Friday, March 28, 2008
Blind
Como ja me roubaram dois iPods este ano e nao tenho computador em casa, tenho de vir a lojinha de computadores ao lado de casa para ouvir isto vezes e vezes seguidas.
Optimo.
Tuesday, March 18, 2008
O Tibete e os Jogos de Pequim
A causa da independencia do Tibete nao e unica em contexto nenhum das relacoes internacionais: ha outras nacoes ocupadas militarmente, ha outros genocidios culturais, ha outras regioes ocupadas pela China contra a vontade do povo ocupado, ha outros lugares onde monges budistas protestam contra a opressao e ha outras revoltas populares com mortos nas ruas, pelo Mundo fora.
De um ponto de vista estritamente humano, parece-me que a causa tibetana nao tem mais nem menos relevancia do que outras e creio ate que muita da compaixao da populacao mundial por esta causa (enquanto se ignoram ou menosprezam outras) se deve a geometria amigavel e inocente da construcao ossea do povo tibetano.
Apesar disto, passado um ano e meio da minha passagem magica cidade de Lhasa, sinto uma revolta quase agoniante quando vejo o estado de destruicao e caos em que aquele lugar de paz esta transformado hoje. Talvez por la ter estado e testemunhado pessoalmente a forca visivel da opressao politica chinesa, eu proprio abraco com mais veemencia a causa da autonomia cultural do povo tibetano do que outras causas igualmente nobres (a Papua Ocidental, por exemplo, para citar a cruzada emocional do meu amigo canetas).
Nao acredito que alguma vez ela venha a ser possivel, mas acredito no Tibete, e nas razoes historicas e culturais que justificam a sua autonomia, apesar de essa utopia, a materializar-se, voltar a transformar uma regiao prosperante no estado feudal que sempre foi ate se tornar num anexo da ditadura chinesa.
Os Jogos de Pequim
Tendo dito isto, acho absolutamente dispensavel que se ligue qualquer noticia relacionada com a China aos Jogos Olimpicos de Pequim.
Os Jogos Olimpicos, no ideal do seu criador Pierre de Coubertin, celebram a reuniao dos povos em redor o desporto.
Celebram o exceder das barreiras, a beleza do Ser Humano quando se emancipa, a paz atraves da competicao desportiva como metafora substituta da luta armada e a igualdade entre os povos. Os Jogos Olimpicos nascem precisamente da ideia genetica de separar Politica e Desporto.
Os boicotes Olimpicos de Montreal em 1976 (por um bloco de nacoes africanas), Moscovo em 1980 (por um bloco de Nacoes norte-americanas e asiaticas) e de Los Angeles em 1984 (pela Uniao Sovietica) sao intromissoes promiscuas e desumanas numa esfera que deveria ser totalmente apolitica.
A maioria dos atletas que vao competir em Pequim trabalharam durante anos da sua vida pela mera possibilidade de participar num evento que os eleva acima de todos os outros. Um atleta olimpico, quando nao se droga, e o mais forte e perfeito de entre os seus pares.
Por isso, o local onde se celebram os Jogos nao deve, nem pode!, ser conotado politicamente ou manipulado (como a imprensa, uma instituicao com centenas de anos, ja deveria saber) como alavanca propagandista de causa alguma.
O governo chines e, ainda hoje, um exemplo da arrogancia surda e desmesurada a que o Ser Humano pode chegar, e exerce essa vergonha a partir de Pequim.
Mas, no contexto dos Jogos Olimpicos de 2008, Pequim nao e a capital da promiscuidade chinesa; e um ponto de encontro onde todo o Mundo vai celebrar a diversidade e a humanidade.
Os Jogos Olimpicos nao tem nada a ver com a politica chinesa, e e sinal de limitacao mental (e nao de inteligencia) associar causas anti-chinesas (como a tibetana) aos Jogos de Pequim.
Se o Governo chines pretendeu alavancar a sua imagem no Mundo atraves dos Jogos Olimpicos de Pequim e o Comite Olimpico Internacional nao se apercebeu disso a tempo, cabe-nos a nos – opiniao publica – negar-lhes essa vitoria e assumir com a naturalidade de um atleta olimpico que nao vemos nem queremos ver, em Pequim, simbolo algum da China de hoje.
Para mim e para quem acredita que os Jogos Olimpicos sao uma reuniao de pessoas, mais do que uma competicao entre atletas, Pequim 2008 sera uma oportunidade unica para celebrar o amor em tempos de colera.
Para quem prefere usar os Jogos como plataforma mediatica para explorar causas anti-chinesas, sobra-me um sentimento de desilusao: estas pessoas servem a China e a sua propaganda, mais do que as causas nobres que – por certo com conviccao – abracam.
Tem cinco andares – cobertos de alcatifa que amortece os mesmos passos que, na pressa da manha, marcham anónimos no chão duro do metro – e já era a minha preferida quando soube que era a mais antiga de Londres.
Vindo do vento frio que chega da costa até à mais movimentada rua da cidade, desamarrei o cachecol do pescoço, passei rapidamente pelo andar da entrada, dedicado exclusivamente a todos os livros de viagens alguma vez escritos desde o principio dos tempos, e dei por mim no andar que inclui – o Universo? – Literatura contemporânea e clássicos. Obviamente, é um andar perigosíssimo para o equilíbrio mental de qualquer pessoa, mas na altura eu estava pouco consciente disso.
Comecei a descer a lista por ordem alfabética abaixo.Byatt. “Byatt..Byatt..eu já ouvi este nome..” Possession, winner of 1990 Booker Prize. “Pois é! No fórum do site do Booker Prize estão sempre a dizer que este é dos melhores livros que já ganhou o prémio. Tenho de ler isto. Que é que esta gaja escreveu mais?”) E lá andei eu, por Byatt abaixo. B.., C..Coetzee.
(“Mais um prémio Nobel que também ganhou o Booker. Eh pá eu tenho de ler mais prémios nobeis, não posso andar só a ler clássicos. E Bookers. Tenho de ler os Booker e os nobeis todos. Que e que há aqui deste gajo?”) Disgrace, Age of Iron, In the Heart of the Country... (“Tenho de comprar isto um dia destes. Mas ainda nem li nada do Saramago ate ao fim! Merda. Pois é, haverá aqui Saramagos?”)
E corri ate ao S. P.., Q..., R..., S! Sallinger (“Sallinger não, não, não gosto deste gajo, mais dele não. Mas devia dar-lhe outra oportunidade. Vou ler mais dele quando tiver tempo. Tempo, tempo..”)..Saramago! Blindness (“Isto deve ser o Ensaio sobre a cegueira, tenho de ler isto..”), The Stone Raft, All the names, The year of the Death of Ricardo Reis..(“porra estes gajos tem tudo”)..Seeing, The Cave. (“Eh pá eu tenho que ler mais Saramago..tenho de ler mais prémios nobeis, ainda por cima este e português. Mas português já eu sei..eu devia era aperfeiçoar o meu alemão..Que e que há de prémios nobeis alemães?..Mann..Grass. Grass! Grass é bom!”)
E lá corri ate ao G, a procura de Gunther Grass. (“Bom..G.. o que é que há aqui no G..Grisham..não, já papei isso em puto..Greene..Greene.. Graham Greene.! Tenho de ler mais um livro dele”.)
Acabei há pouco tempo o meu primeiro Greene, The Heart of the Matter, e estou ansioso por me aventurar por mais livros dele abaixo. Há anos que estou para ler Greene, toda a gente que sabe do que fala, fala de Greene, e eu ainda só li um. Preciso de mais. Mais. Havia dezenas ali. Stamboul Train, The Quiet American, Our man in.. (“Basta de Greeene!, já li um, preciso de autores novos. Vamos lá ver o que é que há mais por aqui..”)..Kafka...(“mais não..hum..”) C.S. Lewis (“eu já ouvi isto nalgum lado..tenho de ler isto”)..Somerset Maugham, McEwan, Naipaul..(“Meu Deus há tanta coisa pá ler..eu tenho de ler isto tudo. Que e que estes gajos tinham do Maugham, nem reparei bem..”)...
..The Painted Veil, The Moon and Sixpence, The Razor’s Edge..(“eh pa eu ja li isto tudo..”), Of Human Bondage. (“Tenho de ler este. Vou levar isto. Mas e os outros? Não, não tenho tempo para ler este mês. Tenho de sair daqui!”).
Roth, Roy, Rushdie..(“Eh pá eu tenho de fugir daqui”). Swift. (“Será o Jonathan Swift?”) Graham Swift, Last Orders..(“Isto também e Booker. Tenho de ler isto. Não. Agora não. Rua!”)
Afasto-me das estantes relutante, ainda a olhar para trás, e salta-me uma citação aos olhos na capa tropical de uma respeitável edição. “The best book written in the last 50 years”, Salman Rushdie.
(“Só pode ser os Cem Anos de Solidão”)
One Hundred Years of Solitude. (“Cá esta. Tinha de ser este. Tshi já li tudo deste gajo. Que bom, adorava reler isto. Já agora, não vi os Steinbecks, será que estes gajos tem alguma coisa?”)
Voltei ao S. Steinbeck. Três edições de Of Mice and Men. Duas do East of Eden. E o resto estava lá todo. Quis levar tudo. Peguei em três Steibecks ao calhas. (“Pá isto é uma estupidez, tenho imenso que estudar e já lá tenho imensos livros pa ler em casa. Vou-me embora daqui, já são quase duas da tarde.”)
Rodei sobre mim, irritado com o passar do tempo, e comecei a subir as escadas. Não resisti e olhei para trás. E lá estava, quase esquecido, mas bem visível a bold: Classic Fiction.
(“Merda!!”). Tinha-me esquecido dos clássicos!
Andei num vai-não-vai, (“volto?, não volto?”), pé no degrau, pé de fora..
..(“Clássicos, vamos aos clássicos”).
Bronte..,Conrad,..., Defoe..,.. Dickens,... Dostojevski..,..
(“Chega!! Chega disto!! Eu tenho de ler isto tudo! Nunca abri um livro de nenhum russo! Tenho muito para ler e não há tempo nenhum para isto!”)
Olhei desesperado para as centenas de lombadas que me espreitavam de todos os ângulos, escuras, pretas, ocres, pesadas com a sabedoria que encerravam.. Shelley, Tolstoi, Robinson..
E saiu-me. Saiu-me com uma naturalidade que até a mim, naquela emoção acumulada, me espantou. Uma naturalidade crua e transparente, pesada como a realidade em que se vive fora do mundo magico da ficção:
(“Eh pá, eu tou fodido.”)
E sai dali para fora, entre a Beleza representada pela dimensão do Conhecimento que existe e a Frustração de nem o poder ter todo, nem de conseguir reter metade do que já passou por mim.