Hoje tive de sair a correr de uma livraria.
Tem cinco andares – cobertos de alcatifa que amortece os mesmos passos que, na pressa da manha, marcham anónimos no chão duro do metro – e já era a minha preferida quando soube que era a mais antiga de Londres.
Vindo do vento frio que chega da costa até à mais movimentada rua da cidade, desamarrei o cachecol do pescoço, passei rapidamente pelo andar da entrada, dedicado exclusivamente a todos os livros de viagens alguma vez escritos desde o principio dos tempos, e dei por mim no andar que inclui – o Universo? – Literatura contemporânea e clássicos. Obviamente, é um andar perigosíssimo para o equilíbrio mental de qualquer pessoa, mas na altura eu estava pouco consciente disso.
Comecei a descer a lista por ordem alfabética abaixo.Byatt. “Byatt..Byatt..eu já ouvi este nome..” Possession, winner of 1990 Booker Prize. “Pois é! No fórum do site do Booker Prize estão sempre a dizer que este é dos melhores livros que já ganhou o prémio. Tenho de ler isto. Que é que esta gaja escreveu mais?”) E lá andei eu, por Byatt abaixo. B.., C..Coetzee.
(“Mais um prémio Nobel que também ganhou o Booker. Eh pá eu tenho de ler mais prémios nobeis, não posso andar só a ler clássicos. E Bookers. Tenho de ler os Booker e os nobeis todos. Que e que há aqui deste gajo?”) Disgrace, Age of Iron, In the Heart of the Country... (“Tenho de comprar isto um dia destes. Mas ainda nem li nada do Saramago ate ao fim! Merda. Pois é, haverá aqui Saramagos?”)
E corri ate ao S. P.., Q..., R..., S! Sallinger (“Sallinger não, não, não gosto deste gajo, mais dele não. Mas devia dar-lhe outra oportunidade. Vou ler mais dele quando tiver tempo. Tempo, tempo..”)..Saramago! Blindness (“Isto deve ser o Ensaio sobre a cegueira, tenho de ler isto..”), The Stone Raft, All the names, The year of the Death of Ricardo Reis..(“porra estes gajos tem tudo”)..Seeing, The Cave. (“Eh pá eu tenho que ler mais Saramago..tenho de ler mais prémios nobeis, ainda por cima este e português. Mas português já eu sei..eu devia era aperfeiçoar o meu alemão..Que e que há de prémios nobeis alemães?..Mann..Grass. Grass! Grass é bom!”)
E lá corri ate ao G, a procura de Gunther Grass. (“Bom..G.. o que é que há aqui no G..Grisham..não, já papei isso em puto..Greene..Greene.. Graham Greene.! Tenho de ler mais um livro dele”.)
Acabei há pouco tempo o meu primeiro Greene, The Heart of the Matter, e estou ansioso por me aventurar por mais livros dele abaixo. Há anos que estou para ler Greene, toda a gente que sabe do que fala, fala de Greene, e eu ainda só li um. Preciso de mais. Mais. Havia dezenas ali. Stamboul Train, The Quiet American, Our man in.. (“Basta de Greeene!, já li um, preciso de autores novos. Vamos lá ver o que é que há mais por aqui..”)..Kafka...(“mais não..hum..”) C.S. Lewis (“eu já ouvi isto nalgum lado..tenho de ler isto”)..Somerset Maugham, McEwan, Naipaul..(“Meu Deus há tanta coisa pá ler..eu tenho de ler isto tudo. Que e que estes gajos tinham do Maugham, nem reparei bem..”)...
..The Painted Veil, The Moon and Sixpence, The Razor’s Edge..(“eh pa eu ja li isto tudo..”), Of Human Bondage. (“Tenho de ler este. Vou levar isto. Mas e os outros? Não, não tenho tempo para ler este mês. Tenho de sair daqui!”).
Roth, Roy, Rushdie..(“Eh pá eu tenho de fugir daqui”). Swift. (“Será o Jonathan Swift?”) Graham Swift, Last Orders..(“Isto também e Booker. Tenho de ler isto. Não. Agora não. Rua!”)
Afasto-me das estantes relutante, ainda a olhar para trás, e salta-me uma citação aos olhos na capa tropical de uma respeitável edição. “The best book written in the last 50 years”, Salman Rushdie.
(“Só pode ser os Cem Anos de Solidão”)
One Hundred Years of Solitude. (“Cá esta. Tinha de ser este. Tshi já li tudo deste gajo. Que bom, adorava reler isto. Já agora, não vi os Steinbecks, será que estes gajos tem alguma coisa?”)
Voltei ao S. Steinbeck. Três edições de Of Mice and Men. Duas do East of Eden. E o resto estava lá todo. Quis levar tudo. Peguei em três Steibecks ao calhas. (“Pá isto é uma estupidez, tenho imenso que estudar e já lá tenho imensos livros pa ler em casa. Vou-me embora daqui, já são quase duas da tarde.”)
Rodei sobre mim, irritado com o passar do tempo, e comecei a subir as escadas. Não resisti e olhei para trás. E lá estava, quase esquecido, mas bem visível a bold: Classic Fiction.
(“Merda!!”). Tinha-me esquecido dos clássicos!
Andei num vai-não-vai, (“volto?, não volto?”), pé no degrau, pé de fora..
..(“Clássicos, vamos aos clássicos”).
Bronte..,Conrad,..., Defoe..,.. Dickens,... Dostojevski..,..
(“Chega!! Chega disto!! Eu tenho de ler isto tudo! Nunca abri um livro de nenhum russo! Tenho muito para ler e não há tempo nenhum para isto!”)
Olhei desesperado para as centenas de lombadas que me espreitavam de todos os ângulos, escuras, pretas, ocres, pesadas com a sabedoria que encerravam.. Shelley, Tolstoi, Robinson..
E saiu-me. Saiu-me com uma naturalidade que até a mim, naquela emoção acumulada, me espantou. Uma naturalidade crua e transparente, pesada como a realidade em que se vive fora do mundo magico da ficção:
(“Eh pá, eu tou fodido.”)
E sai dali para fora, entre a Beleza representada pela dimensão do Conhecimento que existe e a Frustração de nem o poder ter todo, nem de conseguir reter metade do que já passou por mim.
Tem cinco andares – cobertos de alcatifa que amortece os mesmos passos que, na pressa da manha, marcham anónimos no chão duro do metro – e já era a minha preferida quando soube que era a mais antiga de Londres.
Vindo do vento frio que chega da costa até à mais movimentada rua da cidade, desamarrei o cachecol do pescoço, passei rapidamente pelo andar da entrada, dedicado exclusivamente a todos os livros de viagens alguma vez escritos desde o principio dos tempos, e dei por mim no andar que inclui – o Universo? – Literatura contemporânea e clássicos. Obviamente, é um andar perigosíssimo para o equilíbrio mental de qualquer pessoa, mas na altura eu estava pouco consciente disso.
Comecei a descer a lista por ordem alfabética abaixo.Byatt. “Byatt..Byatt..eu já ouvi este nome..” Possession, winner of 1990 Booker Prize. “Pois é! No fórum do site do Booker Prize estão sempre a dizer que este é dos melhores livros que já ganhou o prémio. Tenho de ler isto. Que é que esta gaja escreveu mais?”) E lá andei eu, por Byatt abaixo. B.., C..Coetzee.
(“Mais um prémio Nobel que também ganhou o Booker. Eh pá eu tenho de ler mais prémios nobeis, não posso andar só a ler clássicos. E Bookers. Tenho de ler os Booker e os nobeis todos. Que e que há aqui deste gajo?”) Disgrace, Age of Iron, In the Heart of the Country... (“Tenho de comprar isto um dia destes. Mas ainda nem li nada do Saramago ate ao fim! Merda. Pois é, haverá aqui Saramagos?”)
E corri ate ao S. P.., Q..., R..., S! Sallinger (“Sallinger não, não, não gosto deste gajo, mais dele não. Mas devia dar-lhe outra oportunidade. Vou ler mais dele quando tiver tempo. Tempo, tempo..”)..Saramago! Blindness (“Isto deve ser o Ensaio sobre a cegueira, tenho de ler isto..”), The Stone Raft, All the names, The year of the Death of Ricardo Reis..(“porra estes gajos tem tudo”)..Seeing, The Cave. (“Eh pá eu tenho que ler mais Saramago..tenho de ler mais prémios nobeis, ainda por cima este e português. Mas português já eu sei..eu devia era aperfeiçoar o meu alemão..Que e que há de prémios nobeis alemães?..Mann..Grass. Grass! Grass é bom!”)
E lá corri ate ao G, a procura de Gunther Grass. (“Bom..G.. o que é que há aqui no G..Grisham..não, já papei isso em puto..Greene..Greene.. Graham Greene.! Tenho de ler mais um livro dele”.)
Acabei há pouco tempo o meu primeiro Greene, The Heart of the Matter, e estou ansioso por me aventurar por mais livros dele abaixo. Há anos que estou para ler Greene, toda a gente que sabe do que fala, fala de Greene, e eu ainda só li um. Preciso de mais. Mais. Havia dezenas ali. Stamboul Train, The Quiet American, Our man in.. (“Basta de Greeene!, já li um, preciso de autores novos. Vamos lá ver o que é que há mais por aqui..”)..Kafka...(“mais não..hum..”) C.S. Lewis (“eu já ouvi isto nalgum lado..tenho de ler isto”)..Somerset Maugham, McEwan, Naipaul..(“Meu Deus há tanta coisa pá ler..eu tenho de ler isto tudo. Que e que estes gajos tinham do Maugham, nem reparei bem..”)...
..The Painted Veil, The Moon and Sixpence, The Razor’s Edge..(“eh pa eu ja li isto tudo..”), Of Human Bondage. (“Tenho de ler este. Vou levar isto. Mas e os outros? Não, não tenho tempo para ler este mês. Tenho de sair daqui!”).
Roth, Roy, Rushdie..(“Eh pá eu tenho de fugir daqui”). Swift. (“Será o Jonathan Swift?”) Graham Swift, Last Orders..(“Isto também e Booker. Tenho de ler isto. Não. Agora não. Rua!”)
Afasto-me das estantes relutante, ainda a olhar para trás, e salta-me uma citação aos olhos na capa tropical de uma respeitável edição. “The best book written in the last 50 years”, Salman Rushdie.
(“Só pode ser os Cem Anos de Solidão”)
One Hundred Years of Solitude. (“Cá esta. Tinha de ser este. Tshi já li tudo deste gajo. Que bom, adorava reler isto. Já agora, não vi os Steinbecks, será que estes gajos tem alguma coisa?”)
Voltei ao S. Steinbeck. Três edições de Of Mice and Men. Duas do East of Eden. E o resto estava lá todo. Quis levar tudo. Peguei em três Steibecks ao calhas. (“Pá isto é uma estupidez, tenho imenso que estudar e já lá tenho imensos livros pa ler em casa. Vou-me embora daqui, já são quase duas da tarde.”)
Rodei sobre mim, irritado com o passar do tempo, e comecei a subir as escadas. Não resisti e olhei para trás. E lá estava, quase esquecido, mas bem visível a bold: Classic Fiction.
(“Merda!!”). Tinha-me esquecido dos clássicos!
Andei num vai-não-vai, (“volto?, não volto?”), pé no degrau, pé de fora..
..(“Clássicos, vamos aos clássicos”).
Bronte..,Conrad,..., Defoe..,.. Dickens,... Dostojevski..,..
(“Chega!! Chega disto!! Eu tenho de ler isto tudo! Nunca abri um livro de nenhum russo! Tenho muito para ler e não há tempo nenhum para isto!”)
Olhei desesperado para as centenas de lombadas que me espreitavam de todos os ângulos, escuras, pretas, ocres, pesadas com a sabedoria que encerravam.. Shelley, Tolstoi, Robinson..
E saiu-me. Saiu-me com uma naturalidade que até a mim, naquela emoção acumulada, me espantou. Uma naturalidade crua e transparente, pesada como a realidade em que se vive fora do mundo magico da ficção:
(“Eh pá, eu tou fodido.”)
E sai dali para fora, entre a Beleza representada pela dimensão do Conhecimento que existe e a Frustração de nem o poder ter todo, nem de conseguir reter metade do que já passou por mim.
5 comments:
Estás tu e estamos todos. Até o próprio Borges, o gajo que mais leu no mundo inteiro, acabou por admitir que estava fodido e que a única esperança dele era que o paraíso fosse uma biblioteca gigante.
E só estás a falar de literatura stricto sensu, sem história, filosofia, biografia, sociologia, política, crítica literária, etc.
É horrenda a nossa condição.
Depois ainda teremos (pluralizo porque te conheço e porque ainda este fim de semana falámos nisso) que preparar as nossas caminhadas para ler o Proust de uma enfiada só, para ler o Musil, para descobrir qual é para nós a "great american novel".
Bem, realmente a única coisa que eu vejo com boas perspectivas é que um dia te convencerei que o Borges é o melhor escritor da América Latina, secundado do Bioy Casares, e que o Gabo é um pobre e triste putanheiro.
Abraço
"The multitude of books is making us ignorant."
Até o Voltaire se sentia fodido!
Estamos todos! Todos os dias luto contra dois olhos pesados enquanto os livros e as revistas e os blocos de segredos e as músicas e os filmes se amontoam pelo quarto. Depois faltam os espectáculos, os blogs, os programas, o Conhecimento das conversas com os amigos e a Beleza que está na rua, nas cores do dia-a-dia. Tudo ao mesmo tempo, sempre em múltiplos de 3 e raramente com mais de uma semana de validade. Como é que geres o teu tempo?
A necessidade de Conhecimento é extenuante e não tem cura. Efeitos secundários: olheiras, Frustração, cabeça a mil à hora, um caderno de coisas-que-não-podem-ser-esquecidas, com caneta!, que levas para todo o lado, opiniões sobre tudo e uma vida cheia. Não vale a pena consultares o médico. A necessidade de Conhecimento é extenuante e não tem cura mas não sabes nem queres ser de outra forma.*
"so many books, so little time".
cada vez que me aventuro em bibliotecas familiares, deparo-me exactamente com o mesmo problema. cheguei à conclusão que é preciso perder o respeito - ainda que momentaneamente - por alguns desses génios, e declarar amor eterno, durante uma semana ou duas, a um deles.
gde abr luis
nunca mais tenho remorsos quando assassinar um a meio. thanks.
"Rodei sobre mim, irritado com o passar do tempo, e comecei a subir as escadas. Não resisti e olhei para trás. E lá estava, quase esquecido, mas bem visível a bold: Classic Fiction.
(“Merda!!”). Tinha-me esquecido dos clássicos!"
you're back!!
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