Wednesday, July 18, 2007
Brisa fresca no Belize
- Hello Sir, what brings you to Belize?
- Hum, tourism.
- Tourism? Nice, you came to have some fun.
- That's it. Some diving, perhaps.
- Very well! Have a great time in Belize!
- Thank you! Good day.
- Good day sir, take care.
Atravesso a fronteira e olho espantado para o Jesper, um enorme dinamarques que conheci essa mesma manha no hostel em Cancun, onde aterrara no dia anterior vindo de Cuba. Ele responde-me com o mesmo olhar surpreendido. Um guarda da fronteira educado e simpatico. Que momento unico.
Regressamos ao velhinho autocarro americano onde me sinto um Forrest Gump tropical, maravilhado nos bancos de lona castanhos a observar o verde das aldeias passar. O Jesper e eu destoamos de uma populacao maioritariamente negra, com rastas e t-shirts de basket. Depois do Mexico e de Cuba e antes da parte latina da America Central, nao esperava um pais anglofono e musica reggae num autocarro publico.
O Belize e um pequeno pais e depois de atravessar a fronteira a norte rapidamente chegamos a Belize City, a maior cidade do pais com 70.000 pessoas e ponto de partida dos taxis maritimos para ilhas no meio do mar das Caraibas.
Chegamos acompanhados por um sol alaranjado que cai sobre o rio meio sujo que divide a cidade em dois e percorremos as ruas estreitas rodeados de rastas de bicicleta que nos cumprimentam meio adormecidos. Vinha avisado para a criminalidade na cidade mas sinto paz e tranquilidade nas pessoas que vao e vem. As casas tem todas dois andares de madeira colorida e quase todas construidas com varandas sobre a rua, incluindo a pequena espelunca onde dormimos.
Depois de encher o estomago num dos muitos restaurantes chineses que (ninguem me conseguiu explicar porque) existem no Belize, sento-me na varanda a conversa com Ben Wilson, extraordinaria e idosa personagem saida directamente das aventuras do Tom Sawyer, com as suas barbas brancas a cobrir desgrenhadas a cara escurissima e oculos espessos incapazes de esconder a alegria das gentes quentes.
- Luk at dat fat lady ova there!
- Do you like fat ladies, Ben?!
- Yes! A don't lak no skinny lady! A don't lak to much bone rubbin on me..
Nestas e noutras conversas cai o relogio pelas dez da noite, hora certa para cair na cama e adormecer ao som das conversas a meia voz que Ben, Mama Mathilda e outros amigos confeccionam e embalam na varanda ao meu lado.
Depois de uma despreocupada ocupacao espanhola o Belize foi progressivamente ocupado por piratas ingleses ate se tornar definitivamente na unica colonia inglesa na America Central. Independente so em 1981, o Belize assimilou dos ingleses a lingua, o humor, os habitos e, acima de tudo, o rigor e a educacao que parecem faltar aos seus vizinhos. Por alguma magica influencia dos milhares de descendentes caribenhos que ao longo dos seculos foram chegando de todas as ilhas vizinhas, transfornou-se num pais surpreendentemente relaxado e descontraido. Encontrei no Belize a imagem que tinha da Jamaica.
Isto porque depois de passar uma manha na cidade apanhamos um barco ate Caye Caulker, uma ilha a uma hora de viagem ao vento sobre o mar azul das Caraibas. A saida do barco conhecemos o Kevin, um grande amigo americano e a Elin, uma pequena lesbica norueguesa, e acabamos por formar um grupinho de quatro durante uma inesquecivel semana de mergulho, snorkelling e runs desde o fim de tarde ate a altas horas da noite.
Sinto um arrepio quando recordo essa semana, a total tranquilidade da ilha, a descontraccao da vida local, a boa onda dos turistas que por la andavam como eu em busca de mergulho e pores-do-sol, a disposicao tranquila e abertamente amigavel de toda a gente do barzinho onde a noite caia, a pequena banda de olhos a cair ate aos pes a tocar baixo e keyboard ate a exaustao enquanto o cenario se alaranjava, o prazer de reconhecer um amigo no meio da rua a toda a hora, a rotina de aprender a mergulhar entre as maravilhas do mar de manha e passar a tarde com amigos, a beleza da ilha e o azul quente da agua, as noitadas, as rastas, a velocidade lenta dos locais nas suas idas e vindas de vendas e pescarias..
Foi uma vidinha perfeita, uma vida de tronco nu, sem criticas nem olhares, so gente amiga, gente animada, gente local e gente de todo o lado, rastas e olhos azuis, "walk slowly man, this is Belize".
E, claro, nada disto teria o mesmo encanto se nao fosse a descoberta das maravilhas do mar, o nadar com raias e tubaroes, o mergulho na transparencia perfeita da Blue Hole no meio do mar. Transporto na mente a imagem limpida de um enorme tubarao a mirar-me curioso, um predador surrealista na transparencia do fundo dos 40 metros em que eu flutuava.
Apercebi-me em Caye Caulker do quanto estou a apreciar esta liberdade de escolher o dia seguinte, a refeicao seguinte, o proximo passo. Apercebo-me tambem que, sozinho, nada disto teria tanto encanto, mas a malta que tenho conhecido, os encontros e reencontros, os quartos partilhados, o "we should travel together for a while", a conjugacao de uma enorme liberdade e lugares inesqueciveis, leva-me a acordar bem disposto todos os dias.
As vezes a sos, as vezes acompanhado, de acordo com a conjugacao de coincidencias de cada momento. É como andar entre as minhas proprias decicoes e as travessuras do destino e isso é divertido; alguns momentos de solidao sao compensados por um premente e sempre presente sentido de liberdade.
Depois de atravessar o norte do Belize de autocarro, passar uma manha na sua pequena maior cidade, uma semana nas ilhas e um dia numa pequena cidade de montanha, nao deixo de sentir que estou num pais minimamente civilzado e nao excessivamente pobre, o que contraria as recomendacoes e estatisticas que tinha lido sobre o Belize. Felizmente, o Kevin tem uma prima a viver em San Ignacio, nas montanhas, ha dois anos e, numas cervejas partilhadas no seu terraco sob as estrelas, ela confirma-me o que para mim ja era uma suspeitada certeza: "I would say that Belize is a second-world country, rather than a third one."
Dou-lhe razao. No entanto, na minha hierarquia pessoal, vou ter de passar Portugal para o primeiro Mundo. Depois da experiencia que acabo de ter na fronteira entre o Belize e a Guatemala, em que senti uma profunda alegria de ser portugues e europeu (basicamente, de ter nascido num pais civilizado), tenho cada vez mais a certeza de que o meu pais, com as suas falhas e defeitos, e um optimo sitio para expressar uma Humanidade decente.
Enquanto abandonava a cidade de San Ignacio no Belize e depois de atravessar metade do pais, reflecti nos ultimos meses e so consegui sorrir com a cabeca ao vento do inicio da manha enquanto o Jesper adormecia ao meu lado, no seu penultimo dia antes do regresso a Dinamarca: antes de partir de Lisboa, nao sabia o que esperar nem dos lugares nem do meu proprio estado de espirito durante a viagem mas sinto uma enorme riqueza depois destas semanas e nao tenho sequer memoria suficiente para guardar tudo o que aprendi neste mes e meio.
Depois do episodio terceiro-mundista com uma (chamemos-lhe assim, sem complexos) puta duma oficial de fronteira na Guatemala, entrei agora na America Central do meu imaginario, a America Central latina, indigena, pobre em posses, provavelmente rica em sorrisos timidos e conversas de circunstancia.
Uma estrada de terra deu-me as boas-vindas num autocarro atolado. Quero ver o que me espera agora, quanta tradicao?, quanta modernidade?
O Belize anglofono, a sua musica, as suas maravilhas subaquaticas, as suas ruinas maias e as suas gargalhadas roucas ja la vao.
Com alguma ansiedade, muita curiosidade, alguma saudade do mar e as expectativas preparadas para o confronto com qualquer realidade, aqui estou e aqui vou, de olhos bem abertos, pela Guatemala fora.
Monday, July 09, 2007
"Doce de la noche en La Habana, Cuba"
Certos paises nao permitem comparacoes. Uma vez la, a mente divaga criticamente em busca de semelhancas, paixoes, pormenores e justificacoes. É tudo em vao. Um dia, quando compreender Cuba verdadeiramente, talvez lhe dedique mais do que nove linhas. Ate la, tantas memorias, tantos pensamentos, e tanta confusao na minha cabeca. Cuba fez-me questionar o Bem e o Mal. Penso, hoje, que nao ha bem nem mal, como nao ha certo nem errado. Talvez nem haja sequer, na Humanidade, coerencia. Seja como for, tenho tempo para ir pensando nisso.
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