Monday, June 25, 2007

O ultimo Sabado de manha

Uma adormecida ventoinha bate ritmadamente as suas pas no tecto do quarto branco. Ouco o bater desenfreado e frustrado arrogar devagarinho o meu acordar. Lentamente movo-me na cama, limpo a testa com o braco. Porque estou tao molhado? Esta um duche a correr. Estou dentro do duche? O que e isto? Abro os olhos devagar. La esta a ventoinha. Quase nao vejo como as pas se movem. Olho para cima da cama do lado. "Para que e que este gajo desliga o ar condicionado!..". Encontro assim a razao do meu suor. A agua para de correr e a porta da casa de banho abre-se. Sao oito da manha. De Sabado. Procuro, em vao, erguer a cabeca.

- Vou embora pa!
- Hum?
- Ja tomei duche, vou embora, tenho o voo para Nova Iorque daqui a 4 horas e ainda tenho de apanhar o autocarro ate Cancun.
- Ah! Ta!
- Vou ter saudades tuas pa! Alias ja tenho!
- Tambem eu!
- E agora ficas dois meses sozinho!..
- Vamos la ver! Nao devo ficar, eles devem vir ca ter em Agosto!
- Apetece-te um mes sozinho??
- Claro pa. A descobrir o Mundo. Preferia que ficasses, mas nao podes, nao podes!
- Ta bem! Bem, vou andando entao.

Levanto-me e acompanho-o a porta. Pelo caminho, ligo o ar. Olhamo-nos nos olhos e abracamo-nos ja com saudade.

- Boa viagem pa!!
- Bom estagio!..

E la foi ele. O Joao. Companheiro de horas de autocarro, garrafas de Bacardi, ruinas antigas, praias desertas e com sereias, mergulhos em corais, scooters pela costa, noites de loucura, conversas em espanhol, jantares na rua, negociacoes de precos, decisoes de itinerarios, passeios em vilas coloniais. Companheiro e amigo daquela hora morta que e a paragem numa estacao de servico as 3 da manha numa viagem de 12 horas, companheiro e amigo naquela hora viva que e a paragem numa pista de danca as 3 da manha, numa noite de 6. Companheiro de todas as horas vivas e mortas de uma viagem, de todo um itinerario percorrido, de quilometros e quilometros de estrada, pessoas, lugares, presentes e passados.

E la foi ele levando de mim, quem sabe, o gosto por conhecer civilizacoes antigas, o prazer de um taco servido numa rua poluida, a beleza da Realidade que nem sempre toda a gente considera bonita. E deixando em mim o prazer por um conforto que muitas vezes nos faz bem, de noitadas sucessivas sem cafe, de desembaraco a qualquer hora e qualquer altura, o gozo de dormir ate tarde mesmo em viagem, porque a vida tambem o é de noite.

Agora, sigo caminho sozinho.

Flashback

Adeus ao mar

Das praias de Zipolite seguimos em direccao ao Norte, em busca das cidades coloniais de Oaxaca e San Cristobal de las Casas. Temos menos tempo do que queriamos e pretendemos passar a noite de sexta em Cancun e decidimos por isso passar so uma noite em cada lugar.

A viagem de Pochutla, uma poeirenta viloria junto a costa Sul do Mexico, ate Oaxaca, uma espantosa cidade colonial nas montanhas do centro, mata-nos as costas, numa mini-carrinha de 9 lugares. Estou entalado entre o Joao, que adormece passado cinco minutos, e Juan Antonio, um enorme cavalheiro de 130 kilos, que tem a simpatia de - reconhecendo a dimensao do seu desafortunado corpo - colocar o braco direito sobre a barriga, de modo a deixar-me algum espaco para respirar, ja que a minha direita uma boca aberta resvala os primeiros suaves ressonares de um leve adormecer.

Se nao fossem os bancos direitos, as pernas encolhidas, a chuva a potes, as lombas a cada quilometro e as ravinas la em baixo, tenho a certeza que teria apreciado com maior prazer as seis horas de incrivel paisagem verdejante que percorre montanhas e montanhas desde a selvagem costa batida pelas ondas ate ao coracao de uma das mais bonitas cidades mexicanas. Ser noite talvez tambem nao tenha ajudado.

Oaxaca

Em Oaxaca, como noutras cidades espalhadas pelo continente americano fora, deixo-me embasbacar com o Mundo espanhol que os antigos colonos souberam reproduzir na sua arquitectura colonial, recriando do outro lado do Mundo as suas catedrais, as plazas mayores, as suas varandas, os seus portais, as suas arcadas; no fundo, tudo o que conheciam de casa e construiram no seu Novo Mundo depois de, diga-se, chacinarem e colocarem ao seu servico a populacao local.


A saida de Puebla, a quarta cidade do Mexico, com um centro colonial tambem imponente, tinhamos comentado que as cidades publicitadas como "coloniais" tem a enganadora caracteristica de terem um centro historico impecavelmente limpo e conservado, e um resto de cidade caotico, sujo e arquitectonicamente despreocupado (que e o mesmo que dizer: feioso, pobre ou, na realidade, despretensiosamente residencial). Ja Oaxaca espalha-se em pequenos edificios ao longo de toda a sua dimensao, e oferece aos seus habitantes a vida pacata de uma cidade de montanha, entre ruas planas, restaurantes animados, musicos de rua e estudantes universitarios, cujo cortejo de finalistas ainda tentamos acompanhar, sem o minimo entrosamento com os locais, que nao nos ligaram nada, por estarem mais preocupados em beber o curso por uma garrafa abaixo.

Quando o fim de tarde se aproxima, enquanto descansamos da pequena ida as ruidas de Monte Alban, indescritivel cidade perdida preservada no topo de uma montanha, toda a cidade parece reunir-se na praca central, onde num coreto saido de uma casa de bonecas a banda local comeca a tocar antigas dancas de salao e musicas latinas. Centenas de pessoas parecem continuar a sua rotina diaria de estar sentadas na praca, enquanto a banda enche o ar quente do entardecer com os seus ritmos latinos, num cenario tao bucolico quanto - como dizer? - antiquado. Sinto uma certa nostalgia ao olhar o velho maestro a explicar as velhas dancas, sob a bandeira do Mexico que esvoaca sobre a catedral, imponente senhora absorvendo o pequeno coreto onde os musicos impecaveis nos seus trajes humildes entretem a audiencia.

Sinto, neste fim de tarde, um sabor doce a casa, a origens comuns, a simplicidade, a gente que se reune em pracas, a bancos de jardim, jogos de cartas, pontapes na bola e chafarizes. Sinto um sabor a coreto, daqueles coretos de Lisboa, plataformas adormecidas nas vidas velozes da Europa mas aglomeradoras de vidas e conversas, nas montanhas do Mexico.

Chiapas e San Cristobal

Demoramos uma noite inteira, de novo entre montanhas, rectas sem fim, controlos militares as bagagens e paragens de madrugada para jantar, a vislumbrar as montanhas de Chiapas, que se erguem verdes sobre as nuvens da madrugada. Lentamente desperto do embalar do autocarro e sinto-me a vagar sobre as nuvens de uma terra que me desperta misterios antigos, lutas actuais e uma enorme curiosidade.

San Cristobal de las Casas e uma pequena vila de casas coloridas rodeada por montanhas e habitada por uma populacao mista de indigenas maias e visitantes estrangeiros despretensiosos, que coabitam num ambiente pacifico. As zonas envolventes estao cultivadas pelas encostas das montanhas abaixo, num cenario esverdeado em varios tons, tantos como os da discordia em torno desta regiao de camponeses pobres, talvez a mais pobre e mais bonita de todo o Mexico, segundo os relatos de quem sabe melhor que eu.


Deambulamos sob chuva miudinha por San Cristobal, as suas casas de bonecas, o seu ambiente relaxado, a sua vida despretensiosa, a sua igreja amarela, saida de um conto de fadas surrealista, e acabamos o dia numa discoteca latina descoberta ja em fim de noite, para nosso entusiasmo. Nao podiamos pedir mais desta vila encantada, que tanta saudade me deixa.

No dia seguinte partimos para as ruinas de Palenque, apenas para as encontrar fechadas. Contrariados e desapontados, mas embriagados com a ideia de uma sexta a noite em Cancun, decidimos nao esperar pelo dia seguinte e deixar Palenque para outra viagem. "Nos proximos dois meses, vou ter muitas ruinas maias com que me entreter.", tento desculpar-me, antes te adormecer no autocarro de 12 horas ate a costa caraibica mexicana


Cancun


Cancun e uma lingua de hoteis e resorts gigantescos de 20 kms, ao longo de um mar azul e uma praia de areia branca. Foi construido a partir de 1970 e tem hoje 700.000 habitantes. Tem mais de cinco Macdonald's e outros tantos Pizza Hut's, KFC's, e todos os outros fast-food americanos. Nao tem mexicanos. Nao tem europeus. E quente, feio, monstruoso, insultuoso, falso, plastico, sem gosto.


E um pedaco de Estados Unidos no Mexico mas, para compensar tudo isto, tem a melhor noite de todo o Mundo!!..


Mergulhos em Cozumel

Depois de um fim-de-semana muito pouco mexicano num magnifico resort de meio preco, partimos ate Playa del Carmen para ai apanhar um ferry ate a ilha de Cozumel, antigo santuario dos Maias e reconhecido actualmente como um dos melhores locais de mergulho do Mundo. Nao me lembro de o ter admitido ao Joao, mas o ar fresco das Caraibas que apadrinhou os primeiros roncos do motor do ferry e o lancou pelas aguas transparentes fora, trouxe-me a alegria incontida de finalmente deixar para tras os excessos da vida noturna em direccao a pureza de uma pequena ilha com recifes de coral.

Tentamos sempre, ao longo da viagem, conciliar dias divertidos e ricos com noites animadas mas, apesar de toda a diversao de Cancun, descobri definitivamente que nao tenho feitio nem prazer em pasmar na praia, frente a um arranha-ceus, ressacas de grandes noitadas. Seja como for, foi um fim-de-semana inesquecivel e uma oportunidade que dois amigos a viajar pelo Mexico jamais poderiam desperdicar.

A viagem ate Cozumel, que aparece la ao longe no horizonte, tarda menos de uma hora, o suficiente para aproveitar aquela inenarravel liberdade que proporcionam as viagens de barco. Provavelmente nunca virei a compreender porque e que tenho tanto prazer em ver a espuma ficar para tras e sentir o vento levar todas as preocupacoes enquanto o barco onde vou segue o seu caminho ate qualquer destino que seja. Curiosamente, tenho uma sensacao parecida em comboios. Gosto de ver o caminho percorrido. Gosto de ver novos caminhos. Gosto de caminhar, de olhar em volta, de pisar o chao a minha frente, de deixar pegadas e sensacoes no chao atras de mim.

Gosto. Adoro. Odeio andar de aviao em viagem. Gosto de percorrer distancias de autocarro, ver as paisagens durante o dia, sair das cidades atraves dos seus arredores poeirentos, assustar-me com curvas em estradas de montanha, irritar-me com o mastigar de boca aberta do passageiro ao meu lado, partilhar as minhas bolachas com o amigo do banco da frente. Gosto do que esta entre os lugares. Gosto dos paises por inteiro.

Muitas vezes, quando viajam, as pessoas buscam essencialmente o seu prazer pessoal, isto e, procuram comforto e diversao, para relaxar das suas aulas ou empregos. Normalmente, isto leva-as a paises desenvolvidos ou, quando ao terceiro Mundo, a locais ocidentalizados ou que proporcionem o merecido descanso.

No meu caso em concreto, encaro as viagens como a oportunidade de ver como as pessoas vivem, fora do meu pais. Nao preciso de estar divertido todo o tempo, nem sempre bem disposto, nem comodo, nem refrescado, nem bem sentado. A unica coisa que procuro e Genuinidade, seja num sorriso, numa cabana pobre, numa ponte sobre um rio lamacento, num vulcao imponente, numa avenida decrepita, em ruinas antigas, num restaurante de luxo ou numa banca de rua.

Quando viajo, nao busco o prazer, vivo em prazer, so por estar a ver realidades novas, mesmo que isso me custe ou, ate, me seja incomodo.

Muitos paises pobres tendem a empolar as suas atraccoes turisticas, criando um roteiro que acaba por limitar os visitantes. Basicamente, e possivel passar semanas e meses em paises onde 80% da populacao e pobre, sem sequer notar a essencia sociologica do pais.

Nao por querer ser diferente mas, precisamente, por querer ser igual - igual no sentido: partilhar uma mesma dimensao Humana - gosto de passar pelos paises e absorver a vida de quem la vive, ver como se passa o dia, como sao os transportes publicos, que tal a comida, qual o aspecto dos arredores das cidades para la dos impecaveis centros, geralmente polvilhados de edificios com interesse arquitectonico.

Essencialmente, para la do obvio prazer que me da uma praia, um parque natural, um mergulho com botija, um bom hotel, ruinas historicas ou monumentos antigos (estes ultimos, componente essencial para conhecer o Passado de qualquer povo), a minha grande busca em qualquer viagem que faca è a resposta a uma questao essencial: como seria a minha vida, se tivesse nascido aqui?

Poder conciliar essa busca com a vivencia de momentos especiais em locais unicos e, para mim, um dos maiores prazeres da vida.

(A vida: essa sucessao de memorias.)

Provavelmente, nao e nisso que penso quando o meu corpo submerge ansioso sob a agua transparente dos recifes de Palancar. Devagarinho ritmo a minha respiracao artificial e troco sinais obscenos com o Joao enquanto descemos ate ao fundo do mar, onde um universo colorido de peixes e formas fantasmagoricas nos proporcionam horas magicas.

Nao foi o meu primeiro mergulho, mas em cada submersao regressa sempre aquela libertadora sensacao de estar a vagar sem gravidade num local inexplorado. O fundo do mar guarda formas e segredos tao inalcancaveis, tao inexplicaveis, tao pouco naturais para o Homem, que cada mergulho e uma viagem ao nosso imaginario, aos filmes de ficcao cientifica, a cenarios de Super Mario; cada mergulho è uma interrogacao, uma colorida pergunta que nos circula pelo corpo dancance fora, ate fugir de nos, atraves das bolhas de vida que soltamos em direccao a superficie: que Mundo e este, que nunca poderemos tocar na sua plenitude e que vive tao bem, tao harmonioso, tao autonomo, sem que o possamos compreender?

O fundo do mar, como o fundo do ceu, e um reduto que o Homem ainda nao controla, mesmo que o compreenda.

Ja as praias desertas ao longo de toda a ilha sao mais faceis de compreender e disfrutar e alugamos uma pequena motinha onde nos divertimos a explorar a costa selvagem de mar azul e o vento que bate, pontuada aqui e ali por um barzinho relaxado, por uma cervejinha gelada.

Playa del Carmen e o regresso ao presente

Descobrimos em Playa del Carmen uma arranjada e cheia de estilo estancia de ferias, que se espraia sobre as espectaculares prais do caribe mexicano. Casas baixinhas e hoteis disputam o espaco com restaurantes com bom aspecto e bem decorados, cheios das mulheres mais bonitas da America do Norte e do Sul, bem como de todo o Mexico.

Aqui nao ha sujidade, nao lixo, nem poluicao. Mas tambem nao ha hoteis de 30 andares e Macodnald's a cada esquina.

Playa del Carmen e um lugar pequeno, com gente bem vestida, copos bem bebidos, musica bem escolhida e uma noite animada de quem esta de ferias e quer divertir-se ate ao dia chegar. Provavelmente e dos sitios com mais classe de todo o Mexico e fazemos os possiveis para o disfrutar em grande na ultima semana do Joao.

Quando nos abracamos na despedida e recordamos os vinte dias para tras, as loucuras de Nova Iorque, a magnitude da Cidade do Mexico, o espanto das ruinas, as ondas de Puerto Escondido, a maravilhosa heranca colonial espanhola, a areia branca do Caribe, os recifes de Cozumel, as noites da Riviera Maya, as pizzas hawaianas intercaladas com tacos de rua, as bancas de fruta e as garrafas de rum, ambos soubemos que esta foi uma viagem que valeu a pena.

E eu, nostalgico por uma hora mas energico, livre e entusiasmado logo a seguir, ca fico, a procura de mais, mais vida, mais gente, mais lugares, mais conhecimento e, neste momento, mais contencao no tamanho dos posts que escrevo!

Thursday, June 14, 2007

Pela costa fora

Tentados pelas promessas de uma noite animada, dirigimo-nos cheios de esperanca para Acapulco, onde tencionamos alugar um carro barato que nos leve pela costa fora e depois atraves do interior, ate a outra ponta do Mexico. Esperamos uma cidade feiosa junto a uma praia bonita com uma noite de cair para o lado, para depois partir junto ao mar a descoberta de outras praias e lugares.

Infelizmente, Acapulco, uma selva tropical de hoteis decadentes e ocos nao serve nem para passar uma manha. Suamos pela Alameda cheia de palmeiras e escapes barulhentos fora, ate encontrarmos alguem que no sugere o Hotel Copacabana.

"Es muy bueno! Hay mucha gente joven! Ai se quedan los del spring-break!"

Olhamos um para o outro. Ja que viemos a Acapulco, que seja para um ambiente destes! Entramos num hall impecavel que devolve, monotono, o som dos nossos passos. Pouca gente. Na piscina, sobre uma baia suja que banha uma lingua de areia decrepita, mexicanos de meia-idade tomam o ultimo sol da tarde nas suas tangas coloridas.

Olhamos um para o outro e, sob o olhar ansioso do taxista que nos levou ao hotel em busca de uma comissao, soltamos uma gargalhada espontanea, uma daquelas poucas reaccoes em que duas pessoas atingem o mesmo sentimento no mesmo momento e o manifestam da mesma maneira.

"ONDE e que nos nos enfiamos pa?!"

Fugimos do Copacabana de mochilas coladas as t-shirts alagadas e enfiamo-nos numa pequenita espelunca onde criancas se banham num piscina descolorada. Pelo menos tem ar condicionado.

Passamos o resto da tarde a desesperar por alguem que nos indicasse algum tipo de discoteca animada naquela cidade deserta e a procura de um restaurante com o bom marisco de que nos haviam falado.

Quando adormecemos as 9 da noite no quarto de hotel, temos a certeza de que nem bom marisco se come em Acapulco e de que noite, se houver, e noutra vida ou nos meses de verao.

Puerto Escondido

Fugimos no primeiro autocarro da manha para Puerto Escondido, numa viagem de oito horas atraves de montanhas e vales verdejantes, vendedores por toda a estrada, criancas sujas, bancas de fruta e paredes pintadas com anuncios, prenuncios sempre presentes do pais sub-desenvolvido que, para minha ingenua surpresa, o Mexico e.

Puerto Escondido foi outrora um spot meio secreto dos surfistas locais, ate se tornar conhecido dos surfistas de todo o Mundo, sendo actualmente considerada uma das melhores ondas da terra. Apesar da pouca distancia de Acapulco e outras grandes cidades, encontra-se totalmente distante do turismo de massa, atraindo actualmente uma comunidade internacional de surfistas e alguns turistas mais caloes como nos os dois.

Ainda que a propria terra seja uma pouca mexicana rua de barzinhos, hostels e restaurantes, vive-se um ambiente unico de tranquilidade e boa onda, a toda a hora acompanhado do som das enormes ondas que rebentam na praia mesmo do outro lado da estrada.

Chegamos de noite e fazemos-nos a vida com dois surfistas australianos que conhecemos no autocarro, e cedo chegamos a conclusao que somos de longe os dois homens mais gordos daquela terra. Resta-nos fazer o que podemos naquela concorrencia desleal que, pela noite fora, se processa pelas muitas nordicas presentes que, apesar de todo o nosso espanto, parecem ter mais interesse pelos mexicanos da zona. No segundo lugar da lista de prioridades estao os surfistas de todo o lado. Batalhamos duramente com os nossos argumentos de meninos de cidade, com um merito digno de poucos.

A praia e, finalmente, o paraiso que procuravamos, e passamos todo o dia nas aguas quentes do Pacifino e, no final da tarde, a ver os surfistas de nivel mundial partir ondas gigantes e perfeitas. O sol vai caindo ao ritmo de cada onda que rebenta, e cedo regressa a noite e mais animacao..

Apesar da conmunidade internacional de Puero Escondido, logo ali ao lado passa a estrada do Mexico real, a dos autocarros barulhentos, bancas de estrada onde velhas indigenas vendem agua, criancas em fardas de escola e o mesmo calor abrasador de sempre, desta vez ja a algumas centenas de metros do mar. E a beira dessa estrada que apanhamos um forno com rodas que nos leva pela costa fora ate um cruzamento meio perdido, onde apanhamos o unico taxi do local para Zipolite.

Ao longo de toda a costa do Mexico, milhares de quilometros de praias desertas estendem-se ate a fronteira com a Guatemala. Como estamos so dois, procuramos algo mais animado, com o intuito principal de apanharmos uns bons dias de praia. Zipolite e uma pequenissima rua com cabanas e hoteizinhos junto ao mar, um estranho paraiso de redes penduradas e uma brisa refrescante.

No Brisa Marina, um americano de 70 anos masca uma cenoura de boca aberta e explica-nos que abandonou o caos de Chicago para abrir aquela pequena pousada. 7 Euros cada um por um quarto em cima do mar, com uma varanda com redes. Toda a enorme praia, ladeada por montanhas verdes e enormes rochas, e povoada por estas pequenas construcoes muito bem inseridas no ambiente local, onde meia duzia de viajantes e mexicanos locais passam os dias com os seus mojitos e margaritas.

Zipolite, a exemplo de outras terrinhas semelhantes, e uma pacata aldeia onde cada um leva a sua vidinha, com uma estranha propensao ao nudismo, pratica que toca tanto a holandesas lindas como a um velhote frances que por la se passeia. Eu e o Joao tentamos manter o enfoque no que e importante.

Passamos um dia e meio a baloicar-nos nas redes, a conversa, num barzinho engracado chamado Alquimista e a ler livros, a carregar algumas baterias para a viagem ate ao interior que nos espera, onde planeamos passar pela cidade colonial de Oaxaca antes de entrar no estado de Chiapas, refugio historico do Ejercito Zapatista de Liberacion Nacional, um movimento indigena liderado por um cultissimo mascarado auto-intitulado Sub-Comandante Marcos, cujos escritos anti-liberais, anti-capitalistas e pro-direitos indigenas desde ha anos me fascinam pelo potente e genuino grito de revolta que representam, num pais onde desde ha 500 anos as varias etnias indigenas locais sao subjugadas, primeiro pelos conquistadores espanhois, actualmente por sucessivos governos minados de corrupcao.

Perante o meu entusiasmo em conhecer a cidade de San Cristobal de Las Casas e o proprio territorio zapatista, o Joao pergunta-me sobre as minhas inclinacoes politicas.

As ondas de Zipolite rebentam vigorosas sobre a areia branca enquanto me balanceio na rede e penso na resposta. Sem duvida que, vindo de um pais como Portugal e com o percurso de vida que tive, a minha visao da economia passa por um sistema de mercado baseada no merito e assente num modelo social justo e coerente.

Porem, se ha algo que as viagens pelos paises pobres nos permite, e abrir os olhos para outras vidas, vidas de 1 dolar por dia, vidas de infancias a vender artesanato, vidas sem tecto nem trabalho; vidas que podiam ser as nossas. (Alias, leva-nos ate a pensar em quem somos e em que cosmico momento passamos a ser nos proprios, em que conjugacao biologica de factores o nosso Eu se assumiu como tal e nos levou a uma maternidade em Lisboa e nao na Cidade do Mexico ou em Nova Deli.).

Nesse raciocinio, nao posso senao admirar todo um movimento de revolta indigena, um grito de chamada de atencao para as condicoes miseraveis em que tantos mexicanos nativos vivem, com acesso vetado a uma educacao e uma vida melhor.

Respondo ao Joao com a unica resposta que me sai: acredito nos direitos dos homens e nos movimentos que os defendem. Nao acredito em nada das propagandas extremistas dos rebeldes zapatistas nem partilho da sua visao excessivamente comunitaria da vida, mas reconheco-lhes o merito de uma luta dificil de travar e que eles - um conjunto de agricultores indigenas liderados por um intelectual da Cidade do Mexico - assumem desde as montanhas do Sudeste Mexicano.

Recordo-me da brilhante colectanea de escritos e contos do Sub-Comandante, Cuentos para una soledad desvelada, que nao pede licenca aos grandes contadores de historias latino-americanos, e adormeco a pensar em toda a diversidade de vidas e oportunidades que ha sobre a terra e nas inumeras formas de defender a dignidade das pessoas.

Como sempre, dou gracas pela minha vida e alegro-me de estar onde estou, atento ao que me rodeia, disfrutando, em reflexao, a minha vida e as vidas dos que me rodeiam.

Com este e outros pensamentos acordo de madrugada para um mergulho no mar.

Wednesday, June 13, 2007

Recapitulando a Cidade do Mexico

Quando o voo desce em direccao a Cidade do Mexico, nao evito o arrepio do costume. A minha barriga voa oca com as descidas espaÇadas para o vazio. O Joao dorme a meu lado e ao lado dele um enorme exemplar de duzentos quilos exibe uma t-shirt "I love NY", que justifica mais tarde estar a usar por ter prometido ao primo que aterraria na Cidade do Mexico com ela vestida. Pobre primo, que imagem o espera.

Mas o que me importa ali e o que vejo do outro lado do vidro: uma imensidao castanha de casas e casas, atraves de montanhas e vales, ininterrupta durante mais de vinte minutos de descida. Ja sabia que a Cidade do Mexico era enorme, mas nunca imaginei que se pudesse estender por tamanha dimensao. A medida que o aviao desce e eu enjoo, os detalhes das casas comecam a aparecer, cada vez mais nitidos, ate as rodas finalmente embaterem na pista e eu respirar fundo e meio arrepiado. Contra os conselhos de todas as pessoas que conheco, estou na Cidade do Mexico.

Curiosamente, nenhum desses conselheiros alguma vez esteve sequer na Cidade do Mexico, e com o passar dos dias ficaria cada vez mais convencido de que mais vale experimentar os sitios pelo proprio pe. Pessoalmente, atraia-me o facto de visitar uma das maiores cidades do Mundo e a maior capital da America Latina. No momento em que aterro, e-me indiferente se a cidade e bonita, limpa, segura ou divertida. Quero saber como e a Cidade do Mexico e essa teimosia chamada curiosidade tem-me proporcionado bons momentos pela vida fora. (E maus, tambem, mas com esses tambem se aprende.)

Fomos recebidos em casa de um amigo num ambiente internacional onde estabelecemos o nosso quartel-general para visitar a cidade e ai passamos momentos unicos, tanto nos finais de tarde como pela noite fora, quando ficavamos em casa, em noites de festa a lembrar os antigos ambientes de Erasmus.

A Cidade do Mexico e um gigante caotico, poluido e descoordenado que eu jamais poderia vir a conhecer num ano, tal e a dimensao e a diversidade de zonas e bairros. Em quatro dias, portanto, a tarefa que tinhamos pela frente nao era conhecer a cidade, mas tentar tirar o maximo partido do tempo la e tentar compreender o que se passa nos varios diferentes bairros.

Aprendemos a usar o lentissimo e sobrecarregado mas moderno sistema de metro e a deixar de ter medo de olhar por cima do ombro a cada dez minutos. Perdemos o medo de andar nos taxis de rua, uns carochas com 30 anos, pintados de verde, guiados por condutores mal encarados mas encantadores. Comemos todos os dias nas bancas, frutas tropicais cortadas a nossa frente, tortas cheias de carne e picante e todo o tipo de vegetais.

Andamos quilometros e quilometros por avenidas poluidas entre autocarros de anos idos e buzinadelas por todo o lado. Entramos e saimos varias vezes da gigantesca metropole para visitar as alucinantes piramides de Teotihuacan e as cidades coloniais de Puebla e Cholula. Ficamos a conhecer os terminais de autocarros da Cidade do Mexico como o mapa de metro de Lisboa. Passeamos pelo chamado centro historico, uma amalgama pouco limpa de edificios coloniais e a inevitavel praca central, igual a tantas cidades espanholas espalhadas nao so por Espanha como por toda a America Latina.

E, no final dia, no inicio do dia seguinte e no proprio momento em que nos metemos num autocarro em direccao a costa, quatro dias depois da nossa chegada, a sensacao que sempre ficava e sempre ficou e a de que estamos numa cidade tao grande, tao inalcancavel, que e dificil fazer o seu retrato ou compreender o seu esqueleto. Cada dia que passa, fico com a nocao de que nada de caracteristico ou muito proprio ha naquela cidade que me permita descreve-la com palavras-chave ou adjectivos.

E enorme, sim, com avenidas de cinco faixas a cada esquina e arranha-ceus colados a barracas. E suja, caotica, cheia de transito, cheia de gente, humida, quente. Pobre, cheia de vozes cinzentas, lixo, paredes pintadas com campanhas eleitorais, fios de electricidade rebentando a chuva, pedintes no chao, bancas de comida, gente que vive na rua. Sem duvida, uma cidade viva, movimentada, onde se sente e vive o ambiente de sociabilidade tao rico e tao presente nas cidades latinas. Mas parece faltar um fio condutor, uma identidade, um tango, um cheiro a cafe fresco.

Fiquei com a sensacao - e que ingenuo sou, a emitir sensacoes depois de passar miseros quatro dias numa cidade de 25 milhoes de habitantes - que passei por uma cidade com tao pouca identidade que, por nao se encontrar essa falta de identidade em mais nenhuma, se torna unica e original.

Foram dias magicos a explorar recantos aparentemente desinteressantes ao olhar turistico, mas representativos daquela que e uma das mais importantes capitais mundiais, enorme poÇo de vidas sofridas, gigantesca amalgama de pessoas que jamais atravessaram sequer a sua propria cidade e berÇo, centenas de anos atras, de uma das mais brilhantes civilizacoes de sempre. os Aztecas.

Por tudo isto, porque estivemos na melhor casa da Cidade do Mexico e porque vale a pena conhecer tambem aquilo que nos desaconselham, passamos quatro dias inesqueciveis na capital do Mexico.

Quando partimos do terminal Autobuses del Sur em direccao a Acapulco, mais em busca de uma noite animada do que de Mexico genuino, debatemos alegres os nossos dias, antes de adormecer ao sabor do vagar lento do autocarro, que demora uma hora a sair da cidade.

Antes de fechar os olhos, sorrio para comigo, contente por saber como e a capital do Mexico, cidade menos bonita do que tantas outras, mas mais verdadeira do que a maioria; alias, como so as grandes capitais sabem ser.

Sunday, June 10, 2007

Por onde andas?

Por Nova Iorque, primeiro, num fim-de-semana alimentado a neons e mojitos, em ambientes que pensavas nao existir. No ar, depois, em direccao a Cidade do Mexico, onde te pasmaste ao aterrar, perdido na imensidao de casas amareladas no meio da secura. Ja na capital, mais tarde, com os pes bem na terra, perdido entre escapes e buzinas numa cidade sem dimensao que nunca dominaras, e onde tiveste a sorte de ser acolhido numa casa internacional pelo melhor anfitriao de todos que te proporcionou uma Cidade do Mexico como jamais previras. Em Acapulco, cinco horas de autocarro depois, nessa que e a maior nojeira que o Mundo tem para oferecer e de onde fugiste logo que pudeste, num autocarro de 8 horas em direccao a costa. E em Puerto Escondido agora, num paraiso de palmeiras e ondas perfeitas.

Numa semana, deixaste-te perder na noite e no dia de Nova Iorque, viveste tres dias na maior metropole de toda a America Latina, viste piramides de civilizacoes antigas, andaste mais de quinze horas em autocarros, conheceste gente de todo o Mundo, mergulhaste pela primeira vez no Oceano Pacifico e ainda tiveste tempo de passar pelo teu blog , tu, a quem te doem os ombros do escaldao que apanhaste, tu, que ja so pensas nos barzinhos aqui mesmo ao lado, tu, que esperas mais uma noitada numa varanda sobre o mar, enquanto la ao longe trovoes assustadores iluminam as profundezas do oceano.