Devido ao que presumo ser um erro de concepcao - uma daquelas infelizes mal-formacoes geneticas, como nascer com tres olhos, ou sem uma mama - ha sempre um ou outro pequeno detalhe que me impede de ser totalmente feliz.
Neste momento, o stress é uma tipa da minha empresa que por azar tambem foi mandada para Singapura e que, como eu, veio para ca sem conhecer ninguem. O problema é que, ao contrario de mim, ela está convencida de que nós, nao só somos amigos, como somos daqueles amigos para quem a concepcao de "um dia feliz" nao faz sentido sem ter o outro ao lado.
Nada disto seria muito problemático num cenário com um numero apenas razoavel de coincidencias, mas neste caso as cartas estao todas nas maos dela, porque nao só fazemos parte do mesmo Programa Internacional na empresa, como vivemos a 10 metros um do outro no mesmo prédio e - isto continua - trabalhamos no mesmo andar e para o mesmo chefe!
Se eu fosse um grande filho da puta - que nao sou - conseguia dar a volta a isto tudo com um ou outro grunhido de cada vez que ela me viesse convidar para almocar, jantar, tomar o pequeno-almoco, beber um café, sair a noite, ir as compras ou jogar tenis ("Sai daqui!"), mas quis o meu infortúnio que ela e eu herdássemos o grupo de amigos por intermédio de uma amiga comum (tambem do nosso programa), pelo que, nestas primeiras semanas, planear algum tipo de interaccao social sem ela acaba sempre na desagradável surpresa de i) ela tambem vir e ii) ela saber que eu nao a convidei para ir.
Obviamente ela ainda nao percebeu nada disto, e continua a desafiar-me para um sem numero de programas, que infelizmente revelam a concepcao de "uma vida a dois - tu eu" com que ela está a construir a sua estadia em Singapura na sua cabeca.
- Deviamos ir ao Vietname no proximo fim-de-semana comprido! (Deviamos?)
- Ao Vietname? Ah. É giro? (Como se eu nao soubesse tudo sobre o Vietname e nao estivesse doido para la ir sem ela)
- É! Nao sabias? Hanoi é brutal! Podiamos ir sexta a noite e voltar domingo a tarde, ja vi uns voos baratos.. (Podiamos?)
- Ah sim, sao baratos? Mas ouve lá, aquilo por lá tá um bocado calor a mais nao ta? (Nao so a tentar desviar o tema dos voos, como a tentar explicar que o Vietname nao é água para o meu copo. Nao está calor nenhum no Vietname.)
- Achas que sim! Está optimo. Mas ouve, a alternativa era irmos ao Laos. (Irmos?)
- Ah sim, acho que o Laos é giro. É um bocado longe. (A tentar repetir a estratégia). Eu se calhar vou ficar cá sabes? (A tentar nao só mostrar que nao a incluo nos meus planos, utilizando a primeira pessoa do singular, como a mostrar-lhe que vai ter de viajar sem mim)
- Ah sim, ficar ca tambem era giro, fazemos uns passeios pela cidade, ou assim! (Definitivamente nao está a compreender o meu enfado)
- Pois acho que isto é giro por aqui. Tambem sou capaz de ir visitar um amigo meu a Shanghai (Obrigado por existires enquanto desculpa, Tó.)
- Ah que giro! Adorava ir a Shanghai. Ainda por cima se temos lá casa, ainda melhor.
Foi nesta altura que fingi que estava a engasgar-me com um golo de café e mudei o assunto para a temperatura do café em Singapura - inventei uma barbaridade qualquer que relacionava a temperatura do ar com a do café, de tal forma inconsequente que ela compreendeu que já nao havia lugar para mais Razao naquela conversa e voltou para a secretária.
Isto está-se a tornar um bocado desagradável porque acontece todos os dias. Convites para almocar, convites para jantar, convites para sair.
Dia 1:
- Did you have lunch yet?
- No.
- Do you wanna go now?
- Ok
Dia 2:
- Did you have lunch yet?
- No
- Do you wanna go now?
- Hum actually I'm not hungry..
- Ok, I'll be back in 30 minutes and we go ok?
- ...Ok
Dia 3:
- Did you have lunch yet?
- No.
- Do you wanna go now?
- No. Actually I'm in a hurry. I'll just grab a sandwich.
- Ah ok! Well me too, then! Let's go.
- ..Ok.
Dia 4
- Did you have lunch yet?
- No.
- Do you wanna go now?
- No
- Oh. Ok. 15 minutes?
- No.
- So when?
- I don't know. I'm not very hungry.
- Do tell me when you wanna go.
- Well maybe I won't have lunch today you see..
- Ah really? You're not hungry?
- Not yet.
- Ok. Tell me when you go, and we go.
- ...Ok
Dia 5:
- Did you have lunch yet?
- No
- Do you wanna go now?
- No I can't, I'm on a hurry.
- Ah me too, let's just grab a sandwich.
- No, I really need to finish this. I'll go later.
- A sandwich is really quick. Come, let's go! You need to eat something.
- I really can't!
- Actually I'm not very hungry either.
- Ok.
- Look, when you finish that, let me know and we'll go.
- I might not finish until four..
- Ok, come by my desk at four and we'll go for a sandwich.
- ..Ok
Dia 6
- Heyy, hung over from the weekend?
- Yeah...
- That was fun huh?? I had a lot of fun!
- Yeah, was good fun..
- So, did you have lunch yet?
- No
- Let's go?
- No.
- Why not?
- ...
- ...
- ...
- Ok tell me when you wanna have lunch and we go
- ...
- ...
- ...
- Ok, see you later!
Ela nem é necessariamente desagradável ou antipática, até é uma pessoa - excluindo o facto de falar demais e sem fazer perguntas, isto é, expor os seus pontos de vista sem querer saber os meus - relativamente adorável; se nao quisesse estar comigo todo o tempo até podiamos ficar amigos e fazer alguns programas, mas esta dependencia dela anda-me a matar. Tenho sérios problemas quando alguem depende emocionalmente de mim, e se é alguem por quem eu nao sinto o minimo afecto, a coisa comeca-me a desequlibrar o estado de espirito, porque fico sem maneira de escapar. Hoje apareceu-me a secretária as 6:30, como de costume:
- Heeey
- Hi. (Nesta fase do campeonato, geralmente ja so lhe falo como monossilabos)
- I'm going home..
- Ok.
- Hey give me a call when you come home. (Eis o eterno desejo das mulheres solitárias de construir artificialmente aquilo que mais se aproximar de uma vida em conjunto. Como se vivermos no mesmo predio nos fizesse viver no mesmo apartamento)
- Why? (Acho que, à excepcao de quando fui directamente rude, nunca tinha sido tao antipatico com ninguem)
- Well...we can have dinner or so.
- Well I'm not gonna eat tonight. (Que barbaridade.)
- No?? You are not eating?? Well perhaps we can hang out after dinner then..
- Ah yeah..well you know, actually, I'm going out with Pete and Kate..
- Oh cool! I'd love to go out.
- Oh. Well. (O Pete e a Kate sao os nossos amigos comuns). Why...ahm...(merda, tou encurralado)..why dont you come?
- Yeah, awesome! Should I be at your place by ten or so?
- Oh..well, why don't you call Pete? He's organising (esta jogada de mestre transfere sub-conscientemente para o Pete a responsabilidade de ir sair a noite com ela, apesar de eu tambem la estar enfiado no grupo e apesar de eu e ela partilharmos o mesmo táxi)
- Ah perfect! Well, see you later. Give me a call for dinner!
- I won't have dinner!!
- Ah ok..well give me a call after, then!
- ...
O problema nisto tudo é que nao estou bem a perceber como me vou escapar disto. Por exemplo este fim-de-semana queria-me pirar para a Indonesia mas nao consigo ir sem lhe dizer nada, porque teria sempre de dizer ao Pete, que é o meu bom amigo por cá, e ela e o Pete tambem sao bons amigos, e se eu disser ao Pete sem lhe dizer nada ela vai ficar muito chateada e nunca mais me vaiquerer...ver a frente...
...isto afinal..é capaz de nao ser assim tao má ideia.....
...vou-me mas é enfiar num ferry para a Indonesia amanha...é isso ou ir tomar o pequeno-almoco com ela..porque me vai bater a porta ao meio-dia...
Bom. Tá a tocar o telefone. Quem será?...
... Bom, tinha que ser, nao é.
Que chata pá.
8 comments:
Mataste-me de riso com isto.
Não somos assim tão complicadas. Não é ser antipático. Diz-lhe só que é um guys weekend. Assim não tem como entrar no programa.
Que maravilha!!
Espero que a maioria já tenha sentido isto porque é do caralhão rirmo-nos mais tarde
hahahahaha
Cum caralho nao paro de rir
LOL
Diz-me que inventaste tudo!! Que medo!!!!!!! Essa mulher mete medo, mesmo muito medo!!
Ah, também me parti a rir!
Mas inventaste, certo?
lol
Que risada!
Epa manda-te po Vietname e para Laos e pronto. Se ela perguntar dizes que tiveste uma emergência qqr e tiveste que ir a outro sitio qqr. Nada de mórbido de preferência...
Espero q i)ela não saiba da existência deste teu estaminé ou ii) não perceba patavina de português. lol
"- Why? (Acho que, à excepcao de quando fui directamente rude, nunca tinha sido tao antipatico com ninguem)
- Well...we can have dinner or so.
- Well I'm not gonna eat tonight. (Que barbaridade.)"
Genial!!!
Que saudades destas minhas enormes gargalhadas... Obrigado
Abraço e boa sorte nesta nova vida a dois
:) O Vietname é mesmo fabuloso. E grande o suficiente para que ela não te descubra.
As tampas subtis nunca resultam :)))
parece que se fosse boa de todos os dias, nao haveria tanta resistencia...
right?
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