um fantoche fardado, ja que, sem semaforas nem regras, de nada serve um nepales fardado. Ainda assim, espantei-me ao reflectir, ja a noite tinha caido, que durante todo o dia nao vira um unico acidente de viacao nem atropelamento, concluindo assim que o transito tem uma auto-regulacao empirica em que cada agente em movimento assume que bater no proximo nao é bom, sendo chegar tarde igualmente mau.

Sinceramente, nao compreendo conceptualmente como aquilo funciona, mas se consegui chegar a tempo a Internet antes disto fechar, é porque eu proprio ja me movimento com à vontade por entre o perigo destas estradas, nomeadamente atraves de um truque infalivel que é por-me atras de alguem a atravessar as perigosas avenidas e usa-lo como escudo na minha travessia suicida.

A hora do almoco subi um enorme monte ate um templo budista de nome impronunciavel, mas que basicamente é um complexo de templos budistas povoado por monges e macacos, com uma vista majestosa sobre o aglomerado urbano de Kathmandu e as montanhas que o rodeiam.

Neste complexo, alem fotografar macacos e a arquitectura unica do lugar, tive a sorte de decidir aventurar-me por um dos pequenos templos budistas que o formam atras de um estrangeiro qualquer que la estava, assistindo ambos à socapa a uma cerimonia de oracao de monges budistas, que me arrepiou profundamente, em parte pelo que foi e em parte pela minha absoluta clandestinidade naquele local magico de voces em oracao, monges cores de laranja, bombos a tocar e aquele som de instrumento de sopro que ate agora so ouvira em filmes.

O budiscmo e o hinduismo andam de maos dadas em Kathmandu, e todos os nepaleses me dizem que seguem uma das religioes mas prestam alguma homenagem a outra, garantindo-me que ambos bebem mutuamente as suas praticas em tradicoes. Todos os templos, se bem que pertencendo a uma das religioes, tem elementos de ambas, e fotografei alias um Buda ao lado de Shiva, prova irrefutavel da mescla espiritual que para aqui vai. Basicamente, os nepaleses desta zona acreditam nos deuses e reencarnacao hindu, sem deixar de prezar e seguir os ensinamentos de Buda, principe inluminado cuja religiao prega, tal como o hinduismo, a boa accao nas varias vidas ate ao Nirvana final.

Vale, alias, a pena reflectir nos tres “males” que o budismo considera e que, mitigados os quais, o ser humano ascente do divino: desejo, furia e ignorancia. Sem pôr de parte os valiosos valores do Cristianismo, vale a pena pensar nisto, ate porque nao sao incompativeis.

O fim do dia levou-me, desta vez de taxi, a Patan, uma das duas pequenas cidades que formam com Kathmandu as tres povoacoes do vale de Kathmandu.

Em Patan encontro uma esplanada com vista para os Himalayas em frente a sua Durbar Square, significando isto que com uma cerveja nepalesa na mao e na companhia de tres holandeses que ali estavam passei uma hora a ver os magnificos templos de Patan (ainda mais magicos do que os de Katmandu), com o pano de fundo das maiores e mais nevadas montanhas do Mundo: os Himalayas. Depois da prece budista, este talvez tenha sido o melhor momento do dia e sem vergonha o considero entre os mais magicos que alguma vez vivi em viagem.

Anoitece na praca de Patan e a pequena cidade dirige-se para la, com vendedores, cozinheiros e pequenos e atrevidos saltimbancos se deliciam, num final de um domingo de trabalho. Ali vivi e observei, sem duvida, a mistura da pobreza com o misticismo, esse cokktail inofensivo que transforma Kathmandu e as cidades do seu vale num lugar sobrenatural. Com tanto lixo e poluicao, é surpreendente o misticismo que este lugar conserva e que eu apenas limitadamente e depois de um misero dia consigo exprimir com palavras.

De volta ao hotel, tenho a infeliz noticia de que a minha agenda nao me vai permitir ir de 4x4 para o Tibete, dado que a unica expedicao parte demasiado tarde e tenho de estar em Lisboa dia 19. Assim, cometo a terceira inconsciencia da viagem, que é decidir embarcar de aviao para Lhasa. A segunda inconsciencia tomei-a ontem, e foi comprar um voo panoramico pelos Himalayas operada por uma companhia chamada Buddha Air.

Ja a noite vai alta e, neste momento em que o descolar se aproxima, anseio que a denominacao divina da companhia tenha uma proteccao proporcional ao seu nome, ja que as vidas espectaculares que me prometeram de todo o Himalaya nao sao suficientes para mitigar este inexplicavel medo de voar.

Depois de sobreviver a este transito, voar se calhar ate vai saber bem. Mas quando ca em baixo está Kathmandu, nao ha vista aerea que compense este lugar apaixonante. A menos, claro, que o Evereste me olhe nos olhos.

E, pelo que me prometeram, vai olhar.

Primeiras Impressoes

Cheguei, finalmente, a Kathmandu..é de noite e sento-me num cyber-café, recapitulando as cenas dos ultimos dias…

Turbantes no avião

Já no aviao entre Frankfurt e Delhi (que so apanhei porque compensei com uma corrida desgracada de um kilometro pelo aeroporto de Frankfurt o atraso com que a Tap, com os sorrisos do costume, me presenteou à saida de Lisboa) fui apanhado de surpresa pela quantidade de indianos de turbante que voavam comigo no gigantesco 747 em direccao a Nova Delhi. De facto, se voar ja me assusta um bocadinho, ir num aviao daquele tamanho, rodeado de senhores de turbante na cabeca e sentado ao lado de uma indiana com uma crianca de meses e a berrar com febre, ainda para mais a ser consolada por um mais do que apenas “maricas” hospedeiro da Lufthansa (que infelizmente tambem me adorou), ainda me deixou mais aterrado. Felizmente, algumas horas sem dormir (tive, como sempre, a ma fortuna de ir na fila dos bancos nao-reclinaveis) e zero torbulencia depois, o nosso meio de transporte aterrava em Nova Delhi, permitindo-me (e ao gang ds turbantes) finalmente esticar as pernas e cheirar um pouco do terceiro Mundo.

Fala-se portugues em Delhi

O meu amigo Constantino Xavier apanhou-me no aeroporto e partilhou comigo, ate sua casa numa zona residencial da cidade, a marvilhosa sensacao que é a da viagem pela cidade do pais em desenvolvimento (nao quero ofender ninguem com a expresso “terceiro Mundo”, embora talvez fosse a mais adequada): sinalizacao inexistente (des)regulava o compasso descontrolado de camioes gigantescos, carregados de agua, lenha, bilhas de gas a cair pelas bordas, o ar pesava quente e empoeirado e infiltrava-se, junto com a poluida atmosfera da metropole, nos meus pulmoes. E, apesar desta aparentemente desagradavel descricao, aquela viagem pela escura noite dos arredores de Delhi num taxi desengoncado, trouxe-me a enorme sensacao de liberdade, ajudada pela brisa fresca que corria pelo sujo vidro meio aberto.

Uma noite de 4 horas levou-me a acordar estremunhado as 8 da manha, correspondentes a menos quatro horas e meia em Portugal para me meter no banco de tras da scooter do Constantino e ir passear pelas avenidas da cidade.

Temos portanto, por entre o ensurdecedor ruido de milhoes de buzinas de scooter, carros, taxis e camioes, um portugues acordado de madrugada, a passear sem capacete no banco de tras de uma scooter por entre as avenidas de Delhi, rodeado de gente, a pe, de bicicleta, de transportes, deitada, sentada, a cortar o cabelo, a vender fruta, a dormir, a pedir, a recolher lixo (sem sucesso) ou simplesmente a existir, em mais um sabado de uma manha indiana.

A dada altura, esse portugues olha para o reflexo desfocado da sua cabeca no capacete do amigo que o conduz e pergunta-se, mentalmente (senao, nao ouvia) e verdadeiramente intrigado: “Quem é este louco?”, apenas para descobrir que esse alguem era ele proprio, e que ha muito que nao sentia tamanha felicidade, talvez desde a ultima vez em que cheirara e sentira o cheiro daquelas existencias marginais e o bater das cidades que se movem por subsistencia e nao por prazer.

Infelizmente, um refastelado policia tinha uma opiniao parecida sobre o portugues, nao hesitando em saltar do seu banco a sombra da bananeira para o multar por falta de capacete, tendo no entanto a simpatia de reduzir a multa para metade do valor, fazendo assim desaparecer dentro do seu bolso o recibo por passar.

Fiquei portanto a saber que andar sem capacete em Delhi custa o mesmo que pouco mais que um bilhete de metro em Lisboa. Sai barato portanto. Tao barato, que pelos vistos nao rende ao policia multar os restantes milhoes de infractores daquelas largas avenidas, por exemplo por excesso de velocidade, buzinas, inversoes de marcha, marchas-atras indevidas, falta de matricula, falta de revisao, inexistencia de tubos de escape, excesso de carga, excesso de passageiros ou apenas conducao em sentido contrario ou ultrapassagens indevidas.

Seja como for, estava quase na hora do aviao para Kathmandu, pelo que depois daquelas deambulacoes o Constantino la me conseguiu mostrar um gigantescto complexo patrimonio da Unesco, cujo nome ja nao recordo mas cujas estruturas magnificas e bem preservadas me perseguirao durante muito tempo, naquela que foi a minha amostra cultural nas duas horas que tive de uma India diurna.

De novo no ar

Mas o meu destino nao era Delhi. Lembro-me entao de apanhar o meu voo para Kathmandu, numa companhia low-cost indiana chamada “Air Sahara”. Sem duvida, o programa mais seguro do Mundo.

Meio ansioso pela espera e pelo voo que se avizinhava, tive ainda a infelicidade de estar a olhar para a porta de embarque quando o piloto entrou, testemunhando assim que quem iria comandar a minha vida durante as proximas duas horas era um gordo de turbante e barbas compridas. Era uma da tarde e tinha uma banana e dois copos de leite no estomago desde as 8 da manha, mas aquela imagem encheu-me de uma tal angustia que perdi o resto da fome que trazia comigo desde o fim da banana, engolindo a custo – motivado pelo devorar glutao do indiano ao meu lado – o caril de galinha que me serviram ja a bordo, num voo que se veio a revelar tao profissional como qualquer outro, isto é, sem o aviao cair comigo la dentro.

O meu caro colega de aviao merece aqui uma mencao especial, pela forma caricata como comia o seu pao com manteiga: bloco de manteiga inteiro em cima do paozinho, e ambos na mao esquerda. Depois, a direita rasgava um bocado do pao, outro tanto da manteiga, encarregando-se a enorme boca de bigode de abocanhar a estranha mistura, bem como o dedo engordurado.

Afinal, agora que penso, o voo nao foi la muito profissional.

La ao longe, Kathmandu

A meio do voo (felizmente, o tabuleiro do meu companheiro ja tinha sido levantado, apos ele devorar ainda a porcaria da galinha da sua magra mulher), vao surgindo colinas cada vez maiores, que a medida que os minutos passam se tornam em montanhas verdejantes, alteadas por casinhas e campos de arroz e cha nos seus vales, que se estendem a escassos metros do aviao. Um cenario magico, que anuncia a minha chegada aos Himalayas e deixa antever, la ao longe, um enorme vale plano pintalgado por uma amalgama de casas baixas. “Parece-me que estou a ver Kathmandu”, penso, sem realizar ainda o momento unico que estava a viver, depois de tantos anos a sonhar com esta palavra magica. Kath-man-du. Quem nao sonha com esta meca de templos, macacos, alpinistas e riquexos?

O aviao rasa perigosamente as montanhas e, quando (de novo assustado) penso que é desta que vai rocar nelas e despenhar-se no meio daquela beleza, o vale abre-se por inteiro e uma luz incandescente ilumina a extensao em todo o seu esplendor. Enquanto aterro, mal creio no que vejo. Uma cidade enorme espalha-se por entre um vale rodeado de gigantescas montanhas, como que protegido do Mundo e mostrando-se, magnifico, a quem o quer alcancar por ar.

“Kathmandu. Acabei de aterrar em Kathmandu!” repito-me, incredulo, observando com gozo e um sorriso cumplice as caras estarrecidas dos outros turistas, igualmente deliciados com a sua presenca naquele local, com a sua existencia naquele momento.

Depois, ligo o telemovel 93.
Sem rede.
O 91.
Sem rede.

Tenho os telemoveis sem rede. Estou no meio de uma cidade asiatica, rodeada pelos Himalayas, num pais de terceiro Mundo e sem conexao a casa, a minha familia, aos meus amigos, as minhas raizes. Estou sozinho comigo.

Ha quanto tempo nao estava?

O Far-West

No aeroporto sou completamente aldrabado no cambio de dinheiro e apanho um taxi para o bairro de “Thamel”, guetto pre-meditado dos turistas de Kathmandu, atolado de hoteis, restaurantes, lojas, livrarias e restaurantes. Nao e propriamente o que se espera da capital do Nepal, mas os milhares de montanhistas e curiosos que anualmente vem aqui em busca de 8 das maiores montanhas do Mundo tem de ficar alojados algures.

Alias, o conceito nao é, em si, errado: apos as vielas estreitas e sujas dos arredores - onde as cenas do dia-a-dia se repetem como em Delhi, com as mesmas buzinas, transito, vendedores e deambulantes, mas num cenario microscopico e por entre casas pequenas e atoladas de gente - surge um bairro mais limpo onde todos os viajantes se concentram, uma especie de quartel-general a partir de aonde cada um se aventurara em busca dos recantos da cidade ou dos encantos da montanha.

Thamel tem as ruas limpas, mas mantem os sons e o cheiro indisfarcaveis de Kathmandu, e apesar de nao adorar estar rodeado de gente loira quando supostamente vim em busca dos Himalayas, reconheco que este é apenas um recando da cidade, onde vou apenas dormir e talvez comer. Gasto ainda muita energia a afugentar chatos que vendem hoteis, refeicoes, tours e conversa, numa luta diaria por um turista, ja que a vida nao é facil para os lados do Nepal.

No terraco do hotel em que me alojo, discuto com dois simpaticos nepaleses de uma agencia de viagens a minha expedicao as montanhas e ao Tibete (onde nao se pode entrar sem ser com uma agencia). Sao cinco da tarde e um sol alaranjado que se esconde atras dos montes enormes ilumina o lento escurecer da cidade, cujos templos e telhados vejo confortado por um cha nepales, quente companheiro contra o frio que entra lentamente.

Sao 9 da noite e escrevo, como ja escrevi no meu caderno e como sem duvida o meu cerebro escreveu nele proprio, para que o meu dia entre os escapes de Delhi e as montanhas de Kathmandu nao se perca para sempre.

Quando sair deste cyber-café vou jantar qualquer coisa, ver se ha por ai gente a solta, e dormir descansado, sonhando com a realidade que se esconde – por certo – por detras das muralhas de Thamel: amanha, espero perder-me por entre as vielas desta cidade historica e sentar-me a procurar as montanhas por entre os telhados dos templos do centro da cidade.

Amanha é outro dia, e eu vou estar ca, em Kathmandu, acompanhado de mim mesmo e imensamente feliz com o momento que vivo.

Friday, October 27, 2006

Amanhã à hora do jantar...


...estou a ver Cabul do ar!

Off to the Himalayas.

Wednesday, October 25, 2006

AM/FM

Os (The) Gift não deram espaço ao seu AM, que esconde uma verdadeira pérola chamada Wake Up. Algo triste. Boa, para esta hora sonolenta, enquanto faço a mala. Isso sim, algo feliz!

Tuesday, October 24, 2006

Viagens ao Passado

Entrei, encharcado que nem um pinguim, no carro, seguido pela minha ágil avó, a quem ía levar a casa depois de um jantar simples connosco em nossa casa.

Perguntei-lhe, como quem não quer a coisa, por entre os guinchos pausados de um limpa-pára-brisas bem usado: "A avó, independentemente do muito que ainda tem pela frente, foi feliz?"

Repondeu-me, imediatamente e com um sorriso nostálgico, como fora feliz, como é feliz e como viveu alegremente todos os anos da sua vida.

Eu não estava satisfeito, ainda:

- Mas se pudesse mudar alguma coisa, mudava?

- Nada filho, não mudava nada. Mas tinha tirado um curso. É tão importante ler, estudar. Matemática, cultura..a cultura é fundamental..não há nada melhor do que estar numa conversa e compreendê-la.

Não há nada melhor do que estar numa conversa e compreendê-la.

De facto, é extraordinária a simplicidade com que as pessoas mais velhas - quando inteligentes - definem os termos mais complexos.

Achamos que a cultura serve para nos entretermos, para sabermos mais, para a debitar, para com ela procurarmos ainda mais, para fazermos dinheiro, para tantas coisas..e no fundo a cultura - o conhecimento - é apenas uma ferramenta de comunicação como qualquer outra.

Não há nada melhor do que estar numa conversa e compreendê-la.

Saturday, October 21, 2006

Não desilude


Começo por dizer que não faço ideia do significado da expressão "Nux Vomica" em português e que, desta vez, não tive paciência para ir à procura na net.

Seja como for, depois de perder três elementos e ganhar dois, os The Veils apareceram o mês passado com este segundo cd, tão bom como o primeiro.

Isto significa que, da banda que compôs o grande cd Runaway Found - conhecido pela maioria porque algum génio (não estou a ser irónico) da Optimus se lembrou de ir buscar "The Leavers Dance" para publicitar telemóveis - só sobra um elemento.

(Que coincidência: era o líder da banda)

A Radar, à sua boa maneira, já se antecipou ao comum mortal tuga e roda ininterruptamente One Night on Earth, que nem sequer é single - obrigado Radar.

(Dediquemos, aliás, um pequeno parágrafo a publicitar a Radar - 97.8 FM - Almada, Lisboa, Setúbal!)

Como não sou crítico de música, não vou dizer mais nada: há uma certa mania de transformar música em palavras, que não abona nem em favor da música, nem em favor das palavras.

Friday, October 20, 2006

Pequena reflexão sobre a miséria humana

“Passo, de táxi, por uma estrada de poeira nojenta e questiono-me como podem estes seres humanos viver nestas condições: cabanas de madeira construídas sobre palafitas debruçam-se descascadas sobre um esgoto aberto, numa mistela podre de lama, chuva, lixo e dejectos humanos. Esta gente é suja, veste farrapos e parece arrastar os corpos desfeitos pela sujidade do seu mundo. Que horror. Que nojo. Ainda bem que não vivo aqui. Será que falta muito para chegar ao hotel? Estou cheio de fome. Isto não são pessoas, são bichos. As pessoas não vivem assim.”

Excerto de uma mente comum (e imaginária) e, hipoteticamente, até bem intencionada, não se apercebendo de que ao negar a Humanidade a outro da sua espécie está, automaticamente, a tornar-se ele próprio no mais elementar dos animais.

Wednesday, October 18, 2006

Sunday, October 15, 2006

Linguísticas

Acabei de me aperceber disto e não queria deixar passar em claro, porque tem piada como às vezes a linguagem acompanha, tão bem, o significado das coisas.

O que é uma namorada, quando não há amor? Não é nada..

E agora, linguisticamente:

Namorada - Amor = N[amor]ada = Nada

Nada disto teria acontecido se o meu amigo Lassie_G não andasse com uma gaja de quem não gosta, donde me surgiu esta aparição.

Assim, obrigado a Lassie_G e boa sorte à N[amor]ada dele..

A Experiência Cultural

Hoje passeava-me pelas ruas de Lisboa num fim de tarde já a entrar no frio ameno do Outono, por entre uma luz densa e já decrescente, vultos na calçada, casacos escuros, luzes de sinais e fumos de chás, cigarros e castanhas, quando me cruzei com uma expressão de entusiasmada curiosidade, já a caminho do que se poderia definir como estupefacção.

A dona desse trejeito facial - ou, não a dona, mas a intérprete naquele momento (e, mesmo assim, talvez fosse dona, já que a sua expressão era única, indefinível com palavras e irrepetível) - olhava para uma panela de castanhas onde estalavam, já bem assadas e por entre o brilho incandescente das brasas, algumas doses prontas a sair.

Apesar do entusiasmo com que vejo os primeiros vendedores de castanhas a invadir as ruas da cidade, oráculos pontuais do frio encasacado do nosso Outuno, hoje já tinha passado por alguns, de maneira que aquele vendedor não me despertou, especificamente, nenhum interesse na minha vadiagem ocasional.

Em antítese, aquela mulher – jovem (e bem gira) turista - parecia ver, na banalidade de uma tosca panela de ferro fluorescente e a estalar, a avassaladora experiência da Novidade.

Pensei, já depois de uma curta mas intensa observação da cena (que não era Cena nenhuma, visto que não houve interacção entre ninguém – nem sequer entre a mulher e o vendedor – e esse Acontecimento só existiu, fora da cabeça da mulher, na minha), quão simples é a satisfação de um viajante que viaje observando.

De facto, para aquela mulher, castanhas a assar são algo, não só inédito, mas também especial e fora do comum. Talvez como pernas de rã grelhadas num mercado vietnamita para mim, se eu não as tivesse já viste cem vezes em programas de televisão sobre viagens.

Isto é, o mais básico dos excertos da realidade pode tornar-se numa experiência cultural intensa, desde que assuma, para um dado observador, a condição de ser uma inesperada surpresa (e ainda mais se este a encarar como uma cena recorrente do dia-a-dia do local que visita).

A expressão daquela mulher encheu-me de alegria por nela ver o entusiasmo de um momento de forma alguma pré-formatado, previsto nos livros ou feito para ela. Não: aquilo estava a acontecer na banalidade do dia-a-dia e ela não necessitou que lhe chamassem a atenção para isso – simplesmente deixou que o momento se construísse e tirou partido dele.

Quantas vezes procuramos com avidez – em viagem e em casa – viver experiências diferentes, procurando desesperadamente agarrar os momentos, tantas vezes já com expectativas às quais queremos corresponder. E, quando esses momentos ocorrem, a alegria que sentimos raramente é isenta de alguma desilusão, porque um pouco do que vimos e vivemos é fruto de uma procura pré-meditada e, muitas vezes, é igual a um relato que já ouvimos ou uma imagem que já vimos.

Ela ía a passar na rua, no Chiado – provavelmente em busca de um café na Brasileira do qual já ouvira falar e que sem dúvida lhe soube bem, ou dos Armazéns do Chiado, ou da Igreja dos Mártires – e, quando menos esperava, uma panela de castanhas encheu-lhe a mente, de forma inesperada e ofuscante, pelo menos durante breves segundos, de todos os restantes objectivos dela para aquele fim de tarde.

E – quando concluí este raciocínio já eu tinha chegado à FNAC, uma centena de metros mais longe – se o que eu penso que ela sentiu foi efectivamente o que ela sentiu, o meu próprio dia ganhou outra alegria, porque eu próprio fui personagem principal de um Momento (de uma Experiência Cultural), em que eu era o Observador e a Mulher era o acontecimento.

Quem sabe, aliás, se alguém que passava não viu a minha cara satisfeita enquanto raciocinava pela Rua Garrett abaixo, não conjecturou o que me fazia tão feliz e não se tornou ele próprio num Observador.

Se assim for – e eu acho que assim foi e assim é, todos os dias em todos os momentos – os nossos sentimentos individuais não são senão reacções a estímulos dos Outros, também eles interligados, num jogo de influências em que somos todos actores indissociáveis uns dos outros e das Cenas da vida.

E, ainda mais intrigante, esses estímulos podem ser totalmente diferentes do que nós pensamos que eles são – se calhar a mulher estava a olhar para uma montra de uma loja e não para o homem das castanhas, por exemplo, ou se calhar a expressão na cara dela era de monotonia e fui eu que ali vi espanto – tornando portanto a Realidade que vivemos entre todos em algo que, no limite, pode ser totalmente – não diria falso, mas, pelo menos– diverso do que poderia ter sido, se soubéssemos interpretar correctamente tudo o que nos acontece.

E assim penso, rendido às evidências, que por mais que pense nunca vou compreender nada do que Acontece, razão pela qual cheguei à FNAC e voltei para trás, não fosse eu dar por mim no Castelo de São Jorge ainda entretido com o labirinto que é a Razão da Vida.

Free Hugs

Vale a pena ver isto...castiçada ou videoclip?

Saturday, October 14, 2006

Tunng's Pioneers


Tudo começou quando rodei a chave de casa e, do meu quarto, saía algo parecido com uma versão sonhadora da "Pioneers" dos Bloc Party. O que era aquilo? O que fazia no meu quarto aquela melodia tão familiar vista por um ponto de vista tão diferente?

Mais uma vez, o meu irmão, após o enésimo episódio de OC, desencantou mais uma banda especial: Tunng. Agora, não consigo parar de ouvir - nem o cover que ofereceram aos Bloc Party nem o resto dos dois cd's.

Como sempre: direitinhos do Reino Unido.

Wednesday, October 11, 2006

Os detectives (de) pombos

Não podia haver nome mais estúpido para uma banda. Era impossível. Mas isto, mais uma vez, soa bem. É bom! Um bocadinho à Clash, um bocadinho do rockzinho que por aí anda. Um bocadinho de tudo.

Com estas influências (assumidas em http://www.myspace.com/thepigeondetectives), surge uma evidência - isto NÃO podia ser mau:

The Beatles, The Kinks, The Velvet Underground, Jimi Hendrix, Oasis, Led Zeppelin, The Small Faces, The Strokes, Blondie, The Smiths, The Stone Roses, Cream, Elvis Presley, Chuck Berry, Robert Johnson, Nirvana, Television, Rufus Wainwright, Jeff Buckley, The Rolling Stones, Little Richard, The Who, Blur, Graham Coxon, David Bowie, The Hollies, Bob Dylan, The Buzzcocks, The Clash, The Walkmen, Bob Marley, The Specials, Iggy and the Stooges, Syd Barrett, Stevie Wonder, Radiohead, The Verve, The Beach Boys, Love, The Doors, Joni Mitchell, Bert Jansch, Nick Drake, Kings of Leon, The Cure, Muddy Waters, T-Rex, Buddy Holly, Modern Lovers, The Libertines.

Seja como for: The Pigeon Detectives . . .


. . . que me apareceram no computador não se sabe bem como...se calhar ouvi na Radar, esperei que dissessem o nome e fui sacar..se calhar ouvi na Radar, ouvi uma parte da letra, procurei na net, vi que banda era e fui sacar..se calhar vi numa banda sonora de um filme e fui sacar..se calhar eram considerados uma banda semelhante a outra qualquer e, por curiosidade, fui sacar..se calhar ouvi 30 segundos de uma música no Amazon e fui sacar..se calhar fui parar a um artigo sobre eles no Wikipedia e fui sacar.. não me lembro mas. . .

. . . ainda bem que saquei isto!!

Monday, October 09, 2006

No fundo, o que interessa é aquilo soar bem..

"Further muddying the waters of the technical definition of "indie" is the fact that independence from major labels and independence from market-driven commercialism are not always correlated. For a time in the late 1990s, three of the most successful artists in the UK indie charts were *NSYNC, the Backstreet Boys and Britney Spears. All three were signed to Zomba, which was technically an independent label at the time. (Zomba has since become part of major label Sony BMG.) In contrast, there have been a small number of notable artists (Pulp, Morphine, Built to Spill and The Flaming Lips, among others) who have maintained considerable creative independence and won critical acclaim whilst signed to major labels.

Dirty Pretty Things


Given all of this, many think that the term indie rock will soon go the way of the term alternative rock. However, as has been mentioned, in the early 1990s the term alternative rock became a marketable commodity due to the success of grunge and 80s alternative groups such as U2 and R.E.M., essentially and paradoxically making alternative rock no longer alternative but mainstream. The beginnings of a similar trend have happened to indie rock in the past few years. A number of the more popular indie acts have found commercial success, leading record executives to show an interest in marketing the term. Therefore, the term indie rock oftentimes no longer refers to rock made by groups recorded by independent labels, but rather a style that can be marketed just like any other style. This is paradoxical, as the term indie was intended to refer to music produced by independent labels, not a definite style. To quote music journalist Ryan Gillespie, "But if they are indie, then what are the truly independent to be called? If indie-oriented labels are continually being sucked up into the mainstream, who will be the avant-garde? Who will push the boundaries of pop music and how will it ever be discovered amid the clamor of major and major-owned minors with deep pockets? Will you and I be able to cut through the label hype to find truly independent music to support?""

http://en.wikipedia.org/wiki/Indie_rock