Tuesday, July 15, 2008

Growing new skin



Hoje estava num ferry que sai do centro de Sydney para um suburbio de praia fora do porto, chamado Manly, e, quando passavamos pela Opera House, que tenho visto todos os dias nas minhas deambulacoes pela cidade, fiquei pela primeira vez indiferente perante tao magnifica construcao. 

Na realidade, nao era a beleza do edificio que me tinha chamado a atencao das vezes anteriores, mas o facto de estar la e de, estando la, eu estar a ve-lo, o que provava o improvavel, que era eu tambem estar la (ou ca).

Passaram-me pela cabeca - nesse momento em que o meu ferry ganhava uma certa velocidade que ja me pedia para fechar o casaco no frio fim de tarde austral - inumeros momentos em imensos sitios diferentes em que o facto de estar em lugares unicos nao me estava a provocar nenhum sentimento de emocao especial, antes, pelo contrario, manifestando-se provocativamente obvios.

A verdade e que, mesmo que passar de ferry pela Opera House (ou sair uma vez por semana na estacao de metro "Colosseo" em Roma, ou ter um quarto com vista para o Cairo, ou acordar todos os dias durante uma semana num barco no meio da Amazonia, ou beber durante cinco fins de tarde um copo com vista para os Himalayas) seja um acontecimento marcante para quem vive em Portugal (ou em qualquer sitio longe desses ou outros lugares), esse acontecimento so sucede porque a pessoa que o vive esta nesse momento em Sydney. E, sabendo a pessoa (neste caso, eu) que esta em Sydney (ja que nao vim ca parar por nenhuma teletransportacao inesperada), passar de ferry pela Opera House torna-se, as tantas, tao obvio como apertar os sapatos de manha (no meu caso, empurrar os atacadores para debaixo dos pes) ou beber um copo de agua.

Isto nao desmistifica de maneira nenhuma a beleza que e a Opera House e o espectaculo que e estar a viver em Sydney. Mas, pensava eu hoje, prova que ha um certo egocentrismo nas reaccoes quando se esta fora de Portugal, a viajar ou a viver.

Nao aquele egocentrismo narcisista e sensual, mas antes um egocentrismo na linha do geocentrismo ptolomeico ou do heliocentrismo coperniano.

Basicamente (e neste momento o ferry ja atracava em Manly e eu saia calmamente em direccao a um fim de tarde numa praia espectacular a 20 minutos de Sydney), a realidade mental de uma pessoa adapta-se ao lugar onde se esta e molda-se as caracteristicas do lugar, de tal forma que passar pela Opera House nao provoca qualquer tipo de reaccao fora do comum.

A Opera House aqui, para alem da obvia maravilha que e, representa sobretudo a prova de que se esta em Sydney, e e especialmente nesse contexto que eu me refiro a ela - como simbolo de Sydney.

Chamo a isto egocentrismo porque o reconhecimento deste sentimento opoe-se a uma crenca que muitos de nos temos antes de sair do nosso pais durante um periodo de tempo consistente, que e o de que nos somos a nossa casa e tudo roda a volta dessa realidade original. Ao sair desse casulo, comparamos as realidades que estamos a v(iv)er com a nossa casa, e deixamo-nos espantar infinitamente, porque tudo nos parece longinquo, mesmo estando a frente dos nossos olhos.

Eu chamaria a esta crenca (ou esta postura ou sentimento) algo como casa-centrismo.

Ao assumir uma identidade independente desse casulo original, colocamos a responsabilidade do nosso corpo no preciso local em que ele se encontre a determinado momento. Isso desvanece em enorme medida o nivel de comparacao que fazemos com a nossa casa original, colocando o Presente (e nao o Tradicional) no centro do Momento.

Pode parecer que esta postura (que, ja agora lembro, nao e proactiva em mim, mas simplesmente se manifesta sem eu a controlar) tira a piada a viajar e conhecer novos lugares. Esse foi um pensamento que me assustou durante alguns momentos.

Mas depois reparei que, pelo contrario, aperceber-me desta realidade me transforma numa pessoa muito mais maleavel e dinamica, mais movel, mais fluida, mais confiante em todo o lado.

O egocentrismo (no contexto que acabo de tentar explicar) coloca-nos no centro da nos mesmos, facilita a nossa integracao em qualquer lugar do Mundo e favorece o nosso respeito pela nossa casa e pelas nossas raizes porque, quando nos apercebemos de que estamos bem em qualquer lado onde estejamos, comecamos a questionar o Porque de, na realidade, continuarmos a achar que Casa e o melhor sitio do Mundo.

Quando, como e o meu caso, encontramos mil e uma razoes para continuar a gostar de Casa, estando a ver baleias na Patagonia ou a ver Canallettos em Veneza, relaxamos confortaveis no nosso egocentrismo, sentimo-nos contentes no Porto de Sydney e sabemos que, corram as coisas mal ou bem, ha sempre uma Casa.

E com esta conclusao finalmente estruturada na minha cabeca, relaxei-me ainda mais na viagem de regresso a Sydney, pousei o Midnight's Children no banco, e absorvi com uma nova emocao os ultimos raios de sol que desapareciam, alaranjados, por detras da Ponte de Sydney e dos seus enormes arranha-ceus, enquanto o ferry se aproximava, devagarinho, de mais uma noite.

3 comments:

Raquel said...

Bela e reconfortante descrição da miríade de (aparentes) paradoxos que pode surgir, sempre que a memória e a descoberta confluem.

柳 绅 龙 said...

Deixa te de passeios e vai ai conhecer a noite de Sydney...
"Ruby Rabbit" - Oxford Street Darlinghurst, logo a seguir ao Taylor square.
Probabilidade eh pouca que ainda sobre quem tenha la trabalhado comigo, pois ja la vao mais de 2 anos, mas ficas aa saber onde passei os melhores 3 meses da minha vida!
Abr.

Maria Strüder said...

Meu querido essa agitação não desapareceu acomodou-se. Casa não é o nosso lar... e essa agora é a tua casa daí o sentimento de novidade estar calmo, mas não morto.