Os olhos no metro de Londres nao tem cor nem vida. Vao vazios. Vazios vazios.
Nao tem nada dentro, nada. Nem filhos, nem amores, nem casas mais tarde (ao final do dia), nem jantares com a familia, nem um jornal a lareira; nem uma garrafa de vinho, ou um cha quente, ou o proximo fim-de-semana na neve. Nada.
So um vazio transparente, um bater de rodas nos carris. Tum-tum, tum-tum.
Chiar de travoes.
Saem. Entram.
Olhos ocos, no chao, no tecto. Nos outros olhos, que tambem nao veem.
Milhares de olhos, de pescocos curvados, de baladas no iPod. E um calor sufocante a garantir que afinal ha respirar.
Milhares de robots, de carne quente, esmagados, anonimos, anonimados. Inanimados. Pedacos de gente.
Pedacos de Coisa.
Nao ha vida, no metro de Londres. So Quimica e Fisica. Ou nao-fisica, porque está muito cheio, ja nao ha espao para mais nada. Nao-fisica, nao-quimica, nao-nada.
Pedacos de nao-nada.
Monday, January 14, 2008
Véus na noite
Hoje sonhei que a minha mae me obrigava a casar com uma pessoa que conheco. Tudo estava preparado, a festa, os convidados, as expectativas sociais. Era o meu casamento. A decisao de uma vida.
Mas eu nao queria. No ultimo dia arrependi-me. "Mae, nao quero casar com ela!!"; estava aterrado.
"Agora ja esta tudo combinado, agora tem de ser."
"Nao nao! Mae, nao quero!! Eu nao gosto dela! Nao sei onde estava com a cabeca quando combinei isto. Nao e nada disto que eu quero!!"
"Oh filho nao ha volta a dar agora. Ja temos a igreja marcada e tudo. O padre ta ca amanha ao meio-dia em ponto."
E na minha cabeca desesperada, a imagem da noiva de branco, aquele paozinho sem azeite nem sal!!, "mas que mal fiz eu, meu Deus??", e a minha liberdade esvaia-se no sorriso cinico do meu pai,
"As decisoes estao tomadas Luis", e eu arrancava cabelos com ambas as maos, "nao ha volta a dar."
Meu Deus, meu Deus, revolto-me desesperado, e uma luzinha entra pela janela.
Ai.
Ai. Nao quero casar com esta gaja!
Que horas sao?
Quatro e trinta e oito. Mae?
Nao esta aqui a minha mae. Que quarto é este?
Agua. Agua. Meia garrafa. E a noiva esta deitada ao meu lado. Ai!! Viro-me. Nao. Nao. So um candeeiro. Luz,
Luz!!
Fundida.
Mae nao!!!!!! Nao quero casar com ela!! Quero ficar sozinho; e a minha vida cai-me aos pés.
Pés. Andar. Saio da cama. Ate a porta. Interruptor. Luz.
Luz. Luz. Dia. Noite. Dia.
Olhos bem abertos.
Noite escura. Quarto com luz.
Foda-se. Que medo. Que susto.
Meu Deus.
Mas eu nao queria. No ultimo dia arrependi-me. "Mae, nao quero casar com ela!!"; estava aterrado.
"Agora ja esta tudo combinado, agora tem de ser."
"Nao nao! Mae, nao quero!! Eu nao gosto dela! Nao sei onde estava com a cabeca quando combinei isto. Nao e nada disto que eu quero!!"
"Oh filho nao ha volta a dar agora. Ja temos a igreja marcada e tudo. O padre ta ca amanha ao meio-dia em ponto."
E na minha cabeca desesperada, a imagem da noiva de branco, aquele paozinho sem azeite nem sal!!, "mas que mal fiz eu, meu Deus??", e a minha liberdade esvaia-se no sorriso cinico do meu pai,
"As decisoes estao tomadas Luis", e eu arrancava cabelos com ambas as maos, "nao ha volta a dar."
Meu Deus, meu Deus, revolto-me desesperado, e uma luzinha entra pela janela.
Ai.
Ai. Nao quero casar com esta gaja!
Que horas sao?
Quatro e trinta e oito. Mae?
Nao esta aqui a minha mae. Que quarto é este?
Agua. Agua. Meia garrafa. E a noiva esta deitada ao meu lado. Ai!! Viro-me. Nao. Nao. So um candeeiro. Luz,
Luz!!
Fundida.
Mae nao!!!!!! Nao quero casar com ela!! Quero ficar sozinho; e a minha vida cai-me aos pés.
Pés. Andar. Saio da cama. Ate a porta. Interruptor. Luz.
Luz. Luz. Dia. Noite. Dia.
Olhos bem abertos.
Noite escura. Quarto com luz.
Foda-se. Que medo. Que susto.
Meu Deus.
Sem titulo. ou entao: um par de caras
As vezes olho para certas caras e tenho pena das pessoas. Certas caras fazem-me pena. É um sentimento horrivel e desconcertante. Nao percebo se é solidário, arrogante ou impotente.
Sem duvida, completamente ignorante. Nao sei explicar.
Fazem-me pena, certas caras; certas pessoas por detras de certas caras.
Sem duvida, completamente ignorante. Nao sei explicar.
Fazem-me pena, certas caras; certas pessoas por detras de certas caras.
Sunday, January 13, 2008
Menino mau
Antonio so tinha ideias de menino mau.
Um dia, seduziu uma pomba de jardim com uma mao-cheia de milho e agarrou-a pelo pescoco sem a deixar fugir. Com um pequeno cordelinho que trazia no bolso desde casa, atou-lhe cuidadosamente as asas e as pequenas patinhas e deitou-a no chao frio do Outono, cuidadosamente escondida debaixo do banco do jardim, onde ninguem a pudesse ver nem ouvir os seus apelos desconcertados.
Depois, Antonio caminhou devagarinho, respirando indiferente o prazer do momento, ate ao senhor dos baloes; e comprou, com as moedas que trazia contadas no bolso dos calcoes, tres baloes amarelos cheios de helio.
Atou os cordeis dos baloes entre si, pegou cuidadosamente no fio que os unia aos tres, regressou ao seu banquinho e tirou a pomba ofegante do seu esconderijo. Olhou-a com olhos gelados enquanto atava, com as pontas dos seus finos dedos, o cordel as patas geladas da pomba.
Cuidadosamente, para nao a magoar, deitou o pequeno passarinho na sua mao esquerda. Afastou ligeiramente o cordel que se esticava no ar com o dedo, e passou a mao direita pelo lombo quente do pequeno animal. A ponta da sua mao fria sentiu o coracao a bater em compasso acelerado e confirmou a unica verdade possivel. Sim, está viva. Entao, com um lento abrir de dedos, largou o fio que segurava entre o polegar e o indicador.
E, da sua mao, um corpo cinzento levitou puxado por uma forca desconhecida.
Os cantos dos olhos de Antonio brilharam a um intenso ocre enquanto o sistema de baloes subiu os seus primeiros metros. Tres enormes bolas amarelas voando em direccao ao fim do dia. E uma pomba, contorcendo-se inerte, a cabeca rodopiando, chocalhando os baloes sem os incomodar na unica direccao para onde o ar leve os comandava.
Quando e como morrerá esta pomba, imaginava Antonio, enquanto a via contorcer-se pelo ceu acima, tao em casa no seu meio natural e impedida de voar para a vida.
Como se sente esta pomba, sem asas no ceu? Onde acaba?
Vai cair um dia? Ou desfaz-se?
E está a voar, agora?
E os baloes ja so sao um unico ponto no ceu alaranjado, indiferentes a uma pequena pomba que se debate ainda, empoleirada impotente entre o ceu e a terra.
Desconcertado com os seus pensamentos, Antonio virou costas e seguiu caminho pelo jardim de fora, para de onde viera, triste e desamparado.
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