Sunday, January 13, 2008

Menino mau

Antonio so tinha ideias de menino mau.

Um dia, seduziu uma pomba de jardim com uma mao-cheia de milho e agarrou-a pelo pescoco sem a deixar fugir. Com um pequeno cordelinho que trazia no bolso desde casa, atou-lhe cuidadosamente as asas e as pequenas patinhas e deitou-a no chao frio do Outono, cuidadosamente escondida debaixo do banco do jardim, onde ninguem a pudesse ver nem ouvir os seus apelos desconcertados.
Depois, Antonio caminhou devagarinho, respirando indiferente o prazer do momento, ate ao senhor dos baloes; e comprou, com as moedas que trazia contadas no bolso dos calcoes, tres baloes amarelos cheios de helio.
Atou os cordeis dos baloes entre si, pegou cuidadosamente no fio que os unia aos tres, regressou ao seu banquinho e tirou a pomba ofegante do seu esconderijo. Olhou-a com olhos gelados enquanto atava, com as pontas dos seus finos dedos, o cordel as patas geladas da pomba.
Cuidadosamente, para nao a magoar, deitou o pequeno passarinho na sua mao esquerda. Afastou ligeiramente o cordel que se esticava no ar com o dedo, e passou a mao direita pelo lombo quente do pequeno animal. A ponta da sua mao fria sentiu o coracao a bater em compasso acelerado e confirmou a unica verdade possivel. Sim, está viva. Entao, com um lento abrir de dedos, largou o fio que segurava entre o polegar e o indicador.
E, da sua mao, um corpo cinzento levitou puxado por uma forca desconhecida.
Os cantos dos olhos de Antonio brilharam a um intenso ocre enquanto o sistema de baloes subiu os seus primeiros metros. Tres enormes bolas amarelas voando em direccao ao fim do dia. E uma pomba, contorcendo-se inerte, a cabeca rodopiando, chocalhando os baloes sem os incomodar na unica direccao para onde o ar leve os comandava.
Quando e como morrerá esta pomba, imaginava Antonio, enquanto a via contorcer-se pelo ceu acima, tao em casa no seu meio natural e impedida de voar para a vida.
Como se sente esta pomba, sem asas no ceu? Onde acaba?
Vai cair um dia? Ou desfaz-se?
E está a voar, agora?
E os baloes ja so sao um unico ponto no ceu alaranjado, indiferentes a uma pequena pomba que se debate ainda, empoleirada impotente entre o ceu e a terra.
Desconcertado com os seus pensamentos, Antonio virou costas e seguiu caminho pelo jardim de fora, para de onde viera, triste e desamparado.

3 comments:

355⁄113 said...

O que diria La Fontaine deste teu pequeno triste conto?

inespimentel said...

Comoveu-me às lágrimas este conto!
Desculpa pois não te conheço mas vejo por aqui um mundo magoado e triste!
Quando conheci este blogue era uma casa arejada de portas e janelas abertas para o mundo
...conseguiamos cheirar as tuas viagens, outras paragens outros mundos e, por detrás delas um grande entusiasmo, um grande aventureiro... será que se perdeu por aqui uma bússula,um rumo?? é que neste porto seguro onde estás só se vêm estropiados, pássaros sem asas, sem pio,e sem céu para rasgar!
Espero, sinceramente, que te aguardem outras rotas e outras gentes em viagens porvir!

Sara said...

Isto já faz lembrar o personagem da série Dexter... é realmente triste